Em 1981 - era eu um teenager inconsciente... - fui à "Oficina de Cultura" (um espaço em Almada Velha que, anteriormente, tinha sido um mercado abastecedor e, mais tarde, foi transformado em Teatro Municipal), para apresentar um trabalho de final de ano lectivo: um espectáculo de teatro (porque estava numa turma do nono ano geral unificado, opção Teatro, com a professora Maria Santos). Não interessa muito para o caso, mas posso dizer-vos que era o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente - e posso dizer-vos, também, que naquela época "fazer teatro" não era lá muito bem visto pela população em geral, nem mesmo pelos jovens em particular (mas eu hei-de contar-vos essas histórias noutra ocasião).
Ora bem, o que interessa dizer, aqui e agora, é que, porque o espectáculo estava integrado na programação da Feira do Livro de Almada (que, nesse tempo, era organizada "a meias" pela Câmara e pelo Centro Cultural de Almada), tive a sorte de, nesse mesmo dia, encontrar-me por lá com um certo escritor chamado José Gomes Ferreira - de quem eu nunca tinha ouvido falar - e que estava a "dar autógrafos".
Melhor: a autografar os livros que nós, jovenzinhos da Escola Secundária de Almada tinhamos como "brinde", oferta da Câmara Municipal, por irmos actuar naquele evento (a escola a que me refiro é a actual Fernão Mendes Pinto, depois de quase ter sido baptizada como Alberto Araújo... bem, um dia também vos conto essa história).
E lá estava aquele senhor já velhinho, muito simpático, de longos cabelos brancos e... Pronto, talvez eu esteja a divagar (a memória prega-nos partidas lixadas)... Mas lembro-me bem que lá conversador era ele: depois de perguntar o nome à rapariga que estava à minha frente (e que tinha nome de flor - Dália, salvo erro), lhe explica que o pai dela devia ser anarquista, porque os anarquistas rejeitavam os tradicionais nomes cristãos.
Eu, que nunca tive jeito para fazer conversa - e que, na verdade, "era" o Parvo - tenho então a brilhante ideia de lhe perguntar que tipo de pai julgava ele que chamava Vitorino a um filho (reparem que, já nesses remotos anos 80, eu - que sou um António - estava tão habituado a ser tratado como Vitorino, que já assumia isso como "nome próprio", ou quase).
Ora, o grande José Gomes - que, como fiquei a perceber mais tarde, era um "inventor" e, aparentemente, "pelava-se" por desafios destes - começa por dizer que, para eu ter um nome assim, o meu pai devia ter sido republicano (a implantação da República foi em 1910, estavamos em 1981, e eu tinha 16 anos...). Mas, melhor que isso, começa a elaborar sobre o assunto, de uma forma tão "poética", que a sua companheira (que também estava presente nessa sessão de autógrafos) se vê obrigada a fazê-lo "descer à terra", com estas palavrinhas tão singelas e - naquele momento, tão certeiras: «já estás a inventar!». Tão certeiras que ele se calou, terminámos ali a nossa conversa, eu passei à frente (com o "Poeta Militante, volume 1", onde o autor tinha escrito - salvo erro, porque esse foi um dos livros que trataram de me "extraviar" - "para o camarada Vitorino, com 2 amizades do Poeta Militante José Gomes Ferreira"), e lá fui preparar-me para a minha actuação, com muita pena de não ter o poeta a ver o "meu" espectáculo (porque, disseram-nos, ele já estava demasiadamente "velhote" para subir escadas - e nós actuávamos na sala de cima da Oficina da Cultura).
(Ah, pois: tenho também muita pena de não ter fotos dessa actuação para vos apresentar aqui. Já as tive. Mas também fazem parte do lote de coisas que me "extraviaram"... São mais histórias, que talvez vos conte um destes dias).
Depois, quando cheguei a casa e li o livro, "a minha vida mudou" (para usar uma daquelas tiradas dramáticas que nós, poetas meridionais e emotivos, muito apreciamos...). Ou seja: a influência de José Gomes Ferreira na minha primeira (e primária) produção "literária" foi tão grande, que andei a escrever coisas com títulos tais como "Elegia de Azul e Sangue (ao Tejo)" e outros que, mesmo que eu ainda os tivesse comigo (não os tenho, e nem me vou dar ao trabalho de explicar porquê...) não vos iria mostrar, de maneira nenhuma!
E, com isto, não estou a "renegar" a importância que o "poeta militante" teve na minha formação (modesta, digamos) enquanto escritor. Nada disso! Apenas segui, mais tarde, outros caminhos - mais influenciado, julgo eu, por autores como Alexandre O'Neill e Alberto Pimenta.
Não nego, também, a importância que, na minha formação cultural (e cívica...) tiveram "coisas" como o poema Acordai - musicado para a Academia dos Amadores de Música pelo Maestro Fernando Lopes-Graça - que, por acaso, também tive o privilégio de conhecer, na transição da década de '80 para a década de '90 quando fui a sua casa, na Parede (localidade da linha de Cascais), gravar em vídeo uma entrevista feita por algumas pessoas que, pouco depois, deram origem ao Coral Canto Novo...
Mas deixemos isso: conto-vos também essa hitória, noutra ocasião.
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