sexta-feira, abril 27, 2012

A Torre Velha, Monumento Nacional. Finalmente!

Informa o jornal Público (26 de abril de 2012): "A Fortaleza da Torre Velha, também designada Torre de São Sebastião da Caparica, localizada em Porto Brandão, no concelho de Almada, foi hoje classificada como Monumento Nacional pelo Governo." (noticia aqui).

A Torre ("velha" por oposição à sua "irmã gémea" mais nova, e mais famosa: a Torre de Belém) foi mandada construir por D. João II. Fazia parte de um sistema de defesa de Lisboa, inovador para a época. Funcionou como local de quarentena para quem aportava à capital do império. Foi também utilizada como prisão. Um dos escritores portugueses mais famosos no século 17 - D. Francisco Manuel de Melo - escreveu a sua "Carta de Guia de Casados" durante 2 meses que ali esteve detido (e consta que, durante esse período, terá trabalhado também em "O Fidalgo Aprendiz" - dois textos deliciosos, por sinal...).

Curiosamente, a primeira vez que li algo sobre a Torre Velha e respectivo processo de classificação foi também numa edição do Jornal Público... em 1991.

E já nesse tempo o processo era, também ele, "velho": os primeiros esforços nesse sentido foram feitos pelo município de Almada e por historiadores locais nos primeiros anos da década de 1980.

Em 1998 o semanário SemMais Jornal fazia um ponto da situação (imagem acima) de um processo que se arrastava - e que se arrastou até agora. Note-se que, nesse tempo, já havia um despacho do Ministério da Cultura (de 1996) que declarava o imóvel "em vias de classificação".

Mais sobre a Torre Velha:
No site do IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico
http://www.igespar.pt/en/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/70145/


Na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Forte_de_S%C3%A3o_Sebasti%C3%A3o_da_Caparica



Leitura recomendada:
Raul Pereira de Sousa
"Pequena História da Torre Velha"
Edição Câmara Municipal de Almada, 1997


terça-feira, abril 24, 2012

Movimentos sociais e revolução

 Foto: manifestação do 25 de Abril na Avenida da Liberdade, Lisboa, em 1994. 
Na década do aparente triunfo final do capitalismo. 
Num tempo em que os arautos neoliberais anunciavam o "fim da História"...



Nos tempos mais recentes, a esquerda portuguesa tem andado a radicalizar o seu discurso. Muitos dos que, durante décadas, se acomodaram às maravilhas da sociedade de consumo e não fizeram nada para contrariar a tendência para o conformismo e para o consumismo, parecem ter acordado agora, subitamente, talvez agitados pela emergência de "novas" formas de contestação e de "novos" movimentos sociais.

Esta tendência, na verdade, não é assim tão nova. Nas "redes sociais" (como o facebook - e desculpem a publicidade à marca) já há muito tempo se andam a convocar manifestações "antipartidárias", contra "o regime", contra "os políticos" e até mesmo contra "a política" em geral.

Os slogans repetidos por toda esta gente que só acordou agora (e que, pelos vistos, ainda não entende muito bem a realidade para a qual acordou) andam sempre à volta de qualuer coisa que se pode resumir usando um dos mais famosos: "revolução JÁ".

Slogans que são repetidos - à mistura com frases "contestatárias" e "revolucionárias", muitas delas sem sentido ou contradizendo-se entre si - tanto por gente de esquerda como por gente de extrema-direita. Os mesmos slogans, as mesmas frases...

Que a extrema-direita o faça não me espanta nada. Agitar a bandeira antipartidária e antiparlamentar é uma das velhas tácticas dessa gente (os nazis fizeram-no muito para chegar ao poder - e até queimaram, literalmente, o seu próprio parlamento; e em Portugal a "revolução nacional" de 1926, que instaurou um regime corporativo autoritário de direita - um regime fascista, portanto - fez-se contra a "confusão" e a "balbúrdia" dos partidos e do sistema parlamentar da 1ª República).

Que a esquerda embarque nisso já me parece mais estranho. Mas também não me surpreende muito: uma das grandes vitórias do capitalismo é, precisamente, ter conseguido infantilizar as pessoas (independentemente da sua opção política), levando-as a não pensar, a simplesmente repetir slogans (publicitários ou políticos, tanto faz - vende-se um presidente, ou um preconceito, da mesma forma como se vende um sabonete), a querer tudo e "JÁ", como se as revoluções fossem produtos que se vão buscar à prateleira do supermercado.

E assim, chegamos a um momento histórico em que a esquerda está debilitada por anos e anos (décadas e décadas) de desmantelamento do estado social, de recuperação capitalista e - igualmente importante ou, no caso presente, talvez ainda mais importante - condicionamento e conformação da sociedade aos valores capitalistas... mas não entende isso, julga que tem muita força e que, em vez de cerrar fileiras, resistir, defender o que ainda resta de democracia, o que deve fazer é passar ao ataque e fazer uma "revolução JÁ"!

Parece-me que toda esta euforia não é, na verdade, potenciada por propagandistas de esquerda. Desconfio que, pelo contrário, esta radicalização do discurso, todo este apelo à violência e ao confronto, está a ser feito por quem tem o poder (e as armas) e que são esses os principais interessados em "tumultos".

E penso que a única forma eficaz de contrariar isso é, sem ceder a intimidações, não lhes responder à letra. Não combater no terreno deles. Não nos armarmos em Dom Sebastião suicidando-se voluntariosamente nas areias de Alcácer Quibir.

Agir de forma racional, avaliando bem a correlação de forças. Não apenas reagir. Pensar, ter espírito crítico - e não apenas ir atrás de slogans. (É por isso que gosto tanto de projectos culturais de base popular, como o da Es.Col.A da Fontinha, e outros que lhe venham a seguir o exemplo, e que possam contribuir para formar cidadãos verdadeiramente atentos e críticos.)

Felizmente há quem, no meio do delírio que se está a instalar na sociedade portuguesa, ainda consiga fazer isso. Há quem, em vez de gritar frases incendiárias e vagos apelos a uma "revolução" que ninguém (a não ser, talvez, a extrema-direita) está em condições de fazer "JÁ", lembre, como o fez recentemente Mário Tomé, que a luta se faz com persistência, «luta cidadã, transformadora, contra estes chamados democratas, tecnocratas da finança, através dos movimentos sociais e através da proposta política que os partidos políticos farão, cada um à sua maneira» (artigo completo aqui)

Mas infelizmente (estranhamente?) estas declarações não foram divulgadas pelos militantes de esquerda nas "redes sociais" da internet.

Estarão à espera que algum Otelo reanime as "forças populares abril" e vá buscar uma "revolução JÁ" ao supermercado das revoluções?

quinta-feira, abril 19, 2012

Sobre a Es.Col.A da Fontinha


As imagens da desocupação da unidade educativa auto-gestionada da Fontinha, no Porto (Es.Col.A da Fontinha) estão a transformar-se em mais um fenómeno mediático, daqueles que dão muito jeito aos poderes instituídos.

Dão jeito porquê?

Porque, com isto, faz-se muito barulho, mostram-se imagens de violência, reduz-se tudo ao mediatismo de manifestações e "tumultos" (tumultos: Pedro Passos Coelho dixit), tal como aconteceu com a recente carga policial no Chiado (e como, suponho, infelizmente há-de acontecer em mais acontecimentos do mesmo género que se preparam para o futuro próximo). A "notícia", mesmo a mais aparentemente incómoda, é recuperada como objecto de consumo e de condicionamento ideológico. Caros consumidores... perdão, concidadãos (consumidores... concidadãos: Vítor Gaspar dixit), a violência vende, e muito.

No meio de tanto ruído, que informação passa para a generalidade das pessoas? Quem não sabia o que era aquela escola ficou a saber? Ou ficou só com a imagem de um grupo de anarquistas que ocuparam uma casa onde fizeram uma coisa que nem é reconhecida pelo sistema educativo nem nada?

Espero que este vídeo possa esclarecer. É a história daquele projecto educativo, contado pelos intervenientes.

Mais (in)formação e menos ruído, se faz favor.

quarta-feira, abril 04, 2012

Phylosophya


Um dia, Toniano Arclos proclamou:

- O mundo não existe, sou eu que o invento. E talvez mesmo eu não exista, se aquele que me inventou se contenta em me imaginar.

- Oh, discípulo infame, oh degenerado! - respondeu-lhe, com pesar, o severo
Mestre Rinotiv. - Julgas, pois, que em semelhantes formas de forma obtusa se pode verter o mel que te destinei?

Toniano Arclos tremeu, perante a ira do mestre. Mas Rinotiv prosseguiu:

- Julgas tu, discípulo ingrato, ter o hálito divino por guia das tuas caminhadas intelectuais? Abre a mente e não mintas ao teu próprio âmago. Isto é, se queres saber! O mundo só existe, para ti, se o quiseres. Mas isso pouco lhe adianta. Não queiras, e o mundo continua a ser o que é, tu pouco lhe importas.

- Mas, Mestre... - atreveu-se o relutante Toniano - acho em seu discurso a contradição fundamental, aquela que existe no meu medo de existir não existindo, de não existir existindo. Se eu invento, como podeis vós, minha invenção, falar assim? Se me inventais, como posso eu sentir que sou não inventado?

- Pequena cousa é essa contradição...

- Não termina neste ponto, ó meu mestre. O difícil é ter o mundo na cabeça, se quiser, e no entanto ele continuar a existir, como vós afirmais, e, existindo, existir mesmo que eu o não queira...

- É essa a tua dúvida, discípulo hesitante?

- Sem dúvida, Mestre, que esta é a minha primordial e infinita dedução do indizível.

- Inefável se diz, oh desvairado! E quanto ao teu não saber do mundo, ele em si é já um pouco sábio; é sábio pelo que tem de inefável, sábio é pelo que tem de precipício, ou princípio de contradição. Perturbo-te, discípulo temeroso? Mas explico. Conheces aquele velho e brejeiro dito "se a pedra no deserto é desconhecida da minha pessoa, será lícito eu crer que ela exista?" e conheces o outro, quiçá não menos brejeiro porém superlativamente assertivo, "a pedra no meio do deserto não existe enquanto eu dela não tomar conhecimento"?. Conheces?

- Sim, Mestre, deveras conheço.

- Pois bem. Aquilo a que se chama realidade é por nós entendida segundo diversas alegorias. Há quem lhe chame labirinto, alguns preferem configurá-la como uma espiral; outros ainda dizem ser a realidade uma estória arbitrária e compulsiva, tal um diálogo interminável da mão direita do criador com o seu órgão criativo; e outros inventam... eu sei lá... Tal como o nosso computador central admite e proclama, também eu confesso que só sei nada saber. Mas, ao contrário do nosso computador central, conheço bem que a percepção das cousas que existem neste mundo é uma percepção fisiológica, logo, material, logo, o processo da percepção começa antes de a própria percepção se ter manifestado em todos e em cada um de nós. Entendes isto?

- Difícil é de entender, ó meu Mestre...

- Mas, pobre discípulo, qualquer livro básico de dialéctica psicologico-materialista te informa sobre estas cousas.

- Então, Mestre, somos apenas máquinas de perceber, e o mundo joga e brinca com as nossas fraquezas e imperfeições biológicas?

- Se assim o preferires entender, pode ser uma verdade. Mas lembra-te de entender isto: somos nós, és tu, quem faz o mundo. A pedra que vês, se a vês, não é a mesma que tocas, se lhe tocas. Porque já os átomos de pele e pedra se cruzam, se misturam. E, se a pedra é assim, tocas-lhe com os dedos e já não é; quebras e são duas pedras; imaginas e as pedras para ti se multiplicam. Afinal, a matéria do cérebro, e da mão, e da pedra, é matéria igual. Só a sua organização específica difere em pedra, mão e cérebro. Por fim, ao moldares as pedras que multiplicaste em novas pedras, crias um corpo diferente do teu, feito da mesma matéria, mas diferente por ser realidade nova.

- E a pedra que não vejo, por estar perdida no meio do deserto?

- De essa se pode dizer que tem a felicidade de não conhecer criatura tão terrível para com as pobres pedras dos desertos deste mundo.

- E devo crer que ela existe?
- E ela, deve crer que tu existes?

- Devo, então, Mestre, duvidar?
- Exacto.

- Como ela de mim duvida?
- Sem dúvida!

- Então, duvidar sempre, e de tudo?
- Sempre. E de tudo.

- De tudo?
- E sempre.

- Sempre?
- E de tudo!

- Uau!!!


Affonso Gallo

Texto publicado no poezine Debaixo do Bulcão
editado em Almada, no mês de setembro de mil novecentos e noventa e oito.

Nota: este é o único texto em prosa que se conhece desse obscuro autor almadense que assina com o pseudónimo de Affonso Gallo. De resto, pouco se sabe sobre este autor. Fernão Lopes, na primeira parte da Crónica de El Rei Dom João Primeiro de Boa Memória e dos Reis de Portugal o Décimo menciona um Affonso Gallo que, em 1384, sendo regedor da vila de Almadaã, foi capturado pelo exército castelhano e levado diante dos muros da fortaleza por um cavaleiro gascom de nome Mosse Ymam, muito homem de prol e bom homem de armas, que exigiu aos sitiados a entrega da vila pois, caso contrário, o regedor havia de morrer. E responderam-lhe os de dentro que bem os podia elRei de Castela matar se quisesse, mas que a vila não dariam por cousa alguma que fosse. E como o cavaleiro gascom não lhes deu ouvidos e continuou exigindo a rendição da vila, os de dentro fizerom prestes um trom pequeno e tiraram-lhe dantre as ameias. E foi tal sua ventura que o tiro deu com ele morto por terra e ficou Affonso Gallo vivo de pé (supõe-se, aliás, que é deste episódio que deriva a conhecida expressão popular portuguesa "grande galo!"). Além disto, existe, na toponímia almadense, uma Rua Affonso Gallo. Contudo, os estudos científicos até hoje realizados, bem como as especulações filosóficas sobre o assunto não comprovaram que se trate do mesmo Affonso Gallo - e há, de resto, razões bem fundamentadas para supor que o não seja.

segunda-feira, abril 02, 2012

Polissemia nas imagens (ou na visão dos espectadores?)



Olhemos para estes dois pares de imagens (que andam a circular na internet) . São iguais ou diferentes?

O texto é complemento da imagem? Ou faz parte da imagem?

De que forma a substituição de uma palavra por outra (e a inclusão de cores - às quais associamos significados específicos - nas palavras) altera (ou não altera?) a percepção da mensagem?

E, já agora, qual é a mensagem?

Há, a este respeito, uma frase de Roland Barthes muito citada: "toda a imagem é polissemica e pressupõe, subjacente aos seus significantes, uma “cadeia flutuante” de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros".

Talvez por isso mesmo, o primeiro pensamento que me ocorreu quando vi o primeiro par de imagens foi qualquer coisa como: "disparate! de um lado conceitos culturais, de outro uma visão idílica da natureza... qual é a ideia?".

E só entendi (mas entendi mesmo?) ao ver, depois, o segundo par - que julgo ser o original, pelo que o outro será uma alteração (para não dizer deturpação). As imagens são as mesmas. Mas a legenda (que é imagem, também, ou não? - ou melhor: a imagem é também texto, ou não?) permitiu-me (ou possibilitou-me) uma percepção (leitura) diferente da que tivera em primeiro lugar.

EGO e ECO - o trocadilho, de alguma forma "desdramatiza" a mensagem; mas, por outro lado, torna-a (a meu ver) mais legível. ECO, de ecologia, em vez de "natureza". Ecologia, ciência que estuda as relações dos organismos com o seu meio ambiente (não apenas com os outros seres vivos... mas esqueçamos esse pormenor, para não complicar) em vez de uma "natureza" idealizada (na qual, a levar aquilo à letra, nenhum ser humano sobreviveria durante muito tempo).

Ah, pois, há também a questão de homens e mulheres separados, com o homem em cima na estrutura piramidal e ambos misturados indiscriminadamente com a restante bicharada na estrutura circular. Sim, percebi a ideia, estejam descansados. Essa era a parte mais fácil.

Num mundo em que estamos expostos (e nos expomos) a um fluxo constante de mensagens, e em que somos cada vez mais tanto emissores como receptores, há que ter atenção (ou cuidado) com as imagens que emitimos - e que podem, muito bem, ter o efeito contrário ao desejado. Nunca devemos dar como garantido que o "público alvo" da nossa mensagem tem as mesmas referências que nós e que, portanto, a vai entender tal como nós a entendemos. A descodificação é uma coisa tramada.

E isto é válido para as imagens que escolhi para ilustrar este artigo, tal como é válido, por exemplo, para cartoons que comparam vândalos urbanos com vândalos financeiros, ambos a incendiar coisas; imagens com supostas criancinhas africanas desnutridas que são postas a circular com a legenda "partilhem, pode ser que assim as multinacionais se comovam e ajudem"; ou as fotos (e vídeos) de cargas policiais e outras violências, espontâneas ou encenadas, aqui, no México, na Ucrânia ou no Cú de Judas (que, na internet, é já ali adiante).

A overdose de imagens está a fazer de nós espectadores acríticos? Confusos, sem capacidade de descodificar? Defensivos, procurando, na multiplicidade de ofertas (veja-se o caso da televisão por cabo ou das "redes sociais" da internet) apenas o que nos interessa e nos conforta (ou, alternativamente, o que nos interessa porque nos horroriza e desconforta), ignorando tudo o resto?

Não sei. Mas nunca fiando...