segunda-feira, maio 14, 2012
Catastroika
"O novo documentário da equipa responsável por Dividocracia chama-se Castastroika e faz um relato avassalador sobre o impacte da privatização massiva de bens públicos e sobre toda a ideologia neoliberal que está por detrás.
Catastroika denuncia exemplos concretos na Rússia, Chile, Inglaterra, França, Estados Unidos e, obviamente, na Grécia, em sectores como os transportes, a água ou a energia. Produzido através de contribuições do público, conta com o testemunho de nomes como Slavoj Žižek, Naomi Klein, Luis Sepúlveda, Ken Loach, Dean Baker e Aditya Chakrabortyy.
De forma deliberada e com uma motivação ideológica clara, os governos daqueles países estrangulam ou estrangularam serviços públicos fundamentais, elegendo os funcionários públicos como bodes expiatórios, para apresentarem, em seguida, a privatização como solução óbvia e inevitável. Sacrifica-se a qualidade, a segurança e a sustentabilidade, provocando, invariavelmente, uma deterioração generalizada da qualidade de vida dos cidadãos. As consequências mais devastadores registam-se nos países obrigados, por credores e instituições internacionais (como a Troika), a proceder a privatizações massivas, como contrapartida dos planos de «resgate».
Catastroika evidencia, por exemplo, que o endividamento consiste numa estratégia para suspender a democracia e implementar medidas que nunca nenhum regime democrático ousou sequer propor antes de serem testadas nas ditaduras do Chile e da Turquia. O objectivo é a transferência para mãos privadas da riqueza gerada, ao longo dos tempos, pelos cidadãos. Nada disto seria possível, num país democrático, sem a implementação de medidas de austeridade que deixem a economia refém dos mecanismos da especulação e da chantagem — o que implica, como se está a ver na Grécia, o total aniquilamento das estruturas basilares da sociedade, nomeadamente as que garantem a sustentabilidade, a coesão social e níveis de vida condignos.
Se a Grécia é o melhor exemplo da relação entre a dividocracia e a catastroika, ela é também, nestes dias, a prova de que as pessoas não abdicaram da responsabilidade de exigir um futuro. Cá e lá, é importante saber o que está em jogo — e Catastroika rompe com o discurso hegemónico omnipresente nos media convencionais, tornando bem claro que o desafio que temos pela frente é optar entre a luta ou a barbárie."
(Obs: texto copiado do canal do Youtube que disponibiliza o vídeo)
Site do documentário:
http://www.catastroika.com/indexen.php
terça-feira, abril 24, 2012
Movimentos sociais e revolução
Nos tempos mais recentes, a esquerda portuguesa tem andado a radicalizar o seu discurso. Muitos dos que, durante décadas, se acomodaram às maravilhas da sociedade de consumo e não fizeram nada para contrariar a tendência para o conformismo e para o consumismo, parecem ter acordado agora, subitamente, talvez agitados pela emergência de "novas" formas de contestação e de "novos" movimentos sociais.
Esta tendência, na verdade, não é assim tão nova. Nas "redes sociais" (como o facebook - e desculpem a publicidade à marca) já há muito tempo se andam a convocar manifestações "antipartidárias", contra "o regime", contra "os políticos" e até mesmo contra "a política" em geral.
Os slogans repetidos por toda esta gente que só acordou agora (e que, pelos vistos, ainda não entende muito bem a realidade para a qual acordou) andam sempre à volta de qualuer coisa que se pode resumir usando um dos mais famosos: "revolução JÁ".
Slogans que são repetidos - à mistura com frases "contestatárias" e "revolucionárias", muitas delas sem sentido ou contradizendo-se entre si - tanto por gente de esquerda como por gente de extrema-direita. Os mesmos slogans, as mesmas frases...
Que a extrema-direita o faça não me espanta nada. Agitar a bandeira antipartidária e antiparlamentar é uma das velhas tácticas dessa gente (os nazis fizeram-no muito para chegar ao poder - e até queimaram, literalmente, o seu próprio parlamento; e em Portugal a "revolução nacional" de 1926, que instaurou um regime corporativo autoritário de direita - um regime fascista, portanto - fez-se contra a "confusão" e a "balbúrdia" dos partidos e do sistema parlamentar da 1ª República).
Que a esquerda embarque nisso já me parece mais estranho. Mas também não me surpreende muito: uma das grandes vitórias do capitalismo é, precisamente, ter conseguido infantilizar as pessoas (independentemente da sua opção política), levando-as a não pensar, a simplesmente repetir slogans (publicitários ou políticos, tanto faz - vende-se um presidente, ou um preconceito, da mesma forma como se vende um sabonete), a querer tudo e "JÁ", como se as revoluções fossem produtos que se vão buscar à prateleira do supermercado.
E assim, chegamos a um momento histórico em que a esquerda está debilitada por anos e anos (décadas e décadas) de desmantelamento do estado social, de recuperação capitalista e - igualmente importante ou, no caso presente, talvez ainda mais importante - condicionamento e conformação da sociedade aos valores capitalistas... mas não entende isso, julga que tem muita força e que, em vez de cerrar fileiras, resistir, defender o que ainda resta de democracia, o que deve fazer é passar ao ataque e fazer uma "revolução JÁ"!
Parece-me que toda esta euforia não é, na verdade, potenciada por propagandistas de esquerda. Desconfio que, pelo contrário, esta radicalização do discurso, todo este apelo à violência e ao confronto, está a ser feito por quem tem o poder (e as armas) e que são esses os principais interessados em "tumultos".
E penso que a única forma eficaz de contrariar isso é, sem ceder a intimidações, não lhes responder à letra. Não combater no terreno deles. Não nos armarmos em Dom Sebastião suicidando-se voluntariosamente nas areias de Alcácer Quibir.
Agir de forma racional, avaliando bem a correlação de forças. Não apenas reagir. Pensar, ter espírito crítico - e não apenas ir atrás de slogans. (É por isso que gosto tanto de projectos culturais de base popular, como o da Es.Col.A da Fontinha, e outros que lhe venham a seguir o exemplo, e que possam contribuir para formar cidadãos verdadeiramente atentos e críticos.)
Felizmente há quem, no meio do delírio que se está a instalar na sociedade portuguesa, ainda consiga fazer isso. Há quem, em vez de gritar frases incendiárias e vagos apelos a uma "revolução" que ninguém (a não ser, talvez, a extrema-direita) está em condições de fazer "JÁ", lembre, como o fez recentemente Mário Tomé, que a luta se faz com persistência, «luta cidadã, transformadora, contra estes chamados democratas, tecnocratas da finança, através dos movimentos sociais e através da proposta política que os partidos políticos farão, cada um à sua maneira» (artigo completo aqui)
Mas infelizmente (estranhamente?) estas declarações não foram divulgadas pelos militantes de esquerda nas "redes sociais" da internet.
Estarão à espera que algum Otelo reanime as "forças populares abril" e vá buscar uma "revolução JÁ" ao supermercado das revoluções?
sábado, março 24, 2012
Carga policial no Chiado: uma história de bons e maus?

A propósito da carga policial no Chiado, Lisboa, no dia da Greve Geral (22 de março de 2012), e na sequência do que escrevi anteriormente - Informação versus "comunicação" na arena da junk food mediática - aqui ficam dois vídeos que podem ajudar a esclarecer uma história muito mal contada.
A versão da história que anda a correr mundo fala de uma carga policial e de agressões a jornalistas. Mas não conta o que aconteceu antes da carga policial. Os próprios jornalistas escondem isto. Porquê? A quem interessa todo este show off, toda esta falta de rigor? Quem quer reduzir isto a uma agressão gratuita dos "maus" (a polícia) contra os "bons" (os manifestantes)?
Esta é a versão que anda a ser divulgada. Note-se que são vídeos feitos no mesmo local, no mesmo acontecimento. Mas não parece, pois não? Porquê?
Evidentemente, nada pode justificar a violência desproporcionada da carga policial.
Mas, da mesma forma, só interesses obscuros (ou a vontade de fazer propaganda, ignorando o rigor informativo) podem "justificar" que a história tenha sido tão mal contada por quase toda a gente - pela comunicação social dominante mas também pelos que tanto a acusam de sensacionalismo e parcialidade... para a seguir fazerem exactamente aquilo que antes condenavam. E querem ser levados a sério?
sexta-feira, março 23, 2012
Informação versus "comunicação" na arena da junk food mediática

Ontem foi dia de greve geral em Portugal. Uma greve que teve grande adesão e, portanto, grande sucesso nos objectivos a que se propunha (dados sobre a greve disponíveis em http://www.grevegeral.net).
Mas ontem foi também dia de manifestações e de cargas policiais.
Portanto - logicamente? - as "notícias" de hoje dão relevo às manifestações e cargas policiais, deixando para segundo plano a greve e os seus resultados.
Mas não só as "notícias" dos grandes órgãos de comunicação social. Também na internet o que mais se vê são imagens das cargas policiais, divulgadas por pessoas que, em princípio, teriam interesse em não alinhar no sensacionalismo que a comunicação social dominante promove.
Na minha opinião, insistir em imagens de violência sem as contextualizar apenas faz com que as pessoas se habituem mais e mais às imagens de violência. Não é assim que se ganham ou se mobilizam para uma causa pessoas que não estejam já sensibilizadas. Os outros (a maioria) olham para essas imagens como olham para tantas outras que se habituaram a consumir. Mesmo que se sintam indignadas, mesmo que manifestem simpatia por um (ou outro) dos lados "em confronto", não se querem envolver. Foram condicionadas a pensar assim. Não é à toa que se diz que vivemos numa "sociedade do espectáculo".
Eu sei: é uma opinião polémica. Mas é resultado do que tenho observado e analisado ao longo dos anos (e também, naturalmente, resultado da minha praxis profissional). Espero poder desenvolver e fundamentar melhor este assunto em futuros artigos.
Entretanto, ao olhar para a forma como as fotografias e vídeos das manifestações e cargas policiais de ontem têm vindo a ser divulgadas (e como, por terem audiência garantida, servem também para vender publicidade: um dos vídeos "amadores" feito numa das manifestações está a ser divulgado no site de um diário português... mas quem tenta aceder ao vídeo leva primeiro com publicidade a uma marca de automóveis - isto para dar só um exemplo), lembrei-me do livro "Jornalismo e Sociedade", escrito há uma dúzia de anos por um dos mais prestigiados jornalistas portugueses, Fernando Correia.
Aqui ficam algumas passagens que podem - espero eu - ajudar a contextualizar isto tudo (não dispensa a leitura do livro na sua totalidade).
"Nunca como actualmente foram tão evidentes a transformação da notícia em mercadoria e a sujeição das estratégias informativas às estratégias comerciais, de que a valorização do secundário e a subvalorização do importante, o sensacionalismo, a superficialidade, a informação-espectáculo e a explosão dos excessos da imprensa cor de rosa constituem, em planos diversos, expressões concretas.
Toda esta situação, como seria inevitável, tem-se reflectido na forma de pensar e de agir dos jornalistas, considerados individualmente e como grupo profissional. À prevalência dada aos imperativos comerciais e à subordinação dos critérios jornalísticos às chamadas exigências de mercado (mas quem é que faz com que as exigências de mercado sejam estas e não outras?), juntam-se uma série de outros factores que vão quebrando e dissolvendo a anterior homogeneidade profissional.
(...)
A prevalência absoluta das leis do mercado (isto é, da capacidade dos mais poderosos estabelecerem e arbitrarem, em seu proveito, as regras do jogo económico) e a centralidade social adquirida pela comunicação em geral e pelos media em particular, juntamente com a aplicação de novas tecnologias, trouxeram consigo formas diferentes de fazer jornalismo e novos enquadramentos profissionais. Seria totalmente errado fechar os olhos às realidades e não aceitar uma necessária e indispensável evolução nos modos de conceber o jornalismo.
(...)
Por um lado, o próprio facto de as novas tecnologias proporcionarem um extraordinário aumento da realidade acessível aos media sublinha a necessidade e a importância da tarefa do jornalista enquanto mediador (investigador, revelador e criador) entre essa realidade, cada vez mais vasta e diversificada, e o público.
Por outro lado, porém, o jornalista está ameaçado nos seus fundamentos pelas novas possibilidades técnicas (informação em maior quantidade, mais rápida, se necessário em tempo real, etc) - não, naturalmente, pela própria existência dessas novas possibilidades, mas sim pela sua apropriação e utilização ao serviço de estratégias mediáticas socialmente determinadas. Estratégias prioritariamente dirigidas, nomeadamente no caso da TV, para a valorização do efémero, do distractivo e do superficial, em prejuízo do profundo, do sério e do substancial (o que não significa que toda a informação tenha que obedecer sempre a estes critérios!)
(...)
Isto implica uma concepção dos media e do jornalismo não apenas enquanto mero negócio, mas como uma actividade com deveres e obrigações de natureza social, decorrentes da sua força e capacidade ímpares para influenciar a opinião pública. Esta concepção, para ser operacional, não pode constituir apenas património dos jornalistas, tendo também que ser, de alguma maneira, partilhada pelos agentes que intervêm na produção e edição de informação.
Existe um espaço de autonomia jornalística que, no entanto, tende a estar cada vez mais circunscrito aos quadros dos valores e dos critérios vigentes. O facto de, lamentavelmente, haver cada vez mais jornalistas que, por convicção ou não, participam diligentemente na concretização de tais valores, não é mais do que um reflexo - grave e preocupante - da situação dos media no ponto de cruzamento de interesses económicos, políticos e ideológicos, sob a batuta visível ou a inspiração oculta dos senhores do dinheiro.
(...)
Os manuais ensinam que o bom jornalista terá que ser culto, ter interesse pelas realidades humanas e curiosidade pelas coisas da vida, dominar bem as técnicas do ofício e respeitar a deontologia. Mas numa actividade como esta, tão próxima das pessoas, do seu quotidiano e dos seus problemas, e com tanta influência sobre elas, julgo indispensável, por parte do jornalista, o aprofundament da sua responsabilidade social.
Uma responsabilidade social sem a qual, ao esquecer as implicações económicas, políticas, culturais e religiosas inerentes ao jornalismo enquanto fenómeno social, o exercício da profissão se descaracteriza e empobrece, perdendo grande parte do seu significado e das suas virtualidades ao serviço da valorização e da transformação dos homens e da sociedade".
Fernando Correia
"Jornalismo e Sociedade" - Editorial Avante!, Lisboa, 2000
Entendem o que tem tudo isto a ver com a imagem acima (e com o contexto em que foi captada, e com a forma como está a ser divulgada e vulgarizada)?
quarta-feira, março 21, 2012
A marca da ditadura. E a ditadura das marcas
O sistema político-económico em que vivemos tudo transformou (e transforma) em objecto de negócio. O lucro é o seu valor moral mais elevado. "Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio", escrevem Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista.
E, noutra passagem do mesmo livro "A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as actividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência." Pois que "A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas" (...) "Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era dos estados e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."
"Tudo o que era sagrado é dessagrado": tudo se compra, tudo se vende - até a imagem de ditadores. E mesmo a imagem de revolucionários (vejam o que se tem feito com a famosa fotografia de Che Guevara - sobre isso escrevi no "post" abaixo deste).
Vendem-se presidentes como se fossem sabonetes.
E pretende-se vender em Portugal o vinho Salazar como se vende na Austrália o gelado Magnum Cherry Guevara.

"É tudo negócio, nada de pessoal", como diziam os mafiosos dos filmes de Francis Ford Copolla. É a lógica do capital.
A ideia peregrina que a câmara municipal de Santa Comba Dão teve - criar a marca salazar - tem enfrentado a contestação de pessoas que não se esquecem que Salazar foi não uma garrafa de vinho, mas sim um ditador que manteve Portugal num regime opressivo de estilo fascista e colonial, que promoveu e defendeu a iliteracia, que convencia o povo de que a pobreza em que vivia era uma virtude e uma honra (e ao mesmo tempo mantinha os cofres do Estado cheios de ouro), que mandou jovens matar e morrer numa guerra injusta e que obrigou tantos outros a emigrar.
E é claro que temos de lutar contra isso. Contra esta e todas as tentativas de branquear a imagem do ditador e da ditadura.
Vender um "vinho salazar" pode ser acima de tudo um negócio para fascistas e saudosistas mas é, também, obviamente, uma banalização inaceitável de algo que não pode ser olhado senão como um mau exemplo, com o qual temos de aprender (para não o repetir) em vez de deixarmos passar como mais uma banalidade. Concordo que devemos combater tudo o que possa servir como pretexto para reescrever a História (ou esquecê-la, o que é quase tão mau).
Mas é boa ideia, também, tentarmos alargar o horizonte da nossa percepção. Ver para além do nevoeiro de propaganda que nos rodeia. Não agir apenas por reflexo e quando o mal já está feito ou em vias de se concretizar.
Se chegámos a este ponto não foi só porque alguém de repente se lembrou que podia fazer negócio com a "marca salazar".
Se alguém se lembrou que podia fazer negócio com isso, é porque sabe que à partida terá clientes. E se quem quer fazer uma coisa dessas acha que vai ter clientes, então sabe que há pessoas dispostas a esquecer (ou a não querer conhecer) o passado ainda não muito distante. E que haverá, até, pessoas para quem o nome Salazar não diz nada. É mais uma marca entre tantas outras. Tal como (lamento dizê-lo) é para muitos jovens por todo o mundo a marca Che Guevara: uma entre tantas outras.
Não, não estou a querer comparar o revolucionário com o ditador! Obviamente que não! Estou a comparar a apropriação que o capitalismo faz das figuras de um, de outro, e do que mais aparecer e der lucro - depois de devidamente descontextualizado e esvaziado de sentido : "A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as actividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência"
Vivemos numa ditadura de grandes multinacionais que, por todo o lado, vão impondo as suas leis e substituindo o papel que até há não muito tempo estava reservado aos estados. Os simbolos visíveis destes novos ditadores são as marcas.
Nesta sociedade consumista, as marcas substituiram (para uma grande fatia da população da Europa, América do Norte, Ásia, Austrália, e mesmo para muitos na América Latina e em África) os símbolos das ideologias.
As pessoas - os jovens, mas nao só os jovens - afirmam-se pelo que têm e podem exibir, e não pelo que pensam, pelas ideias que defendem e pela forma como lutam pelas suas ideias. Há excepções, evidentente. Há os que lutam contra este estado de coisas. Mas esses são ainda poucos.
Durante as últimas décadas as pessoas foram convencidas a acatar uma nova ideologia: a do consumo, custe o que custar e custe a quem custar.
Nos anos 90, ao mesmo tempo que se reduziam salários e se aumentava a exploração da mais-valia, dava-se às pessoas a esperança de uma vida melhor, com mais acesso a bens materiais.
Como foi isso possível?, poderão perguntar alguns. A resposta é: facilitando o crédito ao consumo! As pessoas não tinham assim tanto dinheiro, mas podiam pedir empréstimos para comprar bens de consumo. Empréstimos que, inevitavelmente, não poderiam pagar no futuro. E os bancos sabiam isso muito bem! Assim, os consumidores de ontem tornaram-se os reféns de hoje - reféns de um sistema financeiro que tem nos bancos a sua face visível e nas marcas os seus símbolos ideológicos.
Mas essa aparente prosperidade dos anos 90 não chegava a todos. Havia, ainda, uma classe média. Mas era relativamente pequena. Muita gente não acedia (ou muito dificilmente acedia) a esse paraíso consumista.
A maior parte das pessoas já não passava fome. A pobreza tinha diminuido, é certo. Mas o acesso aos bens de consumo da moda, como automóveis, telemóveis ou roupas de marca - e tê-los era sinónimo de sucesso, segundo a ideologia dominante - não era para todos.
E assim vimos, ao longo da década de 90, jovens dos subúrbios, mais ou menos organizados, a roubar e assaltar, não para comer, mas para ter acesso a esses bens. Os telemóveis e a roupa de marca eram os troféus mais apetecidos. Exibi-los era o sinal exterior de um "sucesso" ilusório.
A orgulhosa exibição de "roupas de marca" - ou seja, a orgulhosa exibição das marcas no corpo de quem deu dinheiro, ou roubou, para as ter (leia-se: propaganda grátis às marcas feita por quem adquiriu o produto) - só por si dava um tratado. Espero que alguém, um dia, o escreva.
Tal como o crédito ao consumo "oferecido" e "facilitado" pelos bancos, o culto das marcas viciou as pessoas. Fez com que todos - ricos, pobres, classe média, enquanto existiu - aceitassem como "natural" esta religião do consumo.
A religião não deixou de ser o ópio do povo. O vinho salazar pode ser uma merda. Mas o consumismo é a droga maior. Ambos intoxicam.
E todos nós, os que não se revoltaram, não reagiram e não denunciaram a tempo, estamos intoxicados e temos culpa por nos termos deixado intoxicar.
Estamos a tempo de sair disto? E queremos?
domingo, março 18, 2012
Vinho de Santa Comba nunca mais! Agora só cerveza!

A Câmara Municipal de Santa Comba Dão quer registar o nome "Salazar" como marca comercial. O primeiro produto a ser lançado com a marca do ditador será um vinho (produção típica da região), baptizado de "Memórias de Salazar" (notícia aqui).
Não. Não estou a delirar. Não é uma piada. Bem vindos a Portugal, em 2012, século 21.
Repugna-vos a ideia? Pois, também a mim.
Mas a verdade é que isto me dá o pretexto para vir aqui falar de uma coisa que me anda a atormentar. É que quanto mais eu vejo mais eu cismo que tudo é produto de consumo, tudo é apropriado pelo capitalismo.
Mesmo o que começa por ser revolucionário, anti-capitalista.
Querem um exemplo muitíssimo esclarecedor? Vejam o que se tem feito com a imagem de Ernesto Che Guevara.
Ora, se é assim com os símbolos revolucionários, como não havia de ser com os símbolos reaccionários? A nossa indignação é legítima. Mas parece-me que temos aqui uma boa oportunidade para pensar, também, se não teremos sido, todos (revolucionários incluidos) demasiado condescendentes - para não dizer cúmplices - com o consumismo.
É claro que isto - a apropriação pelo capitalismo daquilo que, à partida, lhe era adverso - merece uma abordagem mais séria. Por isso mesmo, espero voltar ao assunto no "post" que há-de aparecer por cima deste.
(E Sérgio Godinho que me perdoe os trocadilhos... Mas o tema estava a pedi-los.)
quinta-feira, março 08, 2012
Problemas antigos...
A História não se repete: continua.
domingo, março 04, 2012
Greve ao consumo!

Greve ao consumo de produtos de "entertainment" (de lazer ou culturais): uma iniciativa convocada não sei por quem, mas que subscrevo e apoio activamente.
terça-feira, fevereiro 28, 2012
O tratado mais triste

O tratado de Maastricht (conhecido pelos portugueses na época mais propriamente como o tratado mais triste) foi assinado em fevereiro de 1992. É habitualmente considerado o documento que cria a União Europeia (UE), a partir do que era até então a Comunidade Económica Europeia (CEE).
Encontrei este cartoon numa edição do jornal Avante! dessa época - 1991 ou 1992, não tenho a certeza.
Lembrar que, tal como D'Artagnan, fomos avisados e não fizemos caso pareceu-me uma boa maneira de comemorar. Vivemos tempos grotescos, de tragicomédia.
quarta-feira, fevereiro 15, 2012
Os bancos portugueses têm prejuízos? Boa piada...
Há certas ocasiões em que um tipo - por muito que queira ser imparcial, por muito que tente não andar para aqui a repetir slogans e não entrar em euforias ou depressões - não pode deixar de rir (para não chorar) perante o descaramento de quem lhe tenta atirar areia para os olhos. Neste caso, o descaramento da banca privada portuguesa que, aparentemente, terá tido "prejuízos" de milhões de euros durante o ano de 2011. Coitadinhos dos "nossos" banqueiros, não é?
Este vídeo é de uma conferência de imprensa do PCP, na qual Jorge Pires explica as manobras contabilísticas que levam a este resultado só aparentemente desastroso para bancos que - ainda por cima e sem se preocuparem com a contradição - se dizem de tão boa saúde!
Uma "contabilidade criativa" que, no fundo, contribui para o objectivo da política neoliberal em curso: tirar ao Estado (a todos nós) para dar aos especuladores privados. Mais do mesmo, portanto. Mas cada vez com maior à-vontade e descaramento.
Felizmente há quem os denuncie, e com esta clareza e objectividade.
O texto completo está em:
http://www.pcp.pt/divulga%C3%A7%C3%A3o-dos-resultados-da-banca-obtidos-em-2011-uma-opera%C3%A7%C3%A3o-ideol%C3%B3gica-com-objectivos-muito-prec
sexta-feira, fevereiro 10, 2012
Ao Terreiro do Paço, claro!

"Estamos perante uma política de terrorismo económico e social que exige uma resposta de grande dimensão a nível nacional.
O Governo do PSD-CDS e o grande patronato pretendem:
- colocar o Estado ao serviço das empresas;
- pôr a segurança social a financiar os patrões para pagar menos e precariezar as relações de trabalho;
- facilitar os despedimentos e diminuir as indemnizações e o valor do subsídio de desemprego;
- flexibilizar os horários de trabalho e reduzir a retribuição;
- atacar a contratação colectiva e promover o trabalho gratuito com a redução de feriados e dias de férias.
Esta é um política que é preciso combater. Dia 11 vamos manifestar todos os descontentamentos, protestos e indignações contra a política que rouba aos trabalhadores e ao povo ao mesmo tempo que empurra o país para o precipício."

sábado, dezembro 10, 2011
Atacar o parlamento é lutar contra o sistema? Ou é ajudar a acabar com o que resta da democracia?

sexta-feira, setembro 16, 2011
«O neoliberalismo instituiu a "crise" como um regime político» - José Goulão

Desde que me lembro de andar cá andar pelo mundo, sempre tenho ouvido falar em crise. Foi a crise do petróleo nos anos 70, as diversas crises dos anos 80 - e até dos anos 90! - depois a do princípio do século 21, e agora esta. Ou estas... (será a de 2008 a mesma que vivemos agora)?
Mas também, desde há muito tempo, ouço pessoas dizerem-me que as "crises" (assim, entre aspas) não são mais que desculpas que os governantes arranjam para nos pedir sacrifícios. Ou que (outra opinião que há muito tenho ouvido) a crise, neste caso sem aspas, é afinal inerente ao próprio sistema.
No livro "Pagadores de Crises" (Sextante Editores, 2010), o jornalista José Goulão ajuda-nos a entender o mundo (e as crises) em que vivemos, e como chegámos ao que chegámos.
Mas este não é um trabalho "de tese". É, antes, uma investigação jornalística, muito bem fundamentada. Parte de factos, e não de opiniões. Factos que podem ser verificados e confirmados por qualquer um de nós - quase toda essa informação encontra-se publicada e acessível na internet - e que são, diria, coisas até do senso comum. Nada de teorias da conspiração, aqui!
Sabe-se que o liberalismo é uma teoria nascida no século 18 que defende a mínima intervenção do Estado nos assuntos económicos; que a teoria foi retomada e desenvolvida no século 20, na Europa e nos EUA; que depois de diversos debates entre os teóricos neoliberais prevaleceu o modelo de Milton Friedman e da "Escola de Chicago"; que alguns dos seus alunos (e o próprio Friedman) aplicaram o modelo na prática e à escala de um país pela primeira vez no Chile de Pinochet, a partir de 1973; que o modelo começou depois a expandir-se a partir do Reino Unido de Tatcher e dos EUA de Reagan; que hoje está implantado em praticamente todo o mundo. Isto são os tais factos incontestáveis e verificáveis (se quiserem aprofundar o assunto este artigo da Wikipédia pode ser um bom ponto de partida: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo).
Faltava apenas relacionar esses factos, aprofundar a compreensão dos mecanismos - políticos, sociais, económicos, propagandisticos - com que funcionam, e apresentá-los numa "linha de tempo", para contar a história dos últimos 40 anos. Que é, portanto, a história do aparecimento, desenvolvimento e consolidação desse "regime universal" (definição do autor) que hoje nos governa. José Goulão faz isso. E, partindo dos factos, chega a conclusões que, para muitos de nós, poderão ser perturbadoras
Mas, também aí não será muito difícil concordarmos com o autor. Se pensarmos nos factos que nos são apresentados, se soubermos reflectir sobre eles - se soubermos pensar com o tal tipo de pensamento que utiliza o senso comum - descobrimos que a coisa pode muito bem ser assim como é descrita no livro, e não como somos levados a crer pela informação (ou melhor: pela falta de informação sobre o assunto) com que somos constantemente bombardeados.
Pensei fazer uma recensão crítica do livro. Mas não tenho jeito nenhum para essas coisas. Deixo-vos algo melhor: a transcrição de parte de uma entrevista dada por José Goulão a outro jornalista (José Manuel Rosendo), na Antena 1, em 2010. (O áudio integral da entrevista encontra-se no site desse canal, ao qual podem aceder clicando aqui.)
JMR - Depois de 40 anos de jornalismo, um livro que não podia ser mais pertinente: Pagadores de Crises. Sendo que logo na capa se anuncia que "a crise é o sistema político em que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns. José Goulão, este dito aplica-se a Portugal?
JG - Claro. Aplica-se no fundo ao mundo inteiro e - por questões absolutamente normais, de convivência universal - aplica-se a Portugal.
JMR - Um livro sobre a crise em plena crise...
JG - É um livro sobre a crise em plena crise, embora deva confessar que a génese (do livro) não é esta actual crise, é a crise de 2007. A ideia nasce aí. A realidade veio confirmar a inves

JMR - E tudo isso feito por governos que têm a legitimidade do voto. Esta ideia de que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns significa que a democracia está moribunda?
JG - Significa que a democracia ficou emparedada naquilo a que podemos considerar a convergência num grande bloco a que se chama os partidos estruturantes ou os partidos com vocação governamental - como se todo o mundo e todas as pessoas dependessem das discussões que se passam por exemplo entre o engenheiro Sócrates e o dr. Passos Coelho (obs: a entrevista é de 2010). Ora, a democracia é muito mais do que isso, é muito mais do que essas duas pessoas ou de quem as representa em conjunturais negociações. E democracia somos nós todos, o Estado somos nós todos. Mas aquilo que se verifica é o esvaziamento completo do Estado como aparelho dos cidadãos. E o Estado está um resíduo desprestigiado, ao serviço de interesses que não são propriamente os dos cidadãos, mas de alguns cidadãos que parecem ser mais cidadãos que os outros. E esta é a realidade desta crise que todos nós pagamos - por isso "Pagadores de Crises" - para apenas alguns viverem, e viverem bem. Onde é que está nisto a democracia? Está em que todos votamos, e votamos livremente, e falamos livremente. Agora, podemos não ser ouvidos? Podemos. E é o que está a acontecer: não somos ouvidos. E o nosso voto depois de colocado na urna segue um destino que nenhum de nós controla porque encaminhado para dois partdos que depois entre si mesmos têm birras mas não têm visões diferentes da governação. E a democracia encaminha-se depois para as decisões desses senhores. Isto é uma democracia emparedada e há que libertá-la. É um simulacro de que alguns se aproveitam usando o voto de todos nós.
JMR - Isto é um livro carregado de ironia. Aliás, ao longo do livro chama a atenção para isso mesmo. Não corre o risco de provocar más interpretações? Ou pelo menos não conseguir que a interpretação dada seja aquela que é pretendida?
JG - A ironia é uma forma de comunicação para pôr de certa forma a realidade a nu, e por vezes a ridículo. Embora este ridículo seja ridículo com coisas muito sérias, que são a nossa vida, a sobrevivência de milhões de pessoas que vivem num mundo completamente desregulado e cheio de desequilíbrios. Desequilíbrios esses que se aprofundam. Eu creio que a ironia é uma forma de chamar muito a atenção para a crueza desta realidade.É um livro polémico, claro. É um livro que vai gerar opiniões muito divergentes. As pessoas podem não estar de acordo, ótimo. Aliás, a democracia é exatamente isso. Mas é um livro que através da ironia, através de factos, e os factos estão lá, e são factos que qualquer um de nós tem a noção de que são assim mesmo, e as pessoas tirarão as suas ilações e sobretudo se as compararem com a vida que vivemos hoje e com aquilo que se passa à nossa volta.
JMR - A crítica ao capitalismo selvagem é muito forte. Como é que os pagadores de crises podem deixar esse estatuto nada invejável?
JG - Fazendo funcionar a democracia. É essa a questão, é desbloquear a democracia. Assumirem-se cada vez mais como cidadãos e conseguirmos todos arranjar maneira de sermos ouvidos. Deixarmos de estar a votar para surdos e para pessoas que já, independentemente daquilo prometem, depois fazem aquilo que lhes apetece. A democracia tem espaços, tem virtualidades. As liberdades têm este espaço amplo de podermos discutir. É questão de que estas realidades sejam denunciadas de uma maneira cada vez mais evidente, furando também o bloqueio de comunicação. Porque como sabemos todo este regime, digamos, universal beneficia de um sistema brutal de propaganda, que é montado através dos grandes meios de comunicação social, subservientes, no fundo, ao próprio regime.
JMR - É possível fazer uma reforma deste capitalismo ou este é um poder que não admite reformas?
JG - Este poder não admite reformas. Podendo a crise se considerada como um estado supremo do neoliberalismo... Estes regimes vão apodrecendo, como todos os regimes autoritários - e este é de facto um regime autoritário, na sua essência, não por vezes naquilo que nós identificamos como um regime autoritário à Pinochet, ou ditatorial, mas é autoritário porque não permite espaços de contestação efectivamente eficazes. É contestação pela contestação. Este neoliberalismo não se suicida, como eu digo no último capítulo, é preciso digamos que, e também aqui recorrendo à ironia, suicidá-lo. É preciso transformar toda esta sociedade e para isso é fazer funcionar a democracia. E assumirmo-nos todos como cidadãos e de alguma maneira trabalharmos todos para que o Estado seja colocado ao serviço dos cidadãos e deixe de ser esta coisa híbrida, este molusco que as pessoas acabam por desprezar. Porque quem está à cabeça do Estado no fundo não gosta do Estado, acha que o estado está a mais, que o Estado é um mal necessário, e usa o Estado para servir não os cidadãos, mas alguns cidadãos, como já disse. Este sistema está muito bem instalado, consegue sobreviver, e sobrevive cada vez mais, à custa de nos ir espremendo a nós, pagadores de crises, cada vez mais. E democraticamente temos que reflectir, discutir, e fazer funcionar a democracia e fazer com que, de alguma maneira, sejamos ouvidos, se não por aqueles que continuarem surdos, por outros que saibam, ouvir, escutar, e que saibam no fundo governar. Governar em nome das pessoas e para as pessoas e através de mecanismos que sejam respeitadores das pessoas, que é isso que não temos hoje.
Nota de rodapé - José Goulão "é um jornalista português. Iniciou a actividade em A Capital, em 1974, e trabalhou em O Diário, no Semanário Económico e na revista Vida Mundial, de cuja última série foi director.
Foi também director de comunicação do Sporting Clube de Portugal.
Fez carreira na àrea de Política internacional , especialmente nas questões do Médio Oriente , sendo os seus comentários nesta matéria frequentemente requisitados por diversos órgãos de comunicação social , como a TSF e o Canal 2: da RTP" (segundo a Wikipédia).
Numa entrevista ao jornal de A Voz do Operário, prefere no entendo apresentar-se como "um jornalista, que foi um dia para Beirute, para a guerra de 1982 e ficou completamente fascinado pela problemática do Médio Oriente.
Um jornalista que quanto mais aprofunda o conhecimento sobre essa área menos sabe sobre ela, porque a riqueza cultural, civilizacional e o que está em causa naquela região é de tal modo arrebatadora que ultrapassa o fascínio... e é tão complexa, que é inimiga de quem se acha senhor da verdade.
Portanto, em relação àquela região, eu jornalista, não tenho nem a verdade, nem o conhecimento, nem o preconceito.
Sei que conheço o que lá se passa, mas não tenho a veleidade de conhecer o Médio Oriente.”
Nota de rodapé à nota de rodapé - José Goulão foi, igualmente, professor em cursos de Jornalismo realizados no Centro Cultural de Almada, na segunda metade da década de 1980. Foi nessa associação almadense que tive a oportunidade de o conhecer. E, se mais tarde enveredei também pela "carreira" (não simpatizo muito com essa palavra...) de jornalista, foi muito por influência do seu exemplo profissional. Não só mas também, como se costuma dizer...
domingo, setembro 11, 2011
11 de setembro: dia em que o mundo mudou

11 de Setembro é, sem dúvida, a data mais relevante na História do mundo contemporâneo. 11 de Setembro assinala o início da era neoliberal: o dia em que o poder foi retirado à força a um governo democraticamente eleito para, em seu lugar, colocar um grupo de "rapazes de Chicago", economistas, discípulos da doutrina neoliberal de Milton Friedman, apoiados por um general (Pinochet) e por uma junta militar sem escrúpulos, que lhes fizeram todas as vontades.
Falo-vos, como já entenderam, do 11 de setembro de 1973 - data do golpe militar que derrubou o governo de Unidade Popular de Salvador Allende. E não é por preconceito ideológico que me refiro a esta data como o dia em que o mundo mudou. É, antes, por rigor histórico.
O golpe de 11 de Setembro e a chegada ao poder dos neoliberais, pela mão de Pinochet (e do governo dos EUA) é, pode dizer-se, o acto inaugural do modelo em que praticamente todo o mundo vive hoje. O Chile foi o grande laboratório para a doutrina neoliberal. Pela primeira vez na História, a teoria da "Escola de Chicago" foi aplicada à escala de um país inteiro.
"O Chile, quando sofreu o golpe militar liderado por Pinochet, responsável pelo bombardeio do palácio do Governo que assassinou o presidente democraticamente eleito Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, adotou imediatamente um plano de ação chamado de O Ladrilho, que fora preparado pelos golpistas da direita, com o auxílio de um grupo de economistas, chamados pela imprensa internacional da época os Chicago Boys, provenientes da Universidade de Chicago. Este documento continha os fundamentos do que, depois, viria a ser chamado de neoliberalismo" (Wikipédia)
Trocando em miudos: havia um grupo de economistas que defendia a "libertação" das "forças de mercado", a desregulamentação, a desvalorização do papel regulador do estado, a auto-regulação dos "mercados" - "a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo" (Wikipédia).
Por coincidência, muitos desses economistas eram chilenos e fizeram a sua pós-graduação na Universidade de Chicago, com Milton Friedman, principal teórico da "Escola de Chicago". Daí a designação "Chicago Boys". "Chicago Boys (em português: Garotos de Chicago) foi o nome dado a um grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet." (Wikipédia)
No Chile existia então um governo de orientação socialista, eleito democraticamente. Governo exercido por uma coligação de partidos (UP - Unidade Popular, que englobava os partidos Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata e Movimento de Ação Popular Unitária), e encabeçado pelo presidente Salvador Allende (o Chile era, e ainda é, um país de regime presidencial).
Mas os EUA consideravam tal governo uma ameaça aos seus interesses. O presidente norte-americano, Richard Nixon, e o seu secretário de Estado, Henry Kissinger, diversas vezes manifestaram em público a sua hostilidade ao governo do Chile. De resto, o envolvimento dos EUA na desestabilização da sociedade chilena durante o governo de Allende - por exemplo, incentivando o aparecimento de grupos de extrema direita ou de órgãos de comunicação social - e na preparação do golpe militar são hoje factos incontestados e bem documentados. (Para mais informação, sugiro a leitura deste artigo: Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973)
Grupos violentos hostis ao governo (grupos de extrema direita, mas também de extrema esquerda, como o MIR), imprensa manipulada pelos interesses norte-americanos e umas forças armadas que nunca chegaram a estar verdadeiramente ao lado do poder eleito: tudo isso contribuiu para enfraquecer a Unidade popular e abrir caminho ao golpe militar de 11 de Setembro de 1973.
Mas a intenção dos militares golpistas era, à partida, apenas tomar o poder para liquidar Allende e a UP. Não tinham um programa político. E é aí que entram os "rapazes de Chicago". A Junta de militares entrega-lhes ministérios como os da Economia, Finanças, Trabalho e Aposentadorias e outros cargos importantes no aparelho de Estado, como a direcção do Banco Central ou a superintendência do Sistema de Segurança Privado. E, nas mãos desses "rapazes", rapidamente a economia é desregulada, as empresas estatais vendidas ao preço da chuva (e, por coincidência, compradas por esses mesmos "rapazes", ou pelos seus encarregados de negócios - não sei isto vos faz lembrar realidades mais próximas de nós...), os sindicatos livres são aniquilados, a oposição silenciada.
Assim, "quando se deu o 25 de Abril em Portugal, os rapazes de Chicago treinados por Milton Friedman começavam a usar o Chile como território para a aplicação das normas da liberalização total do mercado" (...) "O neoliberalismo, que ainda hoje se apresenta como ventre puro da democracia e farol da «revolução democrática mundial», deu os primeiros passos como regime político a partir de um golpe militar sangrento e durante dezasseis anos governou à vontade através da desregulação da economia, sem oposição política e sem sindicatos dirigidos por representantes dos trabalhadores", escreve o jornalista José Goulão em "Pagadores de Crises" (livro que, diga-se de passagem, é a principal fonte para este artigo).
Depois, com a chegada de Margaret Tatcher ao poder, tiveram um novo território de experiência, no Reino Unido. Aí, precisariam de se adaptar a uma democracia... E "adaptaram-se", transformando-a num regime mais autoritário (não é por acaso - ou por ser fã de heavy metal... - que Tatcher recebeu a alcunha de "dama de ferro"), "quebrando a espinha aos sindicatos", reforçando o estado policial, etc.
A coisa melhorou bastante (para os neoliberais, claro) com a entrada em cena de um actor de coboiadas chamado Ronald Reagan. Este, uma vez eleito presidente dos EUA, escancarou as portas do que era então o maior mercado do mundo aos neoliberais da cidade dos "gangsters" dos filmes de Hollywood. E, tal como Tatcher, não teve problema nenhum em usar métodos deveras "democráticos" como o despedimento colectivo de 12.172 controladores aéreos em greve, assim mesmo de uma assentada, para mostrar quem manda e como passariam a ser as regras de aí em diante. (Vou repetir, por extenso, para não pensarem que me enganei: doze mil, cento e setenta e dois controladores aéreos, num despedimento colectivo. Vejam a notícia de 8 de agosto de 1981, no site do El Pais).
A cereja em cima do bolo foi o desmantelamento da União Soviética e dos países socialistas do Leste da Europa. Aí os neoliberais encontraram paraísos quase tão bons (ou melhores?) que o Chile de Pinochet: Estados em dissolução, empresas públicas a saque, consumidores ávidos de "mercado livre". E foi o que se viu. Com Bush pai, com Clinton (embora menos...) com Bush filho (sobre esse não me quero alongar, porque não saíamos daqui - mas são bem conhecidas as suas relações com os lóbis do petróleo e com a família dos Laden, por exemplo). E andamos nisto...
Sabemos hoje como o modelo neoliberal está consolidado (apesar das "crises", muitas das quais não passam de dramatização para atingir novos objectivos, atacar países e abocanhar novos mercados) e, embora condenado ao fracasso (é a minha convicção) ainda está aí para fazer muito mal ao mundo. Se olharmos para a História recente - como fizemos neste artigo - apercebemo-nos, então, que o modelo foi testado em primeiro lugar no Chile de Pinochet. Entendemos, assim, a importância histórica desse 11 de Setembro de 1973.
Lembrar esta história é, também, homenagear as vítimas do ataque às torres gémeas de Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001. Porque foram vítimas não só de um ataque terrorista, mas de uma sucessão de acontecimentos políticos que têm a sua génese nas ideias e nas acções dos "rapazes de Chicago" e do seu líder. Foram vítimas de um sistema desumanizado e cruel, que a todos nos consome.
E a questão não é transformá-lo: é acabar com ele.
Fontes consultadas:
José Goulão, "Pagadores de Crises", Sextante Editora, 2010
Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973 (no blogue Mamífero Político)
El País - arquivo online
Wikipédia - vários artigos
TWO MEMORABLE SEPTEMBER 11ths - em Submerging Markets
(e outros sites)
foto encontrada em
http://fmdelacuadra.blogspot.com/2010/09/11-de-septiembre-un-dia-sin-guerra.html
quarta-feira, agosto 17, 2011
Motins em Inglaterra: dividir para reinar?
Stephen Lendman, escritor norte-americano, membro do Center for Research on Globalization, defende que os motins em Iglaterra não foram apenas um protesto espontâneo, mas sim uma acção provocada pelos poderes para tentar dividir os movimentos anti-sistema e, ao mesmo tempo, testar a força do Estado em futuras revoltas - que supõe inevitáveis - contra as políticas de austeridade.
"Penso que Cameron conseguiu exactamente o que queria. O assassinato de um jovem negro acontece com demasiada frequência, na América e noutros países ocidentais e normalmente não origina motins de rua, edifícios em chamas, violência extrema, tiroteios... Mas o assasinato de Mark Duggan provocou isso tudo.
Penso que isto foi um incidente provocado pelo Estado. Não foi apenas a polícia assassinar um jovem negro. Penso que isto foi o "incidente de Cameron". Cameron, tal como Obama, é um instrumento político do que podemos chamar a sequência de poder do dinheiro.
O que está a acontecer é que temos terrível depravação social em curso, numa depressão global. Há sofrimento humano, real. Desemprego, probreza a crescer, fome, pessoas sem abrigo... E tudo isso está a piorar cada vez mais. E (os governos) em vez de lidar com a situação, na Europa e na América aplicam a "receita" da austeridade. Isso é como deitar gasolina numa fogueira para aumentar as chamas. O grande medo, na América, no Reino Unido, e em toda a Europa, é que possa realmente acontecer uma erupção social.
Penso que este incidente teve como objectivo separar negros de brancos, incitar motins raciais, separar grupos que, se estiverem unidos, podem ser uma força poderosa para a justiça social. Além disso, distrair a atenção das pessoas da sua miséria económica, assustá-las. E testar sistemas de comando e de controlo para a luta maior que eles esperam que venha a acontecer mais adiante. Porquê? Porque os programas de austeridade que estão a ser implementados vão tornar as condições do dia a dia ainda piores, e as pessoas vão reagir.
A pergunta-chave é quem ganha e quem perde. O Estado vence, derrubando-nos, sugando o máximo de proveitos para a sequência de poder do dinheiro que dirige estes países. Tirando mais ao cidadão comum, às classes trabalhadoras, aos pobres... fazendo-os sofrer mais, encorajando a ira. Precisam de um plano para os abater.
Este foi um teste. Foi para testar o sistema, num nível baixo. Alguns dias de motins, para ver como precisarão de contra-atacar quando os grandes protestos acontecerem. E vão acontecer, e podem ser horríveis, e eles querem estar preparados. É o que estão a preparar em Inglaterra e no resto da Europa."
domingo, agosto 14, 2011
Olhar para o mundo sem medos e sem preconceitos

Numa entrevista publicada no Ionline, o General Loureiro dos Santos parte dos acontecimentos ocorridos em Inglaterra nos últimos dias para uma análise à situação mundial.
A entrevista é extensa, está publicada integralmente no site - ler aqui - e o que reproduzo são alguns excertos em que o militar analisa os assuntos com mais preocupação de os entender de um ponto de vista social e não apenas geo-político.
Nesses momentos, Loureiro dos Santos consegue ser mais "marxista" que a maior parte dos analistas de esquerda - porque não se limita a tentar entender (ou apenas explicar, como fazem muitos "intelectuais de esquerda") como é que a miséria social (e cultural, digo eu) é o caldo de cultura para estes fenómenos, nem os "justifica" apenas com a ideia preconcebida (e muito confortável, para muitos, mesmo quando mal fundamentada) que isto é o prenúncio da grande revolta dos pobrezinhos que hão-de derrubar o capitalismo e essas coisas.
Pelo contrário: faz uma análise dinâmica, pragmática, e nada idealista nem fatalista ou determinista (no sentido alienante que a expressão pode ter). E chega mesmo a ser didáctico.
Vejam, por exemplo, como usa uma imagem tão simples para explicar a crescente proletarização da sociedade. Ou como a "sociedade da informação" condiciona a maneira como olhamos para o mundo e nos relacionamos com a realidade, deslumbrando-nos com a "novidade" de fenómenos que pouco ou nada têm de novo, ou como a virtualização da economia leva a fenómenos absurdos (mas com influência real) de que o "poder" artificial das agências de "rating" é exemplo acabado.
(O que está a acontecer em Inglaterra) É apenas vandalismo gratuito?
As razões profundas estão ligadas à construção das sociedades, começam nos guetos das cinturas explosivas das grandes cidades e há uma série de razões que originam situações assim. Não é a primeira vez que isto acontece em Inglaterra. Vemos as imagens de 1980 e são as mesmas. A segunda fase é que acho que mostra impunidade. Aquilo prosseguiu daquela forma porque a resposta não foi suficiente. (...)
Fala nas condições que propiciam situações destas. Quais são elas?
Discriminação social e o sentimento de que não são tratados como os outros. E depois a diferença entre os que têm muito e os que têm muito pouco...
E esse fosso está a aumentar...
Exacto. E o problema novo que altera tudo é que as sociedades foram sempre constituídas por dois mundos diferentes, mas não havia o que há hoje, que é a informação permanente. Ela transformou as coisas. Tudo aquilo que sempre existiu passível de originar actos de revolta agora está perante os nossos olhos, portanto os pobres, os que vivem mal, os que se sentem injustiçados ou discriminados, os que não sabem bem onde pertencem, comparam-se com os outros. E esse conhecimento permanente gera indignação. (...)
Podemos extrapolar esta situação e dizer, como alguns, que é um prenúncio do que vai acontecer em todo o lado?
Acho que tem de haver respostas rápidas a isto, porque esta crise trouxe uma situação nova. É que no passado, quando se falava de desemprego e utilizando linguagem militar, quem ia para o desemprego eram os soldados, os operários. Agora não, agora vão os soldados, os sargentos, os capitães, os majores, vão todos para o desemprego e há gente da classe média, até da média alta, desempregada e desesperada. Isto pode conduzir a revoltas organizadas e, em desespero, podem fazer-se muitas coisas. E esta situação deve merecer muita atenção dos responsáveis políticos, principalmente em termos preventivos. É preciso encontrar políticas que evitem estas situações.
Que tipo de políticas?
Não sei. Até agora eram apoios sociais, para amenizar as dificuldades, mas por causa da crise o que está a acontecer é que os apoios sociais estão a desaparecer. E isto está tudo inserido numa grande transformação estratégica. (...)
Acha que o sonho europeu falhou?
Houve uma série de pessoas com esse sonho, que viam uma Europa tipo Estados Unidos. Mas desde o início foi claro que nem a Alemanha, nem a França nem o Reino Unido estavam interessados nisso, porque não queriam que houvesse uma câmara alta em que o Luxemburgo pudesse pesar tanto como a Alemanha. Como é que a Alemanha podia admitir isso? Na UE nunca houve solidariedade. Eu escrevo isso desde o ano 2000. Que não pensemos que outros vão vir em nosso socorro. Como esta subida do preço dos alimentos: alguém pensa que, se nós estivermos aflitos sem dinheiro para comer, a Alemanha ou a França nos vêm dar alimentos e ficam eles com fome? Que ninguém pense nisso! Em Portugal houve líderes que se convenceram de que agora éramos todos iguais, podíamos ser todos ricos e andámos a gastar o que não tínhamos! Isto explica a nossa actual situação e não fomos só nós que o fizemos, foi a maior parte dos países. Não há solidariedade internacional e a prova é o que está a acontecer na UE. (...)
Falando em rating, o que pensa dessas agências? Ultimamente tem-se questionado muito a sua existência e poder.
O poder é-lhes dado pela forma como os estados reagem aos seus anúncios. Não são elas que detêm poder, quem lhes dá o poder são os estados. Quando os EUA ficam completamente à nora com a baixa do rating estão a dar-lhes muito poder. O capitalismo já não é aquele que os teóricos do século xx referiam. Agora quem controla são organizações acéfalas, que não se sabe bem o que são, nem quem manda lá... Mas são eles que manobram a economia mundial. E mais, hoje o dinheiro é virtual, são bits, aquelas coisas do computador, que não é nada [risos]. Se não houver mudanças nos estados democráticos, se não arranjarem forma de sair desta tendência quase inevitável, vamos caminhar para capitalismos do género russo ou chinês, autoritários, sem liberdades, sem democracia, e isso é um perigo. Os países democráticos têm de evitar que o actual capitalismo sem rosto se transforme em sistemas ditatoriais.
O que é que pode ser feito?
Têm de ser os jovens. O problema principal deles, hoje em dia, não se punha no meu tempo. Antigamente ter segurança no trabalho era um dado adquirido, não se pensava na fonte de rendimento. Agora isto cria desespero nos jovens. Mas há uma coisa que me espanta nos jovens hoje. No passado, com a revolta dos jovens de Maio de 68, havia propostas, coisas novas. Agora não, aquilo que os indignados dizem é que isto está mal e depois apresentam questões pontuais que passam por "dêem-me emprego". A ideia que dá é que eles concordam com este modelo, desde que lhes dêem um emprego. Isso é errado, porque o modelo é que está mal, foi o modelo que levou a esta situação! Têm de aparecer propostas e os jovens são os únicos com condições para as apresentar.
Uma ideia é pedir uma auditoria dos cidadãos à dívida pública.
Isso nem sequer é uma ideia original, mas parece-me razoável. As ameaças à segurança nacional neste momento não são susceptíveis de resposta militar, têm de ter respostas políticas, económicas, sociais, e espero que não venham a precisar de resposta militar. Há muita gente que vaticina isso, que diz que o que está a acontecer é o que se passou a seguir à grande crise dos anos 30, que começou por aqui: dívidas, nacionalismos, fascismos, guerra. Espero que não chegue aí, sinceramente, até porque as sociedades estão de tal forma vulneráveis e frágeis, por serem tão complexas, que não vão resistir a um abalo. Julgo que vamos passar por um período muito complicado, que não deverá ser muito prolongado - porque isto hoje está muito acelerado - e vão surgir soluções. O mundo nunca deixou de encontrar uma solução. Não pensemos que vamos desaparecer, até porque essas ideias são vendidas pelos mais velhos [risos].
Nota (propositadamente) final - a imagem que ilustra este artigo é um pormenor de uma foto-reportagem sobre motins de jovens em França, em 1983. Publicada no livro "L'Année de La Photo - Le grand show de l'actualité", edição Love Me tender - Sipa Press, 1983.
sexta-feira, agosto 12, 2011
Fim do mundo? Não: apenas uma remodelação.
(Nota de rodapé, para os que têm dificuldade em lidar com figuras de estilo: não, não estou a comparar os planos capitalistas com os projectos de requalificação da cidade de Almada. Estou a dizer que as pessoas que pensam que os motins em Inglaterra são a revolução ou o fim do capitalismo já para amanhã estão tão enganadas como os que pensavam que as obras do metro de superfície eram o fim do mundo)
sexta-feira, julho 01, 2011
Câmara inaugura mais um parque de estacionamento. Entretanto, na vida real...
Ligo para a Ecalma:
- Boa tarde. Alguém estacionou uma viatura em cima do passeio em frente à minha casa, impedindo-me o acesso ao contador da luz. Já posso chamar a Ecalma para virem resolver o problema?
- Não. Continuamos a ter ordens superiores para não intervir nessa rua.
Pouco a acrescentar, portanto, ao que já escrevi sobre o mesmo assunto, aqui. Continua tudo na mesma, a Câmara sabe como resolver o problema, mas não o resolve, não deixa resolver, nem explica porquê.
E a mensagem que vai passando aos munícipes é: nestas coisas da mobilidade não levem muito a sério o que a gente diz, porque nós também não! É só propaganda.
É muito triste ver as coisas chegarem a este ponto.
domingo, junho 05, 2011
Portugal, anos 80, Portugal hoje: descubra (ou faça) a diferença

(Na foto: manifestação de estudantes em 1987, frente ao Ministério da Educação e Cultura, liderado então por João de Deus Pinheiro/PSD)
Entre 1983 e 1985 Portugal teve um governo de bloco central PS/PSD. A partir de 1985, um governo minoritário do PSD, com Cavaco Silva como primeiro-ministro. Foram tempos de grande crise económica (com "ajuda" do FMI, desde 1983), de grandes lutas de massas com gigantescas manifestações de muitos milhares de pessoas, e de repressão e atantados contra as liberdades democrática (num desses anos, até a habitual manifestação de 25 de Abril, no Rossio, foi cercada pelo Corpo de Intervenção da PSP!!!).
Depois de tanta crise, tanta luta e tanta resistência, o PRD apresentou uma moção de censura na Assembleia da República (aprovada com votos a favor de PS, PCP e seus aliados e, naturalmente, do PRD) que fez cair o governo e convocar eleições antecipadas. Fomos então a votos. E, contrariando todas as expectativas, foi o PSD (Cavaco Silva) quem ganhou, e com maioria absoluta.
Assim se desperiçaram tantas energias, tantas lutas... E apartir daí a direita neoliberal instalou-se no poder, de onde ainda não saiu. Porque os revolucionários daquele tempo não levaram a luta até ao voto. Erraram por excesso de confiança.
As semelhanças com a realidade actual parecem-me óbvias (*). O desfecho é que pode ser diferente.
Ou vamos, agora, cometer o mesm o erro?
(*) embora a realidade actual me pareça, comparada com a dos anos 80, uma realidade diminuida... mas isso é conversa para outra ocasião.