segunda-feira, junho 22, 2015

Proposta para a promoção da literacia mediática (operativa e crítica) em Almada

Educação, cultura e informação na sociedade em rede - proposta para a promoção da literacia mediática  (operativa e crítica) em Almada (*)


Apresento esta comunicação com o propósito de contribuir para a concretização dos objectivos estratégicos 4 e 5 do PDM de Almada,  nomeadamente no que se referem a "desenvolvimento de uma política de formação de agentes culturais para o movimento associativo" e "diversificação e aprofundamento das formas de participação dos cidadãos na vida do município".

Parto da observação - empírica, mas sustentada pelos poucos dados estatísticos disponíveis - de que as literacias operativa (funcional) e crítica (a que permite questionar as linguagens no plano ideológico) se encontram, presentemente longe do desejável e necessário para uma efectiva cultura de cidadania e participação informada.

Almada é, na actualidade, um dos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa com piores índices de circulação e leitura de periódicos e um dos que mais piorou, a esse nível, nas últimas décadas (fonte: Pordata). Entretanto, não existem - ou, se existem, não se encontram publicados - estudos e dados estatísticos sobre os hábitos culturais e a literacia dos almadenses. Tal carência de dados dificulta a tentativa de avaliar o problema objectivamente, com rigor e sustentação científica.

Não existe no concelho comunicação social que faça investigação jornalística e privilegie a reportagem junto das "forças vivas" (reportagem é mais que a simples divulgação ou cobertura noticiosa de eventos) ou que estimule e promova o debate de ideias.

Nem sempre foi assim: na segunda metade da década de 1980 existiam no concelho pelo menos 4 rádios locais; na década de 1990, duas rádios locais e pelo menos um jornal vocacionado para reportagem, investigação e estímulo ao debate de ideias. Os novos órgãos de comunicação social e as novas plataformas não apresentam essas características (exceptuando a possibilidade que abrem ao debate de ideias - possibilidade pouco aproveitada na prática, devido a vários factores, entre os quais o excesso de "ruído" provocado por "notícias" falsas e opinão mal informada).

Nos anos mais recentes verificou-se, a par do desaparecimento desses órgãos de comunicação social, um decréscimo acentuado - aparente (faltam os estudos no que diz respeito a Almada...) - da literacia crítica e mesmo da literacia operativa, da população do concelho.

Isso verifica-se na forma como, por exemplo, as mensagens da CMA dificilmente são recepcionadas e entendidas por sectores significativos do público a quem, supostamente, se destinam. Verificamos essa deficiência nas comunicações sobre o Metro Sul do Tejo, o Plano de Mobilidade Acessibilidades XXI, ou as funções e competências da ECALMA - para mencionar só 3 dos casos mais evidentes.

É verdade que, no que diz respeito ao Metro Sul do Tejo e ao Plano de Mobilidade, a CMA produziu e divulgou abundante informação, algumas vezes de assinalável qualidade. Mas a experiência ensina-nos que produzir e divulgar informação não é o suficiente para que a mensagem que pretendemos transmitir seja recepcionada e entendida.

É preciso fazer da informação assunto de debate público, e não apenas em eventos pontuais, mas criando hábitos de debate nas comunidades locais e nos meios de comunicação disponíveis (órgãos de comunicação social, redes sociais da internet, etc.)

E é fundamental avaliar permanentemente a eficácia da divulgação e os resultados do debate.

Esses processos (informação, debate, avaliação) devem envolver o poder local - Juntas de Freguesia, Assembleia Municipal, Câmara e outras estruturas com competência nas matérias em questão - bem como a comunidade educativa, os agentes culturais e os comunicadores (incluindo aqui os órgãos de comunicação social e os órgãos de informação, a par de outras personalidades que trabalhem nos diversos aspectos da comunicação).

E, para sustentar o debate em termos rigorosos e científicos - não meramente teóricos ou opinativos - permitindo a expressão de opiniões informadas, é necessário incentivar a produção e divulgação de estudos nos âmbitos das ciências sociais, da psicologia social (incluindo neurociências e ciências da evolução) e das ciências da comunicação. Fazendo-o numa perspectiva que terá de ser integrada e multidisciplinar, geradora de sinergia, não dirigista mas entendida como ferramenta para elevar as formas de literacia e, consequentemente, para melhorar a capacidade de intervenção democrática dos cidadãos e das suas estruturas e, em última análise, ajudar ao melhor desempenho dos próprios órgãos do poder local.

Uma vez entendida e assumida a necessidade de integrar estas propostas numa estratégia de desenvolvimento socio-cultural, seria importante começar, desde logo, a perspectivar formas práticas e efectivas de reunir as estruturas e personalidades interessadas na sua concretização e deixar que sejam estas a decidir qual a melhor forma e a melhor solução orgânica para concretizar tais projectos.
(Na minha opinião, a melhor solução orgânica passa por estabelecer parcerias com as melhores instituições universitárias e centros de investigação de todo o país, sedeando em Almada uma estrutura flexível e pouco pesada, capaz de trabalhar em rede com todos para produzir dados científicos úteis e informação relevante e de disponibilizar o resultado do seu trabalho aos agentes socio-culturais, particularmente aos do concelho.)



Almada, 04 de Junho de 2015

António Vitorino


(*) Apresentada ao 1º Congresso Almada, em Junho de 2014

Fonte da imagem: Pordata.