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terça-feira, dezembro 30, 2008

Janeiras - do Natal aos Reis


Cantar as Janeiras é uma das tradições que em Portugal - felizmente! - ainda se mantêm. Aqui fica uma contribuição (copiada de um caderno editado em 1979 pelo Centro Cultural de Almada) para o conhecimento dessa actividade festiva.

Nas vésperas do Ano Novo (ou Ano-Bom) e na véspera do dia da Festa dos Reis, à noite, bandos de crianças e adultos, com instrumentos de música, e na falta deles, com campaínhas e tambores improvisados com pequenos barris sobre que se ata uma pele, vão pelas portas das pessoas de quem esperam obter algumas dádivas, entoam diversos cantos - chama-se a isto pedir as Janeiras, o Ano Novo ou os Reis.

Os cantos já são romances ou estrofes tradicionais, improvisados no momento.

Canto de Rapazes

Ó da casa dê-nos Reis
Que não somos senão seis;

Bote-nos aqui num proto,
Que não somo senão quatro.

Se n'os podem dar
Bem se podem aviar;
Nós temos muito para andar
E pouco para arrecadar.

Também os adultos cantavam às portas, pedindo às senhoras, e em louvor de alguns santos.

Se os cantores não recebem nada "descantam" da seguinte forma:

Estes Reis que aqui cantamos
Tornemo-los a descantar
Estas barbas de farelos
Não têm nada que nos dar.

(Celourico de Basto)

Na Foz do Dão, entre os dias 3 e 6 de Janeiro, juntam-se rapazes e raparigas em grupos, percorrendo as ruas a pedir as "Janeiras".
Costumam dar-lhes chouriços, batatas, castanhas, maçãs, passas, vinho, etc.
Um deles vai à frente com uma candeia a alumiar, quando se acaba o azeite é costume encherem-lha na casa a que vão pedir.
Outro vai com um saco a recolher esmolas.

Se não recebem esmolas dizem:

Surrão, surrão
Esta casa vai ao chão

Quandos lhes dão dizem:

Ripa, ripa
Esta casa seja rica.

No fim assam as castanhas numa fogueira.

"Materiais para o Estudo das Festas, Crenças e Costumes Populares"
1881 - Adolfo Coelho

(Em "Festa das Janeiras" - edição Centro Cultural de Almada, 1979)


Mais informação (actualizada) sobre Janeiras:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Janeiras

Origens das Janeiras


Citando a publicação de 1979 do Centro Cultural de Almada, "Festa das Janeiras":

As origens das Janeiras perdem-se no tempo. Luís Chaves (conservador do Museu Etnológico) no seu livro "Páginas Folclóricas" - 1941 - diz-nos que a sua génese "entronca nos bailados e pantominas".

José Leite de Vasconcelos, director honorário (fundador) do Museu Etnológico, garante com base em documento histórico que desde o século XIV se cantam as Janeiras em Portugal.

António Feliciano de Castilho que viveu no Caramulo de 1826 a 1834, escreveu de lá que as "pagãs janeiras que ainda alguns se lembram de ter cantado já lá vão...".
Acrescente-se, no entanto, que apesar de tudo, a realidade actual parece contradizer esta afirmação de Castilho.

Com menos frequência, mas mantendo a tradição, cantam-se ainda as Janeiras em várias terras do país.

Assim, se são dados aos Janeireiros chouriços, vinho, etc., entoam cantigas enaltecendo por exemplo a família e a casa:

Quem diremos nós que viva
No grãozinho de arroz?

Viva a família toda
Por muitos anos e bôs.

Se nada lhes é oferecido "descantam":

Esta casa cheira a breu,
Aqui mora algum judeu;

Esta casa cheira a barro,
Aqui mora algum masmarro;

Esta casa cheira a fel,
Aqui mora algum luzbel;

Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto;

Semi-nus, rotos, descalços, às vezes a tiritarem de frio, é rara a noite de entre o Ano Novo e os Reis, que, em algumas freguesias da Beira Baixa, as crianças não andem, aos magotes, pelos balcões e pelas portas, a pedir e a cantar, em toada dolente, as janeiras.

Em Vale de Lôbo assim cantam as Janeiras:

Boas noites, boas noites,
Boas noites de alegria,
Que lhes manda o Rei da Glória,
Filho da virgem Maria.

Coro

Naquela relvinha
C'o vento gelou,
A Mãe de Jesus
Tão pura ficou.

Dominus Excelsis Deo,
Que já é nascido
O que nove meses
Andou escondido.

Em Escalos de Baixo, as Janeiras, cantadas do Natal ao Ano Novo, começam assim:

O Sol já vai raiando
Por cimas das oliveiras.
Erga-se lá, senhora,
Que vamos cantar as Janeiras!

Músicas acompanhadas com pífaro de pau (flauta rústica que usam os pastores)


"Etnografia da Beira" Vol I, 2ª edição - 1944, Dr. Jaime Lopes Dias