sábado, outubro 30, 2010

quinta-feira, outubro 14, 2010

soneto incompleto em memória de sísifo


se quero levar água ao meu moinho
a baldes a carrego desde a fonte
e devagar penoso subo o monte
tropeçando nas pedras do caminho

que aqui alguém as pôs como empecilho.
tropeço entorno a água volto à fonte
e novamente vou subindo o monte.
ainda bem que é água em vez de vinho!

Affonso Gallo (poema)
André Antunes (ilustração)

Na edição 38 do Debaixo do Bulcão poezine.
http://debaixodobulçcao.blogspot.com/

sábado, outubro 09, 2010

John Lennon

Assinalam-se este ano duas "datas redondas" relacionadas com John Lennon: o seu nascimento, a 9 de outubro de 1940, e a sua morte - melhor dizendo: o seu assassinato - em Nova Iorque, a 8 de Dezembro de 1980.

Hoje comemoramos a vida: o nascimento do que viria a ser uma das figuras mais marcantes da música popular do século 20.

Confesso que nunca apreciei devidamente a sua obra a solo. Ouvi sempre a sua música "diluída" na obra fenomenal que os Beatles nos legaram. Dos seus trabalhos posteriores conheci apenas o último, "Double Fantasy" (composto a meias com Yoko Ono - como não podia deixar de ser...) publicado em 1980.

Não vou, portanto, escrever sobre John Lennon. Vou sim aproveitar a efeméride para divulgar - com a devida vénia, claro! - este texto de Bernardo Brito e Cunha, publicado em Janeiro de 1981 na Música & Som (revista mensal, editada entre 1977 e 1987 - fonte: http://anos80.no.sapo.pt/imprensa.htm).


(Nota: a revista Música & Som tem actualmente uma edição online, em http://www.musicaesom.pt/)

E, porque a melhor maneira de homenagear um artista é disfrutar da sua obra, ei-lo em pleno processo de gravação do referido álbum:

E nos Beatles:



sexta-feira, outubro 08, 2010

dia de chuva na cidade



Dia de chuva na cidade
triste como não haver liberdade.
Dia infeliz
com varões de água
a fecharem o mundo numa prisão.
E alguém a meu lado com voz múrmura que diz:
"está a cair pão"
Ah! que vontade de gritar àquela criança seminua
sem pão nem sol de roupa:
"Eh! pequena! Deita-te na rua
E abre a boca..."
Dia em que urdo
este sonho absurdo.

José Gomes Ferreira


(Muitas foram as razões que me fizeram recordar hoje este poema de José Gomes Ferreira,
o "poeta militante" e um dos que mais influenciou as minhas primeiras tentativas literárias, há coisa de 3 décadas atrás...)

quarta-feira, outubro 06, 2010

Pensava-se que eram só os fascistas, mas...


afinal havia outros: elementos da JSD apanhados a vandalizar murais.

A história, tal como foi apresentada na sessão da Assembleia Municipal de Almada de 29 de Setembro de 2010, pelo deputado Bruno Dias (foto minha e sublinhados - em itálico e a bold - meus):

«Houve um tempo nesta terra em que era proibido escrever nas paredes mensagens de protesto e de luta. Quem quisesse pintar murais políticos fazia-o por sua própria conta e risco.

Houve um tempo nesta terra em que a “perturbação da ordem pública” ou a “actividade subversiva” eram ferretes que pairavam sobre aqueles que se recusavam a comer e calar, que não pactuavam com a exploração, a repressão, a miséria e a guerra. Havia fascistas, havia legionários, havia pides, havia bufos, havia expulsões das faculdades, despedimentos das empresas. E havia tinta branca para esconder o que se escrevia nas paredes.

Houve um tempo nesta terra em que as coisas eram assim. Mas depois fez-se o tempo em que as coisas ficaram diferentes.

Estão aqui nesta sala alguns dos homens e mulheres que enfrentaram esse tempo de cabeça levantada, e que construíram o tempo novo. Um tempo em que nas paredes apareciam as palavras e mensagens que podiam ser revolucionárias, ou justas, ou simplesmente verdadeiras… ou não. Mas eram livres. Para ser ditas e para serem escritas.

Em Almada essas palavras ainda são livres. E vão continuar a ser, enquanto cá estivermos. Em Almada, os estudantes em luta não são presentes a tribunal nem ficam sob medidas de coacção, por queixa da autarquia, por terem pintado murais com palavras de ordem, por exercerem os seus direitos, a sua liberdade de expressão. Em Almada, o poder local democrático não esquece as suas origens.

Sabemos que os murais políticos são há muitos, muitíssimos anos, um elemento de afirmação e testemunho da luta dos povos. Ali se expressam as aspirações dos trabalhadores, dos jovens, dos reformados, por uma vida melhor. Essa luta aparece nas paredes da cidade, e a verdade é que aqueles que querem branquear essas paredes estão acima de tudo a tentar branquear as políticas que ali se denunciam.

O Partido Comunista Português tem vindo ao longo dos meses a denunciar a sucessiva vandalização e destruição de várias pinturas murais em diversos locais do Concelho de Almada. Esse vandalismo proto-fascista e cobarde foi se repetindo uma e outra vez, sempre com a mesma resposta dos comunistas: a recuperação desses murais e a pintura de outros novos.

A pintura de murais políticos que o PCP tem realizado em Almada – tal como em tantos outros pontos do país – é uma prática que não apenas respeita a legalidade democrática e designadamente a Constituição da República: na verdade está a defender os valores constitucionalmente consagrados.

É que, das muitas lições que aprendemos com Abril, há também uma que prevalece: é que a primeira linha de defesa dos direitos conquistados está em exercer no concreto esses direitos. Não vale a pena encher a boca com banalidades balofas sobre a liberdade de expressão ou os direitos democráticos, se logo a seguir a atitude for de complacência (ou de cumplicidade!) no ataque a esses direitos. Mais do que incoerência, atitudes como essas são de cinismo e hipocrisia.

Há quem fale – aliás, como já nesta Assembleia Municipal falou o PSD, não nos esqueçamos – em “incomodar as pessoas” com os murais políticos. Pois a História já nos ensinou demasiadas vezes que, com essa conversa, surge de mansinho a repressão sobre quem luta pelos seus direitos – e assim vemos sindicalistas “visitados” pela polícia antes de manifestações, estudantes identificados pelas autoridades em acções de luta, jovens comunistas sob termo de identidade e residência por pintar murais políticos. A conversa era sempre a mesma: podem manifestar a vossa opinião, mas sem “incomodar”...

Entendamo-nos. Aqueles que bradam contra as palavras e pinturas na parede sobre a luta dos trabalhadores, sobre Lenine, sobre o PCP, sobre a Festa do “Avante!” podem dizer à vontade que estão preocupados com a brancura das paredes e a “imagem do espaço público”. A nossa resposta é: contem outra, que essa não pega.

Durante meses, tomámos posição contra os actos de vandalismo anti-democrático em que se destruíam os murais políticos do PCP e da JCP – e apenas (apenas!) os murais do PCP e da JCP. Tudo à volta permanecia intocado. Eram claramente actos de ataque político e destruição de propaganda. Eram actos de vandalismo praticados por desconhecidos, pessoas (ou organizações…) não identificadas, que não tinham a coragem de assumir a autoria dos seus actos.

Senhor Presidente, Senhores Deputados Municipais, agora o caso é diferente.

Na sexta-feira, dia 3 do corrente mês de Setembro, foram abordados e interpelados, precisamente enquanto destruíam uma pintura mural do PCP, indivíduos que logo ali se apresentaram como elementos ligados ao PSD e concretamente à JSD. Há quem tenha o seu nome registado, há quem tenha sido visto e reconhecido.

Assim, queremos aqui informar que o Partido Comunista Português irá accionar o devido procedimento criminal relativamente a estas práticas de destruição de propaganda política. A liberdade é para exercer e para defender, e a lei é para cumprir na defesa dos direitos, liberdades e garantias que a Constituição da República consagra.

Entretanto, reiteramos ainda o que publicamente já registámos: que a destruição de propaganda do PCP é também um sinal de reconhecimento. Reconhecimento do papel que o PCP tem e continuará a ter, na luta por um Portugal de progresso e justiça social. Mesmo que não seja essa a sua intenção, é esse o reconhecimento que evidenciam aqueles que pretendem ver o País recuar ao “outro” tempo.

É que já há muitos anos, nesse tal tempo que houve nesta terra, tempo de Salazar e Caetano e de muitos outros fascistas, houve quem tentasse impedir os comunistas de expressar a mensagem, a denúncia, a afirmação da luta e da alternativa. Usaram muitos pretextos – alguns idênticos aos que agora aparecem. Usaram a repressão e o terrorismo de estado. Não conseguiram branquear nem as paredes nem as consciências. E não será agora que o vão conseguir.

Desenganem-se os que pensarem que desta forma conseguem limitar a intervenção do PCP junto dos trabalhadores e do povo e a sua capacidade de mobilizar para a luta, pela ruptura com a política de direita e pela mudança que o País precisa. Como sucedeu nas outras ocasiões, voltaremos a pintar os murais destruídos, acrescentando-lhes outros novos. Conhecem mal este Partido aqueles que pensam que a intimidação resulta connosco – pelo contrário: dá-nos mais força para prosseguir o nosso combate.

Hoje foi dia de luta. Os trabalhadores, os jovens, os reformados de Almada estiveram presentes numa grande jornada de protesto e de exigência de mudança. As palavras de ordem foram ouvidas em Lisboa, no Porto – e por toda a Europa. O Governo esta noite mesmo anunciou ainda mais sacrifícios e sofrimentos para quem trabalha. Congelamentos e cortes nos salários. Progressões de carreira canceladas. Mais desemprego. Mais aumento de impostos e descontos. Investimentos cancelados.

As palavras de ordem não podem ficar caladas quando o povo é roubado desta forma. É por isso que, uma e outra vez, quantas vezes for preciso, essas palavras de luta e de futuro voltarão a aparecer.»


Nota final: Isto é, apenas, a transcrição integral de uma declaração política da CDU na AM de Almada. Tenho, contudo, informações que me permitem garantir que os acontecimentos ocorreram tal como aqui são descritos. A fotografia foi feita em Abril de 2010, em Almada; documenta um dos casos de destruição de propaganda política que têm acontecido na cidade - e não, obviamente, o caso concreto aqui assinalado.

segunda-feira, outubro 04, 2010

"Almada Antecipou a República"


Texto do escritor almadense Luís Milheiro, publicado originalmente no seu blogue Largo da Memória e reproduzido aqui, com as devidas vénia e autorização:


Almada faz jus à sua situação geográfica, na Margem Esquerda do Tejo e sempre que pode antecipa-se às revoluções, foi assim a 23 de Junho de 1833 e também a 4 de Outubro de 1910. E se recuarmos mais algum tempo, em 1580 também vendeu cara a derrota aos espanhóis...

Voltando ao 4 de Outubro, de há exactamente cem anos, a presença de dois dirigentes republicanos e a acção dos agentes políticos locais, com realce para Bartolomeu Constantino, sapateiro de profissão e ainda mais revolucionário que os próprios republicanos, graças ao seu ideário, próximo do socialismo e do anarquismo, fizeram com que Almada se tornasse republicana, antes do tempo.

Bartolomeu Constantino tinha qualidade oratórias invulgares e foram as suas palavras, junto das fábricas, que conseguiram trazer para a rua cerca de oito mil operários, que percorreram as principais artérias de Almada, com vivas à República, e claro, com outros "mimos" muito menos agradáveis, em relação ao Rei, à Monarquia e à própria Igreja.

O cortejo revolucionário só parou em frente aos Paços do Concelho, ocupados pacificamente e onde se ergueu a Bandeira do Centro Republicano Capitão Leitão e se fizeram discursos inflamados pelas principais figuras da revolta.

O Castelo de Almada também foi ocupado, com a cumplicidade da guarnição, que viu ser içada a Bandeira do Centro Republicano Elias Garcia.

E mais uma vez se fez história em Almada, antes do tempo...

Nota: A República também foi proclamada a 4 de Outubro no Barreiro, Loures, e Aldeia Galega (Montijo).