quarta-feira, setembro 29, 2010

"Eu já lhe vou contar uma anedota"


"Já descansa mais? Não, senhor doutor: o patrão resolveu dar mais descanso às bestas, que estavam a emagrecer!"

Augusto Henriques Pinheiro, médico, no livro "Minhas senhoras e meus senhores... - vida, fome e morte nos campos de Beja durante o salazarismo":

«Eu já lhe vou contar uma anedota. Não é anedota, não é anedota!

Eu estava lá (Baleizão), às tantas comecei a ser.. o consultório começou a ser frequentado por um homem, de trabalho, tostado do sol, que se ia queixar de fraqueza, de falta de forças, de fraqueza, de falta de forças, de fraqueza. Bom... bem, como eu sabia das dificuldades de alimentação, comecei a receitar vitaminas e extractos de carne, e não sei quê... Bem, aquilo que havia na farmácia e que pudesse ajudar a pessoa... bem! O homem ia...

Eu tenho contado isto muitas vezes, sempre da mesma maneira, porque aquilo ficou-me tão vincado, quer sob o ponto de vista da memória visual, quer sob o ponto de vista da conversa que tive com ele, e ele comigo, esse homem, que não falho nada, no meu relato não falho nada, corresponde na realidade ao que se passou.

O homem continuou a consultar-me, a ir à consulta, e a dizer que estava sempre fraco.

Bom, passadas duas ou três consultas, eu disse, Ouça lá, ouça lá, qual é o seu trabalho?, e ele contou-me qual era o trabalho dele: o trabalho dele (...) era o responsável por uma parelha de bestas. E então, levantava-se antes do pôr-do-sol, para estar, antes do nascer do sol, para estar ao nascer do sol numa herdade longe. Portanto, levantava-se por volta das três da manhã. Para quê? para aparelhar, aparelhar as bestas, pô-las ao carro, dar-lhes de comer, aparelhar, pôr-lhes o... dar de comer, pô-las ao carro e ir para a propriedade, estar a começar o trabalho ao romper do sol.

Atenção, no verão o romper do sol aqui é às seis horas! (...)

Portanto, ele tinha de ir à estrebaria, preparar os animais, dar-lhe de comer, preparar os animais, esperar qie eles comessem, aparelhá-los,(...) e ir trabalhar. E então quando... e então diga-me lá, então, e depois? Depois, eu, ao pôr-do-sol, deixo o trabalho.

O pôr do sol aqui, pá, são oito e meia, nove horas, está bem! Então... então, e depois, diga lá, Bom, chego por volta das onze horas a casa, onze horas, porque tenho que ir dar-lhes de comer novamente, às bestas... E quando me vou deitar onze e meia, meia-noite.

Eh pá, eu disse, Então está explicado porque é que você não pode... porque é que você não tem forças. Pois que o senhor trabalha de mais, descansa de menos. E, ainda por cima, com a alimentação fraca como era aqui no Alentejo, que, em regra geral, os trabalhadores rurais têm, isso explica... Olhe, ouça lá, porque..., eu ingénuo, ainda, ainda, eu ingénuo, Ouça lá, porque é que você não pede ao seu patrão para lhe dar mais descanso, para... enfim, descansar mais, não é, ter um período de descanso maior! Bem, lá lhe receitei mais umas coisas e tal...

Pois ele continuou a ir ao consultório dizer que estava mal, mais umas duas ou três vezes.

E um dia aparece-me risonho no consultório. E eu, querem ver que pediu ao patrão para lhe dar mais... já descansa mais. Então diga, diga! Já descansa mais, já disse ao seu patrão, e tal?, Não, senhor doutor, é que as bestas estavam a emagrecer e o patrão resolveu dar mais descanso às bestas.

Eh pá!!! Está a ver como eu fiquei, não é? Está a ver como eu fiquei? Como é que eu vi a mentalidade dos senhores da gleba. Os servos eram da gleba, a gleba era dos senhores.

E, portanto, estava tudo dito. Estava tudo dito!»

(Relato de Augusto Henriques Pinheiro, médico, no livro e duplo CD "Minhas senhoras e meus senhores... - vida, fome e morte nos campos de Beja durante o salazarismo" - arquivo de História Oral, Rede Museológica do Município de Beja. Edição C.M. Beja / Cooperativa Cultural Alentejana, Abril de 2006)

segunda-feira, setembro 27, 2010

Debaixo do Bulcão poezine número 38

Debaixo do Bulcão poezine.
Edição número 38 - Almada, setembro de 2010
Textos de: Eloisa Meneses Pereira; Salmonela Pintassilgo; Tiago Espírito Santo; Madalena Barranco; Carolina Rodrigues; António Vitorino; Mônica Quinderé; Miguel Paulitus; Affonso Gallo; Luís Milheiro; Victor Serra; Artur Vaz.

Paginação e ilustrações: André Antunes.

Mais informação no blogue do Debaixo do Bulcão:

quarta-feira, setembro 22, 2010

A propósito de uma mentira sobre estacionamento em Almada


O novo parque de estacionamento da Avenida Bento Gonçalves acaba de ser inaugurado e, como era de esperar, já é alvo de polémica.

Uma das críticas que tenho visto repetidamente escritas em vários locais é que "o investimento não se justifica, porque antes havia ali 100 lugares de estacionamento e agora há 140, portanto só se criaram 40 novos lugares", etc. etc.

Sobre o investimento e sua justificação escreverei noutra oportunidade.

Sobre os supostos 100 lugares que ali "existiam", a única coisa que me ocorre é perguntar: existiam, onde?

Esta foto é de 2007. Como se pode ver, os lugares de estacionamento eram 57. E, desde então, nunca foram aumentados (e anteriormente, que me lembre, não eram mais do que isto).

Onde é que estavam esses tais 100 lugares de que se fala? Em que se fundamentam para ir buscar esse número?

E porque vieram agora com essa argumentação? Falta de memória? Falta de informação? Mentira deliberada?

Gostava de perceber, a sério...

O "dia sem carros", a Semana da Mobilidade e os novos parques de estacionamento em Almada


Almada aderiu, mais uma vez, à Semana Europeia da Mobilidade. Na edição deste ano inovou, com o 1º Festival da Mobilidade - que foi o primeiro, também a nível nacional... - evento que, a 18 de Setembro, encheu as praças da Liberdade e S. João Baptista com várias actividades em simultâneo. Mas manteve, também, as iniciativas já habituais ("viagens a troco de lixo" e actividades de sensibilização ambiental, por exemplo).
Como principal medida de carácter permanente, inaugurou um novo parque de estacionamento coberto, na Avenida Bento Gonçalves. E assinala o Dia Europeu Sem Carros (22 de Setembro) com uma experiência para a futura pedonalização da Rua Cândido dos Reis, em Cacilhas.
(ver programa completo no site da Câmara de Almada).

A Semana Europeia da Mobilidade teve origem em França, país onde desde 1998 começou a realizar-se um "dia sem carros". Em 2000 e 2001 a iniciativa internacionalizou-se e organizaram-se as primeiras edições do Dia Europeu Sem Carros. A partir de 2002 passa a realizar-se a Semana Europeia da Mobilidade, entre 16 e 22 de Setembro. (fonte: Agência Portuguesa do Ambiente)

Almada - município que aderiu logo em 2000 - teve, ao longo da década, importantes alterações na sua rede viária. Alterações que são consequência da implementação de um Plano de Acessibilidades (um estudo pioneiro no país, elaborado em 2002, que tem vindo a ser implementado de forma faseada, e com vicissitudes várias) e de um projecto que vinha dos anos 90: o Metropolitano do Sul do Tejo - ao qual me tenho referido diversas vezes, por exemplo aqui.

O parque de estacionamento da Avenida Bento Gonçalves era, à partida, um dos que seriam construídos - pelo "dono da obra" (Governo) ou pela concessionária (MTS) - para "apoiar" a rede de metro de superfície. No entanto, após anos em que o processo se arrastou sem que os parques fossem construídos, a Câmara de Almada decidiu assumir a implementação desses equipamentos.
(Todo este processo foi longo, complexo, não se resume em meia dúzia de linhas, e merece ser tratado com mais rigor e pormenor - e com recurso aos documentos publicados e disponíveis - noutra ocasião.)

O parque inaugurado agora (a 21 de Setembro de 2010), tem 2 pisos e capacidade para cerca de 140 viaturas. (Ver mais informação no site da ECALMA - Empresa Municipal de Estacionamento e Circulação de Almada, entidade encarregue da gestão do equipamento).

Até ao final do ano devem entrar em funcionamento novos parques em: rua Luísa Sigeia (transversal à Avenida Bento Gonçalves, perto do Centro Sul); Laranjeiro (junto ao Mercado); Rua Capitão Leitão (por baixo do edifício da antiga Bepaliz, traseiras do Quartel dos Bombeiros); Campo de São Paulo (Almada Velha, nas imediações do antigo Teatro Municipal).

Assim que tiver mais novidades sobre o(s) assunto(s), conto-as. É uma promessa. Mas, se me distrair ou me esquecer, estejam à vontade para me lembrar. Não estou aqui para outra coisa que não seja servir (com informação) os meus caros amigos.

(sorriso e piscadela de olho, mas por extenso)

quarta-feira, setembro 08, 2010

Amigos no Avante!


Este ano não vou escrever muito sobre a Festa do Avante. Já o tenho feito, em edições anteriores do evento. Todos os anos a Festa é grande, todos os anos é muito boa. Não me quero repetir.

Quero, antes, contar uma pequenina estória acontecida este ano, durante o comício de domingo.

Como se sabe - e quem não sabe, não sabe o que perde - a Festa do Avante é, entre muitas outras coisas, um local para reencontrar amigos, ou para fazer novas amizades. Assim é, assim foi: reuni-me com pessoas que já não via há muito tempo e fiquei a conhecer pessoas novas.

Mas, para quem vai pela primeira vez à Festa do Avante, aquele é um local de deslumbramento. Tem sido assim com todos os meus amigos que conhecem a Festa pela primeira vez: invariavelmente (inevitavelmente?), acabam por concluir que, ainda que andem por muitos ambientes festivos, ali existe uma "qualquer coisa" que não encontram em mais lado nenhum.

Não a encontram, porque não se encontra a não ser ali mesmo! É um ambiente de camaradagem ímpar. Mais vale experimentá-lo que julgá-lo (mas julgue-o quem não quer experimentá-lo). E essa "qualquer coisa" é que é linda!

(Sim, a Festa é bonita, é poética, é comovente. Dá vontade de citar Camões, Pessoa e até Bocage. Mas, principalmente, faz acreditar que um novo mundo é possível!)

No momento mais exaltante da Festa - o comício de domingo à tarde - aconteceu a história que hoje vos quero contar.

Uma história banal, aviso já.

Andava eu pelo meio das pessoas a fazer fotos, quando ouço atrás de mim um jovem a pedir-me para o fotografar. Ora, pedidos desses ouve um gajo às centenas e, na maior parte das vezes, vêm de pessoal que, dali a umas horas já nem se lembra que andou a tentar ser fotografado. Assim, a minha primeira reacção foi recusar, como de costume.

Mas depois olhei melhor. E ouvi melhor. E combinámos:

- Eu e o meu amigo é a primeira vez que vimos ao Avante e não temos nenhuma recordação!
- Mas como é que eu vos posso mandar a foto?
- Vais ao facebook e procuras pelo meu nome. A imagem já a tens.

Era razoável e exequível. O problema é que não tomei logo nota do nome. E acabei por me esquecer. Portanto, tenho agora esta fotografia de dois amigos na Festa do Avante - foto que fiz apenas para lhes entregar - mas não tenho maneira de lhas entregar.

Se alguém que passe pelo meu blogue vir esta imagem e os conhecer, pode fazer-me o favor de lhes dizer que a foto está aqui e que a podem "roubar" à vontade? Agradeço...

Sei que as probabilidades não jogam a favor da resolução deste imbróglio. Mas "milagres" acontecem todos os dias na internet, não é? Portanto, porque não há-de acontecer mais um, aqui e agora?

quinta-feira, setembro 02, 2010

"Vinte anos, vinte festas" - artigo do Sul Expresso sobre a Festa do Avante de 1996


Em 1996 a Festa do Avante comemorava 20 anos (começou em 1976), cumpria a 20ª edição (seriam 21, mas a de 1997 não se realizou, por falta de terreno) estava pela sétima vez na margem sul do Tejo (o primeiro ano na Quinta da Atalaia foi 1990)... e, com tanta História, não deixava de ter grandes novidades para apresentar!

Consolidadas as infra-estruturas no terreno, faziam-se, nesse ano, algumas "experiências" com a disposição dos pavilhões (ver texto abaixo: reportagem de Adelaide Coelho para a Revista Sem Mais) e abria-se ao público, pela primeira vez, uma zona até então "interdita": o espaço contíguo à Baía do Seixal, com um pequeno lago dentro do recinto da Festa. Mas a grande e relevante novidade seria a actuação de uma orquestra sinfónica no Palco 25 de Abril. A experiência foi tão boa que se repete até hoje: o palco principal abre sempre, na sexta-feira, com música sinfónica!

Neste texto para o Sul Expresso, eu (que era um assíduo frequentador da Festa - nunca falhara uma, desde 1987) tentei, como me competia enquanto jornalista, escrever de forma "distanciada", sem demonstrar as minhas simpatias. Daí alguma ironia patente na peça... Talvez até demais, reconheço.

Curiosidade suplementar: a fotografia que ilustra este artigo é de uma década antes, na Festa do Avante de 1986 - a última realizada no Alto da Ajuda. É uma imagem captada por mim, no anfiteatro do palco principal, com uma máquina fotográfica Praktika MTL5 utilizando película ORWO e revelada no laboratório de fotografia do Centro Cultural de Almada.

"Os Coloridos da Festa Vermelha" - artigos da revista Sem Mais, sobre a Festa do Avante de 1996





No 20º aniversário da Festa do Avante (Setembro de 1996), a revista Sem Mais, de Setúbal, dedicou 4 páginas ao assunto. Uma reportagem de Adelaide Coelho - Os coloridos da festa "vermelha" - , e uma caixa - Vinte anos, vinte festas - com alguns acrescentos da minha lavra (aproveitando um texto que escrevi, na mesma ocasião, para o quinzenário almadense Sul Expresso).

As fotografias aqui publicadas são todas minhas, de edições muito anteriores da Festa do Avante (1988 e 1989, na Quinta do Infantado, Loures).