quarta-feira, outubro 29, 2008

Tremideiras...


O Estuário do Tejo e o Algarve são, como se sabe, as duas zonas de maior risco sísmico em Portugal continental (em teoria, porque nestas coisas de terramotos há ainda mais dúvidas que certezas e nunca se sabe quando e onde vai ser o próximo e que estragos irá causar).

Por viver numa zona de elevado risco, sempre me preocupei com o facto de não ver esforços para implementar uma cultura de prevenção. De vez em quando lá aparecem uns folhetos a explicar o que fazer para minimizar riscos e como proceder em caso de terramoto. Mas nunca se viu - eu, pelo menos, nunca vi - acções mais consistentes de sensibilização e alerta.

Pior: não existia, até agora, um plano de emergência que defina a forma como as diversas entidades de protecção civil se entendam e colaborem num cenário de sismo de grande intensidade.

Isso é realmente preocupante.

Mas parece que, finalmente, o plano de emergência está elaborado e, melhor ainda, vai ser testado no terreno.

De acordo com o semanário Sem Mais Jornal (SMJ) - edição de 11 de Outubro, artigo assinado por António Luís - o plano visa "planear o socorro às populações em caso de terramotos de magnitude elevada e encontrar alternativas para o comando de operações para que não haja interrupção no auxílio", conta com meios de 26 municípios e "vai ser testado nos três distritos (Setúbal, Lisboa e Santarém), entre os dias 21 e 23 do próximo mês (Novembro), através de vários simulacros" nos quais "vão estar envolvidas mais de duzentas entidades, além das forças de segurança, bombeiros, entidades de saúde e operadores de transporte".
Podemos, então, começar a ter algumas garantias de que as pessoas e entidades que zelam pela nossa segurança estão agora mais atentas e preparadas para acorrer a cenários de catástrofe?

Talvez. Mas parece que, nesta matéria há ainda muito - muitíssimo - por fazer.
É que, de acordo com o mesmo periódico (SMJ, 25 de Outubro, artigo assinado por Vera Mariano) o plano de emergência não prevê, por exemplo, a possibilidade de a nossa costa ser atingida por um maremoto. Possibilidade que, note-se, é muito plausível em caso de grandes sismos com epicentro numa falha que passa pela zona do Estreito de Gibraltar, ou no Banco de Gorring, a sudoeste do Cabo de São Vicente (e é dessas zonas que têm vindo os grandes terramotos que afectaram o nosso território continental - diz-se que, em 1755 o "tsunami" matou mais pessoas que o terramoto que lhe terá dado origem).

Citado pelo mesmo jornal, um responsável da protecção civil afirma que o plano tem por base um simulador que «não prevê a ocorrência de um tsunami». E porquê? «Os dados introduzidos no simulador estão relacionados com a falha sísmica ao largo do rio Tejo, a qual, geralmente, não provoca tsunami», diz a mesma fonte ao SMJ.

Portanto, se bem entendi - e de acordo com a notícia do SMJ - o plano de emergência sísmica para a região de Lisboa e Vale do Tejo (que inclui a península de Setúbal) baseia-se num estudo sobre a falha do vale inferior do Tejo! Será isso?

E, se for, é caso para ficarmos mais descansados?

Mas tenho outras dúvidas. Por exemplo: quais são as zonas identificadas como as de maior risco,

e porquê.

Recorrendo novamente ao artigo de 11 de Outubro do SMJ: Alcino Marques (comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro) refere que "as áreas mais sujeitas a aventuais sismos são as zonas ribeirinhas de Almada, Barreiro e Seixal".

Mas serão só essas?

A propósito (e por via das dúvidas, como se costuma dizer) lembro um trabalho que fiz sobre o assunto, em Maio de 2001, para o mesmo Sem Mais Jornal, no qual os responsáveis da protecção civil apontavam como pontos críticos "a zona industrial do Barreiro e os depósitos de combustível de Almada, entre as localidades de Trafaria e Banática". Suponho que, pelo menos no caso do Barreiro esse risco já não existe.


Mas, porque não tenho informação actual sobre o que, nesse aspecto, existe ou não em Almada, limito-me a reproduzir, sem mais comentários, as páginas do SMJ de 2001.








Para conferir (se for caso disso, para comparar) e, eventualmente, reflectir um bocadinho sobre o assunto.

sábado, outubro 25, 2008

Música Moderna em Almada (retrospectiva, 1995-2008) - exposição na Biblioteca Municipal


Há uma exposição sobre as bandas de "música moderna" almadenses, sobre o Concurso de Música Moderna de Almada (que, a propósito, está a decorrer este fim de semana, no Centro Cultural Juvenil de Santo Amaro - vulgo Casa Amarela - no Laranjeiro) e sobre as "mostras" que estiveram na origem deste concurso. A exposição pode ser visitada, até 31 de Outubro, na sala de audiovisuais do Fórum Municipal Romeu Correia.

(Um aviso aos mais distraídos: não vale a pena irem à procura da sala de audiovisuais do Almada Fórum. Até pode ser que exista uma, mas aqui estou a referir-me ao edifício da Bibiloteca Central de Almada - que, por acaso, fica na mesma praça do Mc Donalds, mas do outro lado, estão a ver?... pois, é aí - e que, por acaso, até se chamava "fórum" antes do outro. Adiante...)

Esta exposição - "13 anos de Música Moderna em Almada: uma retrospectiva" - apresenta cartazes, folhetos e outros materiais informativos e de divulgação das mostras e concursos de "música moderna"; também alguns CDs (maquetes) gravados pelas bandas na década de 90, e recortes de imprensa sobre as diversas edições do certame, desde a "Mostra Zero", em 1995, até à actualidade.



E é aí mesmo que eu entro. Se os meus estimados leitores e/ou visitantes deste blogue esiverem interessados no assunto, e se quiserem passar por lá para dar uma vista de olhos na exposição, vão encontrar cópias de trabalhos que fiz para o semanário Sul Expresso, e para a Revista Sem Mais, com as bandas almadenses, a propósito das edições de 1995 e 1996 da "Mostra". E também uma entrevista com o vereador da Cultura, António Matos, a propósito da primeira edição da Quinzena da Juventude de Almada (1995), da "Mostra Zero" e do apoio que as bandas locais revindicavam (nomeadamente a construção de um "rockódromo" no edifício que hoje é conhecido como "Casa Amarela" - e que é o local onde, com toda a lógica deste mundo, se realiza agora o Concurso de Música Moderna de Almada...).



A propósito: também podem encontrar essa informação, e outras relacionadas com o assunto, no Almada Cultural (por extenso) :




(As fotos que acompanham este texto foram feitas, a pedido meu, pelo Rui Tavares. Visitem o blogue dele, que também vale
muito a pena:http://fotografiacriativaruitavares.blogspot.com/)

quinta-feira, outubro 23, 2008

"A Magia do Vinil", na Oficina da Cultura de Almada



Exposição organizada pela Associação dos Antigos Alunos da Escola Emídio Navarro, com o apoio da Câmara Municipal de Almada.

De 11 a 31 de Outubro, na Oficina da Cultura, em Almada - de 4.ª a domingo no seguinte horário: 14:30H-19H e 20H-22H.

Nota: Retirei este vídeo do canal da Ermelinda Toscano. Como é óbvio, isso não significa que tenha as mesmas opiniões políticas que ela (convém esclarecer...): significa, apenas, que me pareceu uma boa fonte de informação sobre este assunto. E não lhe pedi autorização para publicar aqui estas imagens. (Agora vê lá, Ermelinda, não me "processes", ok?)

quarta-feira, outubro 22, 2008

Chuchurumel - música... portuguesa?...




Ser editor do Almada Cultural dá uma grande trabalheira. Mas tem as suas compensações. Por exemplo, ficar a conhecer projectos tão interessantes como estes Chuchurumel.
Mas, como não há bela sem senão, esta banda que, supostamente, representa « o sabor ancestral das músicas e dos cantos tradicionais do Portugal profundo, revestido da mais inovadora tecnologia e concepção cênica» (sic do press release que recebi), além de concepção "cênica" tem também «un impactante espetáculo visual e sonoro», de acordo com o mesmo press release que, a propósito, tem a seguinte proveniência: (retirado de acordo com a vontade expressa pelos autores do texto referido - ver caixa de comentários).

É só impressão minha, ou Portugal já não é, de fato, una nacion onde se habla portugues? (Tá vendo, cara? )

(E é pena - ou, como dizia o outra, não havia necessidade... - até porque a música é realmente boa... julgo eu...)

segunda-feira, outubro 20, 2008

Ai levavam, levavam!


Aqui em Portugal a malta aborrece-se facilmente.

Ainda há meia dúzia de semanas andava tudo em pânico com a vaga de criminalidade (não sei se devia ter posto isto entre aspas...) mas entretanto rebentou a bronca da grande fraude neo-liberal e pronto, agora anda tudo em pânico com a possibilidade de a crise dos mercados financeiros afectar a economia real e, consequentemente, o mundo entrar em recessão (não sei se devia pôr o mundo entre aspas, mas fica assim...). E o pessoal, que andava todo entretido com o consumo fácil (e desmiolado) ver-se de repente nas lonas...

Bem, mas isso também é matéria um bocado chata. A gente até vai aprendendo umas coisitas de economês e tal, mas, sinceramente, é aborrecido estarmos sempre a ouvir as explicações (entre aspas?...) que nos tentam impingir, não é?

A nossa sorte é que ainda temos por cá uns humoristas a inventar piadas jeitosas. Por exemplo, aquela do orçamento e da pen... Foi muito engraçada, não foi? (Claro que a gente não faz ideia do que é essa treta do orçamento - mas todos sabemos o que é uma pen. Logo, todos nós entendemos a piada, não?)

Então e o Magalhães? É a nova piada nacional, não é? Pelo menos os professores fartaram-se de nos fazer rir com os vídeos que colocaram no Youtube a gozar com o Magalhães.

Quando falo em Magalhães refiro-me ao computador, como é óbvio. Porque o outro, o navegador, a gente sabe lá quem foi o gajo! Mas também, para que é que havíamos de saber? E se não soubermos, acontece o quê? Não vamos levar reguadas, pois não? Isso já não se usa! Nem isso nem qualquer tipo de punição, senhores!

Aliás, nem isso, nem qualquer tipo de exigência, pelos vistos. Exigir é muito mau: deixa as criancinhas traumatizadas.

Embora, no que respeita a este caso dos docentes malcriados, eu até imagino uns certos quadros superiores de uma(s) certa(s) direcções regionais de educação a desejar que o Magalhães tivesse mesmo a "drive" da palmatória. Era dar-lhes umas valentes reguadas, a ver se ganhavam juízo, essa malandragem de professores. A eles e aos jornalistas. Aliás, agora que penso nisso, era principalmente aos jornalistas, esses energúmenos que estão sempre a empolar casos pontuais...


Ai levavam, levavam!!!...

Mas isto sou eu que devo ter uma imaginação muito fértil...

(O cartoon é de Pedro Alves e encontra-se na edição número 4 da revista "Ópio" - Janeiro de 2001. A revista "Ópio" era uma publicação do Conselho Municipal da Juventude de Almada. E, de certa forma, foi a antecessora da actual "P'Almada".)

sexta-feira, outubro 17, 2008

Não percam: Einstein, no Teatro Extremo (Almada)


Este é o último fim de semana de exibições de Einstein, no Teatro Extremo: um grande texto, grande interpretação de Fernando Jorge Lopes.

Muito bom!

Até 19 de Outubro:
Sextas e Sábados 21h30
Domingos 16h

quinta-feira, outubro 16, 2008

Não quero ser pretensioso, mas...


... como há quem ainda não tenha entendido (ou insista em "não entender"...), aqui fica uma breve nota bio-bibliográfica a meu respeito, incluída no livro "Gente de Letras com Vínculo a Almada" (editado em 2005 pela SCALA - Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada), escrito por pessoas respeitáveis e muito mais apresentáveis que eu próprio (Victor Aparício, Diamantino Lourenço, Luís Alves Milheiro, Abrantes Raposo e Artur Vaz). E não, eu não sou associado da SCALA, e não pedi a ninguém que fizesse o favor de me incluir nesse livro...


Isto é, de facto, uma descrição muito breve e incompleta da minha actividade desde o início dos anos 80... Mas tem o mérito de não ter sido escrita por mim. Se a verdade incomoda, desculpem lá qualquer coisinha...

quarta-feira, outubro 15, 2008

Tristezas não pagam dívidas nem dão vitórias...


A selecção portuguesa de futebol (finalista no Euro 2004 e 4ª classificada no Mundial 2006) conseguiu hoje um feito histórico: deixar-se empatar, em "casa"... com a Albânia!!!


No "ranking" da FIFA, Portugal ocupa o décimo lugar; a Albânia o 83º lugar...


Pois é: já não há equipas fáceis, peras doces ou favas contadas. E eu cá até avisei quem me quis ouvir que os albaneses têm feito uns resultados interessantes ultimamente (e não são caso único: veja-se o que têm conseguido selecções como as da Suiça ou do Chipre).


A chatice é que "resultados interessantes" para uma selecção como a da Albânia é, por exemplo, vencer a Eslováquia, golear as Ilhas Feroé ou ganhar numa deslocação a Malta, a Andorra ou a San Marino...


Mas empatar em Portugal?... Com a selecção que está em décimo lugar no "ranking" da FIFA? Com os vice-campeões da Europa? Nããã... Não pode ser!


Mas pronto: corações ao alto, para a próxima será melhor (esfreguemos as mãos...) e, para dar alento, lembremo-nos de feitos passados da nossa selecção valente e imortal. Por exemplo: nos anos 70 e 80 não ganhavamos nada mas jogavamos bem. Eramos a melhor equipa do mundo a jogar sem baliza (ouvi esta definição genial já não me lembro onde...) e os campeões das vitórias morais: não ganhamos mas damos uma lição de futebol...


E, enfim, às vezes até ganhávamos. Como no jogo a que se refere o recorte de jornal, disputado em 1 de Novembro de 1979, quando "onze amigos no Jamor" venceram por 3-1 a Noruega, num apuramento para o Europeu de 1980.


Ou seja: não fizeram mais do que a sua obrigação... embora acabassem por falhar o apuramento (a selecção qualificada foi a da Checoslováquia).


(No site da Federação Portuguesa de Futebol encontram informação sobre todos os jogos de Portugal em fases de apuramento para os campeonatos da Europa:
http://www.fpf.pt/portal/page/portal/PORTAL_FUTEBOL/SELECCOES/CLUBE_PORTUGAL/HISTORIA/camp_europa.pdf)

quarta-feira, outubro 08, 2008

Um livro de Dennis Mc Shade (aliás, Dinis Machado, 1930 - 2008)




Estou a ler um policial português - Mulher e Arma com Guitarra Espanhola - editado em 1968 (há quarenta anos), época em que os lusos autores desse género literário não vendiam e, para terem "audiência", assinavam as suas obras com pseudónimos como Ross Pynn (Roussado Pinto), Dick Haskins (António Andrade de Albuquerque ), ou Dennis Mc Shade (Dinis Machado).


Dennis Mc Shade era um dos meus "ícones literários". No entanto, praticamente não conhecia a sua obra, até há poucos meses. (É uma contradição, pois é... mas talvez um dia vos esclareça sobre o assunto...)


Conhecia passagens do "Molero" (de Diniz Machado), algumas recensões literárias de obras do Mac Shade... até que encontrei este livro no lixo!


Sim, no lixo: há um par de anos atrás, ia eu e o Jorge Feliciano (do Teatro Fórum de Moura) passeando e conversando pelas ruas de Almada, e encontrámos, junto a um contentor de lixo, algus sacos de plástico cheios de livritos de BD, alguns "westerns", textos de apoio para a disciplina de História, Curso Complementar, primeiro ano, de 1974/1975 (Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica), "O Estrangeiro", de Albert Camus, e alguns policiais da "colecção Rififi" (Editorial Ibis), com títulos como "A Morte Ronda a Enfermaria" (de Ann Cardwell), "O Golpe das Moedas Raras" (de Richard Stark), e este "Mulher e Arma com Guitarra Espanhola".


Eu, que sou um inculto e nunca tinha lido Camus, fiz finca-pé para ficar com o estrangeiro e chamei-lhe um figo: devorei-o, rapidamente e em força. A seguir atirei-me ao Mc Shade mas, por motivos que não vêm agora a propósito, apenas li o início do livro, e os capítulos nove e dez (porque a acção se desenrola num bar de "literatos", chamado As Vinhas da Ira...).


Até que, na passada sexta-feira (3 de Outubro de 2008), veio a triste notícia da morte do Dinis Machado. E eu - má consciência... - lá resolvi, nesse mesmo dia, ler finalmente o livro que encontrei no lixo!

E o livro é tão bom, que quero partilhar convosco alguns excertos.


Então é assim: o protagonista desta estória (Peter Maynard, um assassino profissional com escrúpulos e critérios éticos e estéticos: gosta de música, de poesia, e só aceita contratos se considerar que o "serviço" corresponde a uma causa justa...) é chamado pelo milionário Steve Ricco para matar um outro assassino profissional: George, "o Menino".


E porquê? Porque Ricco, sentindo-se "traído" pela sua amante, Nora, contratara o "Menino" para assassinar a "adúltera". Mas o "Menino" foge com o dinheiro que Ricco lhe adiantara pelo serviço. E agora, o milionário receia que o "Menino" se tenha passado para o outro lado: receia que Nora, tendo conhecimento da tramóia, o tenha contratado para matar Ricco.


Mainard não acredita (porque o "Menino", afinal, também tinha os seus princípios éticos...) e recusa o serviço. Mas fica a matutar no assunto.


Vamos encontrá-lo, Maynard, no seu "habitat natural": a mítica grande maçã americana.


Leiamos o que ele nos diz:



Estávamos em Maio, o mês das flores. Mas em Nova Iorque não há fragrância de flores, há o cheiro dos homens que correm atrás da vida e há o cheiro do cimento que lhes absorve as horas e as ideias, por causa do dinheiro. Naquele momento, eu era um dos poucos novaiorquinos que não corria atrás de coisa alguma: dinheiro, poder, mulheres ou a juventude perdida. E se não fosse a circunstância de ter contra mim o Sindicato do Crime e a Mafia, podia considerar-me do lado de fora da maior competição fratricida do mundo, uma espécie de Jogos Olímpicos do Dólar. Ou uma peça chamada Estados Unidos da América, com milhões de figurantes seguindo a bandeira do Dólar, com dólares desenhados nos olhos, com dólares escondidos no coração, com dólares atravessados na garganta, dias muito dinâmicos e noites muito cansadas, publicidade, bairros de lata e arranha-céus, publicidade, combates de boxe e avenidas a «néon», publicidade, o eterno problema dos negros e «compre hoje mesmo o seu frigorífico», publicidade, mais material de guerra e «sorria como William Holden», publicidade, comprimidos para lembrar e comprimidos para esquecer, publicidade, e a manhã que nasce e tudo recomeça.


O meu último contrato rendera-me bom dinheiro. Partira para Roma seis meses antes. Parto sempre para Roma quando não me sinto seguro. Revejo a Capela Sistina, as garotas da Praça de Espanha, vejo o último Fellini ou o último Rosselini, compro livros que dificilmente encontro nos Estados Unidos, e espero que Johnny Arteleso, meu companheiro de infância e meu único verdadeiro amigo, me diga de Nova Iorque que o tempo está sereno. Então regresso.


(...)


Interessado na história que Ricco lhe contara, e disposto a esclarecer as suas dúvidas sobre o assunto, Maynard procura então o seu "único amigo" e principal informador, Johnny Arteleso, que o leva a um bar "underground" (que, por pura coincidência, me faz lembrar alguns locais que conheci em Almada e arredores, há alguns anos atrás...), onde poderão obter pistas sobre o paradeiro do esquivo George "o Menino". Porém, no desenvolvimento da narrativa, a gente até se esquece dos motivos que os levaram até lá...


(...)


- Como se chama o bar? - perguntei.
- «The Grapes of Wrath» - disse Johnny. - É um bar diferente.
- Diferente de quê?
- Diferente. É tudo.
Johnny fez o carro guinar para a direita e compreendi que existiam zonas de Nova Iorque que eu não sabia existirem. Passámos debaixo de uma espécie de arco de pedra e metemos por uma rua empedrada, com caixotes do lixo e sem candeeiros. Lembrei-me repentinamente da minha mocidade. Foi do cheiro que me chegou às narinas, o cheiro de tudo o que apodrece.

(...)

- O bar - começou a dizer Johnny - não tem que ver com o Sindicato. É um bar estranho. Altamente reservado o direito de admissão. Nem se pode dizer que seja frequentado. Normalmente, «os irados» vivem mais no bar do que o frequentam. Formam uma espécie de grupo.
- E como vamos entrar? - perguntei.
- Dizemos o nome do homem com quem vamos falar. Eles adoptam todos pseudónimos de escritores.
- E com quem é que vamos falar?
- Emílio Zola.

(...)

Entrámos e a porta fechou-se atrás de nós. A primeira coisa que vi foi um grande clarão vermelho. A casa era vermelha, era tudo vermelho: as paredes, o balcão, as poltronas, os sofás (sim, havia sofás).

(...)

- «The Grapes of Wrath» é o inferno para os inocentes - disse o homem loiro, olhando para mim e sorrindo. - Além da sala vermelha, temos também a sala branca e a sala cinzenta, onde espraiamos a ira.

(...)

Um tipo que estava mesmo debaixo do quadro de Soutine, levantou-se e encaminhou-se para a sala. Trazia a mesma merda de sorriso. Cumprimentou-nos com uma pequena vénia e disse:
- Dentro de minutos, na sala cinzenta, Baudelaire recitará um excerto de «As Flores do Mal».
Era pequeno, magríssimo, mal vestido e usava sapatos quarenta e quatro. Tinha cabelo muito ondulado e dentes muito brancos. Foi-se embora, depois de outra vénia.
- Quem é este? - perguntei.
- Marcel Proust - disse Zola. - Todos os dias escreve uma página e depois rasga-a. É um génio. - Olhou para mim com os olhos muito escuros e apertados. - Um
génio. Percebe, insecto?
- Perfeitamente - disse eu, conciliatório. - O Baudelaire já chegou?

(...)
Beeeemmm... peço desculpa por interromper, mas é só para acrescentar que a conversa que se segue não é tão inverosímil como poderá parecer a algumas pessoas
mais distraídas... ou mais... hummm... digamos que "caseiras". Adiante, portanto.

(...)
Coloquei os cotovelos em cima da mesa, olhei em volta e perguntei:
- Mas vocês fazem isto a sério ou a brincar?
- A sério, meu amor - disse a Charlotte (nota do vitorino: Charlotte Bronte) - Não há nada mais sério do que isto. Acreditamos na arte como única forma de aproximação. Acreditamos especialmente na literatura, na força da palavra.
- Pois.
- O facto de tu não entenderes - disse ela - estava previsto nos textos sagrados, como diriam os místicos. És uma besta, meu amor. Não há nada a fazer a isso. Há milhões de bestas lá fora. Nascem, vivem e morrem a fazerem coisas estúpidas. Têm cultos mesquinhos, têm profissões e coisas assim. Alimentam inconscientemente tiranias, políticas e guerras.
- O templo do conhecimento - disse eu, quase para mim próprio.
- Não és estúpido de todo - disse ela, olhando para mim com certa benevolência. - Até já percebi que aprendeste umas coisas e vives no pior dos mundos: o mundo duplo, que é aquele em que morres e aquele que já te foi sugerido.
- Isso é verdade.
Houve uma pausa. O Zola sorria e Johnny olhava para ela com a sua natural timidez, quando alguém discorria sobre um certo número de coisas que lhe escapavam.
- Ali o teu amigo - disse ela, percebendo a timidez de Johnny - está muito mais certo do que tu. Vive de valores errados, mas são os valores que conhece. Um esquimó não sabe o que são os Trópicos, portanto os Trópicos para ele não existem.
- Johnny é um sábio - disse o Zola. - Vive no mundo do crime e é puro como um anjo. O inocente é o que não explica nada.
- Camus - disse eu.
- É exacto - disse ele. - Citei Camus. E depois?
- Depois, nada.
- Muito bem - interrompeu ela, com a mão transparente no ar. - Vive no mundo do crime e não perdeu a inocência. Mas o mundo do crime é apenas um sub-produto do mundo civilizado em que eles vegetam. - E apontou para nós. - Têm as pequenas emoções ilegais, coitadinhos.
- Charlotte - disse o Zola, metendo na boca um cigarro de ponta doirada - não é fácil, seja para quem for, escolher como tu escolhes. Quanto mais para eles. Não têm, sequer, iniciação. E vês o meu caso: existo nos dois mundos.
- Porque não és suficientemente rico - disse ela. - Se tivesses muito dinheiro, o mundo deles não te interessava. De resto, não te interessa: é ali que vais buscar o carvão para alimentar esta fogueira. Ao passo que eles, não. Podiam ser ricos como eu, que sempre seriam o que são: umas doninhas mentais.

(nota do vitorino: por esta altura, já eu me estou a desmanchar a rir... adiante)
Nunca ninguém me tinha chamado doninha. E disse:
- Nunca ninguém me chamou doninha.
- Já era tempo, meu amor - disse ela.
- Qual é a tua profissão?
- Assassino profissional.
- E depois, é parvo. Que é isso de assassino profissional?
- Matar pessoas, Charlotte. Por exemplo: tu zangas-te com o teu amigo Zola, queres ver-te livre dele e pagas-me para eu o matar. E eu mato-o, se achar que o devo fazer. Esqueci-me de dizer que sou um assassino profissional específico. Um assassino profissional com consciência. Um conflito vivo.
Ela olhou para mim com os olhos quase tristes.
- E fazes isso a sério ou a brincar? - perguntou a meia voz.
- Nem eu sei - disse eu, também a meia voz. - Mas vou dizer uma frase bonita: as coisas mais sérias são aquelas que fazemos a brincar.
- Não gosto da frase - disse o Zola. - Não gosto de trapézios literários. Pelo menos, daqueles que são muito evidentes.
Alguém bateu as palmas e uma voz disse:
- Baudelaire vai recitar «As Flores do Mal».
- Venham, meninos - disse a Charlotte. - E tu, meu amor - disse ela para mim - não mates ninguém no meio do recital, é de mau gosto.

O tio Baudelaire estava à entrada da sala que devia ser cinzenta. Sorria. A mesma merda de sorriso.

(...)


E pronto: como é de esperar, segue-se, no livro, um recital de poesia.





Não sei como termina esta estória. Sei que estou deliciado com o mui subtil sentido de humor, e com o génio (sim, génio - palavra que até uso
parcimoniosamente, mas que agora vem a propósito) de Dennis Mc Shade. Sei que vos recomendo vivamente este autor e este livro.



E sei também que quem, se algum de vós tem a triste ideia de me contar como a estória acaba, eu junto uns trocos e contrato o senhor Peter Maynard para um
servicinho muito eticamente - e, sobretudo, literariamente - justificável... Um desses serviços que Maynard não rejeita, capisce?

Se quiserem conhecer mais sobre Dinis Machado - e sobre Dennis McShade - estejam à vontade para consultar: