sábado, março 24, 2012

Carga policial no Chiado: uma história de bons e maus?


Link
A propósito da carga policial no Chiado, Lisboa, no dia da Greve Geral (22 de março de 2012), e na sequência do que escrevi anteriormente - Informação versus "comunicação" na arena da junk food mediática - aqui ficam dois vídeos que podem ajudar a esclarecer uma história muito mal contada.

A versão da história que anda a correr mundo fala de uma carga policial e de agressões a jornalistas. Mas não conta o que aconteceu antes da carga policial. Os próprios jornalistas escondem isto. Porquê? A quem interessa todo este show off, toda esta falta de rigor? Quem quer reduzir isto a uma agressão gratuita dos "maus" (a polícia) contra os "bons" (os manifestantes)?

Esta é a versão que anda a ser divulgada. Note-se que são vídeos feitos no mesmo local, no mesmo acontecimento. Mas não parece, pois não? Porquê?



Evidentemente, nada pode justificar a violência desproporcionada da carga policial.

Mas, da mesma forma, só interesses obscuros (ou a vontade de fazer propaganda, ignorando o rigor informativo) podem "justificar" que a história tenha sido tão mal contada por quase toda a gente - pela comunicação social dominante mas também pelos que tanto a acusam de sensacionalismo e parcialidade... para a seguir fazerem exactamente aquilo que antes condenavam. E querem ser levados a sério?

sexta-feira, março 23, 2012

Informação versus "comunicação" na arena da junk food mediática


Ontem foi dia de greve geral em Portugal. Uma greve que teve grande adesão e, portanto, grande sucesso nos objectivos a que se propunha (dados sobre a greve disponíveis em http://www.grevegeral.net).

Mas ontem foi também dia de manifestações e de cargas policiais.

Portanto - logicamente? - as "notícias" de hoje dão relevo às manifestações e cargas policiais, deixando para segundo plano a greve e os seus resultados.

Mas não só as "notícias" dos grandes órgãos de comunicação social. Também na internet o que mais se vê são imagens das cargas policiais, divulgadas por pessoas que, em princípio, teriam interesse em não alinhar no sensacionalismo que a comunicação social dominante promove.

Na minha opinião, insistir em imagens de violência sem as contextualizar apenas faz com que as pessoas se habituem mais e mais às imagens de violência. Não é assim que se ganham ou se mobilizam para uma causa pessoas que não estejam já sensibilizadas. Os outros (a maioria) olham para essas imagens como olham para tantas outras que se habituaram a consumir. Mesmo que se sintam indignadas, mesmo que manifestem simpatia por um (ou outro) dos lados "em confronto", não se querem envolver. Foram condicionadas a pensar assim. Não é à toa que se diz que vivemos numa "sociedade do espectáculo".

Eu sei: é uma opinião polémica. Mas é resultado do que tenho observado e analisado ao longo dos anos (e também, naturalmente, resultado da minha praxis profissional). Espero poder desenvolver e fundamentar melhor este assunto em futuros artigos.

Entretanto, ao olhar para a forma como as fotografias e vídeos das manifestações e cargas policiais de ontem têm vindo a ser divulgadas (e como, por terem audiência garantida, servem também para vender publicidade: um dos vídeos "amadores" feito numa das manifestações está a ser divulgado no site de um diário português... mas quem tenta aceder ao vídeo leva primeiro com publicidade a uma marca de automóveis - isto para dar só um exemplo), lembrei-me do livro "Jornalismo e Sociedade", escrito há uma dúzia de anos por um dos mais prestigiados jornalistas portugueses, Fernando Correia.

Aqui ficam algumas passagens que podem - espero eu - ajudar a contextualizar isto tudo (não dispensa a leitura do livro na sua totalidade).

"Nunca como actualmente foram tão evidentes a transformação da notícia em mercadoria e a sujeição das estratégias informativas às estratégias comerciais, de que a valorização do secundário e a subvalorização do importante, o sensacionalismo, a superficialidade, a informação-espectáculo e a explosão dos excessos da imprensa cor de rosa constituem, em planos diversos, expressões concretas.

Toda esta situação, como seria inevitável, tem-se reflectido na forma de pensar e de agir dos jornalistas, considerados individualmente e como grupo profissional. À prevalência dada aos imperativos comerciais e à subordinação dos critérios jornalísticos às chamadas exigências de mercado (mas quem é que faz com que as exigências de mercado sejam estas e não outras?), juntam-se uma série de outros factores que vão quebrando e dissolvendo a anterior homogeneidade profissional.

(...)

A prevalência absoluta das leis do mercado (isto é, da capacidade dos mais poderosos estabelecerem e arbitrarem, em seu proveito, as regras do jogo económico) e a centralidade social adquirida pela comunicação em geral e pelos media em particular, juntamente com a aplicação de novas tecnologias, trouxeram consigo formas diferentes de fazer jornalismo e novos enquadramentos profissionais. Seria totalmente errado fechar os olhos às realidades e não aceitar uma necessária e indispensável evolução nos modos de conceber o jornalismo.

(...)

Por um lado, o próprio facto de as novas tecnologias proporcionarem um extraordinário aumento da realidade acessível aos media sublinha a necessidade e a importância da tarefa do jornalista enquanto mediador (investigador, revelador e criador) entre essa realidade, cada vez mais vasta e diversificada, e o público.

Por outro lado, porém, o jornalista está ameaçado nos seus fundamentos pelas novas possibilidades técnicas (informação em maior quantidade, mais rápida, se necessário em tempo real, etc) - não, naturalmente, pela própria existência dessas novas possibilidades, mas sim pela sua apropriação e utilização ao serviço de estratégias mediáticas socialmente determinadas. Estratégias prioritariamente dirigidas, nomeadamente no caso da TV, para a valorização do efémero, do distractivo e do superficial, em prejuízo do profundo, do sério e do substancial (o que não significa que toda a informação tenha que obedecer sempre a estes critérios!)

(...)

Isto implica uma concepção dos media e do jornalismo não apenas enquanto mero negócio, mas como uma actividade com deveres e obrigações de natureza social, decorrentes da sua força e capacidade ímpares para influenciar a opinião pública. Esta concepção, para ser operacional, não pode constituir apenas património dos jornalistas, tendo também que ser, de alguma maneira, partilhada pelos agentes que intervêm na produção e edição de informação.

Existe um espaço de autonomia jornalística que, no entanto, tende a estar cada vez mais circunscrito aos quadros dos valores e dos critérios vigentes. O facto de, lamentavelmente, haver cada vez mais jornalistas que, por convicção ou não, participam diligentemente na concretização de tais valores, não é mais do que um reflexo - grave e preocupante - da situação dos media no ponto de cruzamento de interesses económicos, políticos e ideológicos, sob a batuta visível ou a inspiração oculta dos senhores do dinheiro.

(...)

Os manuais ensinam que o bom jornalista terá que ser culto, ter interesse pelas realidades humanas e curiosidade pelas coisas da vida, dominar bem as técnicas do ofício e respeitar a deontologia. Mas numa actividade como esta, tão próxima das pessoas, do seu quotidiano e dos seus problemas, e com tanta influência sobre elas, julgo indispensável, por parte do jornalista, o aprofundament da sua responsabilidade social.

Uma responsabilidade social sem a qual, ao esquecer as implicações económicas, políticas, culturais e religiosas inerentes ao jornalismo enquanto fenómeno social, o exercício da profissão se descaracteriza e empobrece, perdendo grande parte do seu significado e das suas virtualidades ao serviço da valorização e da transformação dos homens e da sociedade".

Fernando Correia
"Jornalismo e Sociedade" - Editorial Avante!, Lisboa, 2000

Entendem o que tem tudo isto a ver com a imagem acima (e com o contexto em que foi captada, e com a forma como está a ser divulgada e vulgarizada)?

quarta-feira, março 21, 2012

A marca da ditadura. E a ditadura das marcas


Imagem: cartaz de Rui Rocha (com um agradecimento ao autor)

O sistema político-económico em que vivemos tudo transformou (e transforma) em objecto de negócio. O lucro é o seu valor moral mais elevado. "Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio", escrevem Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista.

E, noutra passagem do mesmo livro "A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as actividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência." Pois que "A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas" (...) "Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era dos estados e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."

"Tudo o que era sagrado é dessagrado": tudo se compra, tudo se vende - até a imagem de ditadores. E mesmo a imagem de revolucionários (vejam o que se tem feito com a famosa fotografia de Che Guevara - sobre isso escrevi no "post" abaixo deste).

Vendem-se presidentes como se fossem sabonetes.

E pretende-se vender em Portugal o vinho Salazar como se vende na Austrália o gelado Magnum Cherry Guevara.

"É tudo negócio, nada de pessoal", como diziam os mafiosos dos filmes de Francis Ford Copolla. É a lógica do capital.

A ideia peregrina que a câmara municipal de Santa Comba Dão teve - criar a marca salazar - tem enfrentado a contestação de pessoas que não se esquecem que Salazar foi não uma garrafa de vinho, mas sim um ditador que manteve Portugal num regime opressivo de estilo fascista e colonial, que promoveu e defendeu a iliteracia, que convencia o povo de que a pobreza em que vivia era uma virtude e uma honra (e ao mesmo tempo mantinha os cofres do Estado cheios de ouro), que mandou jovens matar e morrer numa guerra injusta e que obrigou tantos outros a emigrar.

E é claro que temos de lutar contra isso. Contra esta e todas as tentativas de branquear a imagem do ditador e da ditadura.

Vender um "vinho salazar" pode ser acima de tudo um negócio para fascistas e saudosistas mas é, também, obviamente, uma banalização inaceitável de algo que não pode ser olhado senão como um mau exemplo, com o qual temos de aprender (para não o repetir) em vez de deixarmos passar como mais uma banalidade. Concordo que devemos combater tudo o que possa servir como pretexto para reescrever a História (ou esquecê-la, o que é quase tão mau).

Mas é boa ideia, também, tentarmos alargar o horizonte da nossa percepção. Ver para além do nevoeiro de propaganda que nos rodeia. Não agir apenas por reflexo e quando o mal já está feito ou em vias de se concretizar.

Se chegámos a este ponto não foi só porque alguém de repente se lembrou que podia fazer negócio com a "marca salazar".

Se alguém se lembrou que podia fazer negócio com isso, é porque sabe que à partida terá clientes. E se quem quer fazer uma coisa dessas acha que vai ter clientes, então sabe que há pessoas dispostas a esquecer (ou a não querer conhecer) o passado ainda não muito distante. E que haverá, até, pessoas para quem o nome Salazar não diz nada. É mais uma marca entre tantas outras. Tal como (lamento dizê-lo) é para muitos jovens por todo o mundo a marca Che Guevara: uma entre tantas outras.

Não, não estou a querer comparar o revolucionário com o ditador! Obviamente que não! Estou a comparar a apropriação que o capitalismo faz das figuras de um, de outro, e do que mais aparecer e der lucro - depois de devidamente descontextualizado e esvaziado de sentido : "A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as actividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência"

Vivemos numa ditadura de grandes multinacionais que, por todo o lado, vão impondo as suas leis e substituindo o papel que até há não muito tempo estava reservado aos estados. Os simbolos visíveis destes novos ditadores são as marcas.

Nesta sociedade consumista, as marcas substituiram (para uma grande fatia da população da Europa, América do Norte, Ásia, Austrália, e mesmo para muitos na América Latina e em África) os símbolos das ideologias.

As pessoas - os jovens, mas nao só os jovens - afirmam-se pelo que têm e podem exibir, e não pelo que pensam, pelas ideias que defendem e pela forma como lutam pelas suas ideias. Há excepções, evidentente. Há os que lutam contra este estado de coisas. Mas esses são ainda poucos.

Durante as últimas décadas as pessoas foram convencidas a acatar uma nova ideologia: a do consumo, custe o que custar e custe a quem custar.

Nos anos 90, ao mesmo tempo que se reduziam salários e se aumentava a exploração da mais-valia, dava-se às pessoas a esperança de uma vida melhor, com mais acesso a bens materiais.

Como foi isso possível?, poderão perguntar alguns. A resposta é: facilitando o crédito ao consumo! As pessoas não tinham assim tanto dinheiro, mas podiam pedir empréstimos para comprar bens de consumo. Empréstimos que, inevitavelmente, não poderiam pagar no futuro. E os bancos sabiam isso muito bem! Assim, os consumidores de ontem tornaram-se os reféns de hoje - reféns de um sistema financeiro que tem nos bancos a sua face visível e nas marcas os seus símbolos ideológicos.

Mas essa aparente prosperidade dos anos 90 não chegava a todos. Havia, ainda, uma classe média. Mas era relativamente pequena. Muita gente não acedia (ou muito dificilmente acedia) a esse paraíso consumista.

A maior parte das pessoas já não passava fome. A pobreza tinha diminuido, é certo. Mas o acesso aos bens de consumo da moda, como automóveis, telemóveis ou roupas de marca - e tê-los era sinónimo de sucesso, segundo a ideologia dominante - não era para todos.

E assim vimos, ao longo da década de 90, jovens dos subúrbios, mais ou menos organizados, a roubar e assaltar, não para comer, mas para ter acesso a esses bens. Os telemóveis e a roupa de marca eram os troféus mais apetecidos. Exibi-los era o sinal exterior de um "sucesso" ilusório.

A orgulhosa exibição de "roupas de marca" - ou seja, a orgulhosa exibição das marcas no corpo de quem deu dinheiro, ou roubou, para as ter (leia-se: propaganda grátis às marcas feita por quem adquiriu o produto) - só por si dava um tratado. Espero que alguém, um dia, o escreva.

Tal como o crédito ao consumo "oferecido" e "facilitado" pelos bancos, o culto das marcas viciou as pessoas. Fez com que todos - ricos, pobres, classe média, enquanto existiu - aceitassem como "natural" esta religião do consumo.

A religião não deixou de ser o ópio do povo. O vinho salazar pode ser uma merda. Mas o consumismo é a droga maior. Ambos intoxicam.

E todos nós, os que não se revoltaram, não reagiram e não denunciaram a tempo, estamos intoxicados e temos culpa por nos termos deixado intoxicar.

Estamos a tempo de sair disto? E queremos?

domingo, março 18, 2012

Vinho de Santa Comba nunca mais! Agora só cerveza!


A Câmara Municipal de Santa Comba Dão quer registar o nome "Salazar" como marca comercial. O primeiro produto a ser lançado com a marca do ditador será um vinho (produção típica da região), baptizado de "Memórias de Salazar" (notícia aqui).

Não. Não estou a delirar. Não é uma piada. Bem vindos a Portugal, em 2012, século 21.

Repugna-vos a ideia? Pois, também a mim.

Mas a verdade é que isto me dá o pretexto para vir aqui falar de uma coisa que me anda a atormentar. É que quanto mais eu vejo mais eu cismo que tudo é produto de consumo, tudo é apropriado pelo capitalismo.

Mesmo o que começa por ser revolucionário, anti-capitalista.

Querem um exemplo muitíssimo esclarecedor? Vejam o que se tem feito com a imagem de Ernesto Che Guevara.
Ora, se é assim com os símbolos revolucionários, como não havia de ser com os símbolos reaccionários? A nossa indignação é legítima. Mas parece-me que temos aqui uma boa oportunidade para pensar, também, se não teremos sido, todos (revolucionários incluidos) demasiado condescendentes - para não dizer cúmplices - com o consumismo.

É claro que isto - a apropriação pelo capitalismo daquilo que, à partida, lhe era adverso - merece uma abordagem mais séria. Por isso mesmo, espero voltar ao assunto no "post" que há-de aparecer por cima deste.

(E Sérgio Godinho que me perdoe os trocadilhos... Mas o tema estava a pedi-los.)

sexta-feira, março 16, 2012

"Kony 2012": meias verdades, manipulação, infantilização do público

Daniel Oliveira escreve no Expresso um texto muito interessante e bem fundamentado, com o título Kony 2012: para lá da comoção da moda (http://expresso.sapo.pt/kony-2012-para-la-da-comocao-da-moda=f711978)

No final do artigo acrescenta, em rodapé, o vídeo - fenómeno viral - com a suposta "reportagem". Mas acrescenta também este, com a reacção das vítimas de Joseph Kony depois de uma projecção do vídeo realizada numa localidade do norte do Uganda por uma equipa da televisão Al Jazeera.

O visionamento do (pseudo) documentário provoca, nas vítimas de Joseph Kony, irritação e revolta - por se considerarem usadas (e abusadas, digo eu).

Para contextualizar o assunto, atrevo-me a reproduzir (com a devida vénia, já se sabe...) excertos do artigo de Daniel Oliveira (encontram-no na íntegra clicando no link que coloquei no final do primeiro parágrafo deste artigo).

"O documentário pela captura de Joseph Kony, realizado e divulgado pela ONG Invisible Children, tornou-se o mais rápido vídeo viral da Net. Mesmo sem saber muito bem onde fica o Uganda, o mundo acordou para as atrocidades da Lord's Resistence Army (LRA). Mas a indignação solidária tem, como sempre, um sabor de moda. Não resulta de uma posição informada, que compreenda as contradições de uma guerra civil, onde raramente há anjos e diabos.

Como tudo o que tem grande sucesso se expõe às criticas, surgiram muitas em relação ao rigor de um documentário maniqueísta, feito para emocionar e não para pensar. Quando as causas humanitárias são tratadas como campanhas de marketing é isso que acontece. A ação tem nascer da indignação. Mas esta tem de nascer da informação. A emoção acorda para problemas, mas, se nada se acrescentar a ela, a nossa ação em defesa dos outros pode bem passar a depender da manipulação. Seremos convencidos por quem fizer o melhor spot e escolher a melhor banda sonora. Agir por uma causa não é, não pode ser, o mesmo que escolher uma marca de cereais. Nem permitir, como faz o documentário em questão, que não nos dá qualquer informação de contexto do conflito em que pretende intervir, ser tratados, como ali somos, como uma criança de cinco anos incapaz de compreender as complexidades e contradições do mundo.

Não faltam interessados nos vastos recursos do Uganda - que não têm servido para melhorar a vida dos seus cidadãos. Nesses recurso incluem-se as reservas inexploradas de gás natural e petróleo. O governo formalmente democrático (se formos insultuosamente minimalistas no que consideramos ser uma democracia) do Uganda, que gere a miséria de um dos mais pobres países do Mundo, viola, com prisão e tortura de opositores políticos, deportações forçadas, violência sobre os refugiados, os direitos humanos dos ugandeses. No entanto, tem merecido generosos, mas não muito bem intencionados, apoios externos das potências ocidentais no combate a Joseph Kony. Um dos políticos que apoia este regime, Santo Okot Lapolo, aparece no documentário em causa. É responsável por homicídios e perseguições a opositores e acusado de corrupção, por desvio de fundos que eram destinados aos refugiados vítimas da LRA.

Não deixa de ser estranho que as mesmas potências que assistiram, quietas, aos apocalípticos massacres no Ruanda, à limpeza étnica do Darfur e aos atropelos sistemáticos aos direitos humanos por parte do governo ugandês, tenham, por Kony, um interesse tão grande. Suficiente para a mobilização de raros recursos financeiros e legislativos por parte da Casa Branca e do Congresso dos EUA. Num mundo que raramente se move por razões humanitárias, é sempre razão para parar cinco minutos e pensar. Mas, acima de tudo, vale a pena desconfiar de um documentário sobre um conflito civil onde tudo pareça demasiado simples. É que uma guerra civil não se explica ao estilo preguiçoso de Hollywood. Raramente é assim tão claro quem são os bons e os maus.

Não ponho em causa, pelo contrário, a necessidade de capturar Joseph Kony e obriga-lo a responder pelos seus inúmeros crimes. Mas, nestas matérias, defendo sempre a cautela: não basta sabermos quem estamos a combater, precisamos de saber o que move aqueles que, com muito mais poder do que os cidadãos, querem fazer com o nosso combate. E tentar perceber a verdadeira complexidade do que acontece no terreno.

O nosso apoio às vítimas de um qualquer conflito exige mais do que um "like" no Facebook ou uma lágrimas em frente a um computador ou uma televisão. Exige o trabalho e a exigência da militância numa causa. As contradições não nos podem paralisar. Mas não é o simplismo que nos deve fazer mexer. Porque a nossa ingenuidade bem intencionada pode bem servir interesses contrários aos valores que pretendemos defender."

quinta-feira, março 08, 2012

Problemas antigos...

Um trabalho jornalístico publicado em dezembro de 1995. A Lusoponte preparava-se para assumir a concessão exclusiva das futuras travessias do Tejo até Vila Franca de Xira. E havia, ainda, um grande movimento de contestação às portagens (embora já não intenso como o que, em 1994, deu início à derrota do governo PSD - Cavaco Silva).
A História não se repete: continua.

domingo, março 04, 2012

Greve ao consumo!


Greve ao consumo de produtos de "entertainment" (de lazer ou culturais): uma iniciativa convocada não sei por quem, mas que subscrevo e apoio activamente.

A tradução para português é, mais ou menos, a seguinte:

Com as campanhas continuadas para censurar internet e pelo encerramento de sites como o Megaupload sob a alegação de pirataria e conspiração, chegou a hora de tomar uma posição contra os lobys das empresas de mídia.

A única maneira de atingi-los é onde realmente dói.
Suas margens de lucro.

O apelo é para uma greve ao consumo a nível mundial durante este mês (março de 2012).

Não comprem um único registo. Não façam download, legal ou ilegal, de uma única música. Não vejam um único filme nos cinemas, nem façam downloads de filmes. Não comprem um dvd nas lojas, nem jogos de vídeo, nem livros ou revistas.

Esperem até ao final destas 4 semanas para comprá-los em abril: vejam o filme mais tarde, etc

Fazendo greve ao consumo durante estas 4 semanas, o resultado será uma lacuna, um buraco nos lucros das companhias de entretenimento durante o primeiro trimestre deste ano.

Um sucesso económico que, por sua vez, será observado pelos governos como uma perda significativamente grande de rendimentos.

Esta ação pode dar uma declaração de intenções:

"Não vamos tolerar que as indústrias de mídia continuem a exercer pressão para aprovar leis que censurem a internet"

Concordo. É tempo de partir para formas de luta verdadeiramente eficazes, em vez de andarmos simplesmente a repetir slogans ou ficar à espera de justiceiros mascarados que lutem pelos nossos direitos. Greve ao consumo é das melhores armas que conheço. E todos a podemos utilizar. Só precisamos de sair um bocadinho (só um bocadinho) da nossa zona de conforto.

Desconfio é que pouca gente estará para aqui virada. E é pena. Porque podia ser uma coisa grande e com efeitos sérios.