quinta-feira, junho 28, 2007

Uma publicação histórica (mas hoje injustamente esquecida) dos anos 80 do século passado:

O Contraste

[Aviso: eu hoje venho aqui falar de comunicação social. Falar de comunicação social não é o mesmo que falar de jornalismo. É óbvio? Não sei se será assim tão óbvio. Afinal, anda por aí muito boa gente que tem um especial talento (e recursos, e ferramentas...) para misturar numa cartola o conceito de comunicação social com o conceito de jornalismo, agitar muito bem agitadinho e depois tirar lá de dentro o coelho mágico a que chamam (com uma grande lata) "informação". E não é disso que agora se trata. Vou falar mesmo de órgãos de comunicação social. Estamos entendidos?]

Então, é assim...


Se não me engano, a segunda metade da década de oitenta (do século vinte), viu nascer, e desenvolverem-se, alguns dos mais interessantes projectos que se fizeram em Portugal nesta área a que me refiro: comunicação social.
Foi, por exemplo, a época das rádios "piratas" (só em Almada existiram pelo menos - ou seja: que eu me lembre - quatro, antes de 1988 e da "legalização"); foi um tempo de proliferação de fanzines (alguns deles fanzines de poesia - ou pensavam vocês que o poezine Debaixo do Bulcão tinha nascido de geração espontânea?... não, foi mesmo porque havia que dar continuidade a essa tradição).
E foi também a época em que surgiu esta inovadora publicação que vos quero hoje apresentar (inovadora tendo em conta o tipo de imprensa que se fazia em Portugal), chamada Contraste.


O Contraste era uma revista temática (abordando assuntos como "Portugal: dez milhões de ciumentos?", "festas, festinhas, festividades, romarias, Festa do Avante!" ou "ilhas e oásis"). Tinha textos literários, artigos de opinião, entrevistas, algumas reportagens, alguns ensaios... e publicidade original, feita pelos gráficos da própria publicação (além disso, tinha também ilustrações às quais, satirizando a linguagem publicitária, chamavam anti-pub).
Editada mensalmente entre Janeiro e Julho de 1986, passou a ter periodicidade bimestral e mais tarde, salvo erro, chegou a ser trimestral.

Tinha uma tiragem de 4.500 exemplares (sim, quatro mil e quinhentos!...).
E foi muito boa, enquanto durou (digo eu, que sou suspeito...), ou seja, durante pouco mais de um ano.
Era editada pela Cooperativa Alto Contraste, tinha como director Miguel Portas, sim, esse Miguel Portas (ok, pessoal, podem começar a investigar se eu afinal sou do Bloco de Esquerda, ou estou feito com eles... ou se, naquela altura, o Miguel Portas era, sei lá, talvez da JCP... ou do PCP...), e colaboradores como Henrique Cayatte, Maria Flor Pedroso, Mário Dias, Jorge Colombo e, deixa cá ver quem mais.. olhem, por exemplo, o Rui Zink!

Para vos dar uns "cheirinhos" desta publicação, eis pequenos excertos de editoriais:

«Assento arraiais na diversidade da escrita, da opinião e da ilustração. Aos seus olhos parecerei uma coisa numas páginas e outra nas restantes. A minha unidade reflectir-se-á na capacidade de o confundir. A minha unidade não é inata, será adquirida em cada acto, errando e acertando. O leitor adquire-me na expectativa da diferença. E eu tentarei não o desiludir embora saiba que, no panorama da imprensa portuguesa, nem sequer tenho muito por onde copiar.»
(Nº. 1, Fevereiro 1986)

«Mudamos de formato. Exaustivos estudos de mercado concluíram ser o rectãngulo invertido a embalagem ideal para este mensário. Com efeito, a capital da moda 86 é Madrid. E a sua coqueluche chama-se MMM, "Madrid Me Mata". Qual o seu formato? O rectângulo invertido. A prova está feita. No nosso país não se inventam modas, copiam-se modas. Contraste orgulha-se de ser o primeiro a copiar.»
(Nº. 2, Março 1986)

E pronto, estão feitas as apresentações.
Voltarei a referir-me a esta publicação. Mais: hei-de apresentar-vos alguns textos e ilustrações da dita cuja. Lá mais para diante.
Agora vou dar uma voltinha, que o tempo está óptimo e a minha vida não é isto.
Adeusinho.

A.V.

Ah, já me esquecia: depois do Contraste, e aproveitando a onda, surgiram - já no incício dos anos 90 - outras publicações "históricas", como a Politika (que era uma revista da Juventude Comunista Portuguesa), a Jotacêpê (que foi um fanzine político da JCP em Almada) e a K - ou, se preferirem, Kapa (que já é de outra área política). Esta, (para meu espanto) está agora na internet, em

kapa.blogspot.com

Se tiverem notícia das outras, digam-me qualquer coisa, está bem?
Obrigadinho!

1 comentário:

Debaixo do Bulcão disse...

Bem, parece que este artigo, de 2007, tem muitos leitores ultimamente. É por isso que volto aqui, 5 anos depois de o ter escrito, para acrescentar mais algumas coisas.

Em primeiro lugar, agradeço a atenção de quem tem visitado este blogue à procura de informação sobre a revista Contraste. Suponho que não seria exactamente isto o que procuravam, mas sim um artigo com mais informação e mais rigor histórico.

Quando escrevi este artigo, em 2007, não dispunha ainda de condições que me permitissem fazer um trabalho mais sério. (Para dizer a verdade, nem tinha computador próprio.) Portanto, isto foi escrito um pouco como "fait divers", sem pretensão de ser muito rigoroso e - como se entenderá ao ler o texto - com algumas referências a outros assuntos, e com "recados" pessoais, relacionados com um determinado momento da vida do autor destas linhas.

Feito este esclarecimento, agradeço mais uma vez a atenção. E fico a pensar em escrever mais sobre aquilo que sei da revista e da época e do ambiente cultural em que apareceu.

Talvez um dia destes volte ao assunto.

A.V.