[Aviso: eu hoje venho aqui falar de comunicação social. Falar de comunicação social não é o mesmo que falar de jornalismo. É óbvio? Não sei se será assim tão óbvio. Afinal, anda por aí muito boa gente que tem um especial talento (e recursos, e ferramentas...) para misturar numa cartola o conceito de comunicação social com o conceito de jornalismo, agitar muito bem agitadinho e depois tirar lá de dentro o coelho mágico a que chamam (com uma grande lata) "informação". E não é disso que agora se trata. Vou falar mesmo de órgãos de comunicação social. Estamos entendidos?]
Então, é assim...
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Se não me engano, a segunda metade da década de oitenta (do século vinte), viu nascer, e desenvolverem-se, alguns dos mais interessantes projectos que se fizeram em Portugal nesta área a que me refiro: comunicação social.
Foi, por exemplo, a época das rádios "piratas" (só em Almada existiram pelo menos - ou seja: que eu me lembre - quatro, antes de 1988 e da "legalização"); foi um tempo de proliferação de fanzines (alguns deles fanzines de poesia - ou pensavam vocês que o poezine Debaixo do Bulcão tinha nascido de geração espontânea?... não, foi mesmo porque havia que dar continuidade a essa tradição).
E foi também a época em que surgiu esta inovadora publicação que vos quero hoje apresentar (inovadora tendo em conta o tipo de imprensa que se fazia em Portugal), chamada Contraste.
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O Contraste era uma revista temática (abordando assuntos como "Portugal: dez milhões de ciumentos?", "festas, festinhas, festividades, romarias, Festa do Avante!" ou "ilhas e oásis"). Tinha textos literários, artigos de opinião, entrevistas, algumas reportagens, alguns ensaios... e publicidade original, feita pelos gráficos da própria publicação (além disso, tinha também ilustrações às quais, satirizando a linguagem publicitária, chamavam anti-pub).
Editada mensalmente entre Janeiro e Julho de 1986, passou a ter periodicidade bimestral e mais tarde, salvo erro, chegou a ser trimestral.
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Tinha uma tiragem de 4.500 exemplares (sim, quatro mil e quinhentos!...).
E foi muito boa, enquanto durou (digo eu, que sou suspeito...), ou seja, durante pouco mais de um ano.
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Para vos dar uns "cheirinhos" desta publicação, eis pequenos excertos de editoriais:
«Assento arraiais na diversidade da escrita, da opinião e da ilustração. Aos seus olhos parecerei uma coisa numas páginas e outra nas restantes. A minha unidade reflectir-se-á na capacidade de o confundir. A minha unidade não é inata, será adquirida em cada acto, errando e acertando. O leitor adquire-me na expectativa da diferença. E eu tentarei não o desiludir embora saiba que, no panorama da imprensa portuguesa, nem sequer tenho muito por onde copiar.»
(Nº. 1, Fevereiro 1986)
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«Mudamos de formato. Exaustivos estudos de mercado concluíram ser o rectãngulo invertido a embalagem ideal para este mensário. Com efeito, a capital da moda 86 é Madrid. E a sua coqueluche chama-se MMM, "Madrid Me Mata". Qual o seu formato? O rectângulo invertido. A prova está feita. No nosso país não se inventam modas, copiam-se modas. Contraste orgulha-se de ser o primeiro a copiar.»
(Nº. 2, Março 1986)
E pronto, estão feitas as apresentações.
Voltarei a referir-me a esta publicação. Mais: hei-de apresentar-vos alguns textos e ilustrações da dita cuja. Lá mais para diante.
Agora vou dar uma voltinha, que o tempo está óptimo e a minha vida não é isto.
Adeusinho.
A.V.
Ah, já me esquecia: depois do Contraste, e aproveitando a onda, surgiram - já no incício dos anos 90 - outras publicações "históricas", como a Politika (que era uma revista da Juventude Comunista Portuguesa), a Jotacêpê (que foi um fanzine político da JCP em Almada) e a K - ou, se preferirem, Kapa (que já é de outra área política). Esta, (para meu espanto) está agora na internet, em
kapa.blogspot.com
Se tiverem notícia das outras, digam-me qualquer coisa, está bem?
Obrigadinho!
1 comentário:
Bem, parece que este artigo, de 2007, tem muitos leitores ultimamente. É por isso que volto aqui, 5 anos depois de o ter escrito, para acrescentar mais algumas coisas.
Em primeiro lugar, agradeço a atenção de quem tem visitado este blogue à procura de informação sobre a revista Contraste. Suponho que não seria exactamente isto o que procuravam, mas sim um artigo com mais informação e mais rigor histórico.
Quando escrevi este artigo, em 2007, não dispunha ainda de condições que me permitissem fazer um trabalho mais sério. (Para dizer a verdade, nem tinha computador próprio.) Portanto, isto foi escrito um pouco como "fait divers", sem pretensão de ser muito rigoroso e - como se entenderá ao ler o texto - com algumas referências a outros assuntos, e com "recados" pessoais, relacionados com um determinado momento da vida do autor destas linhas.
Feito este esclarecimento, agradeço mais uma vez a atenção. E fico a pensar em escrever mais sobre aquilo que sei da revista e da época e do ambiente cultural em que apareceu.
Talvez um dia destes volte ao assunto.
A.V.
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