Também já vos disse que o Sul Expresso apareceu conotado com o Partido Socialista (e nunca se livrou do rótulo “jornal do PS”).
No entanto, Luís Maia tentou (e, até certo ponto, conseguiu mesmo) fazer com que o jornal se afastasse de qualquer linha político-partidária. Neste editorial, e a propósito de uma qualquer “trica” política da época, o director deixava um recado aos críticos do jornal e, eventualmente, a quem ainda pretendesse fazer dele uma espécie de “correia de transmissão”: «o Sul Expresso nunca foi muito alinhado pelos poderes da região e apesar de ter surgido com uma determinada coloração política, conseguiu afastá-la e ganhar o seu espaço de pluralidade e aberto às mais variadas ideologias e cores, sejam elas maioritárias ou minoritárias no país ou nos concelhos que pretende abranger. Conseguiu ser um espaço aberto ao debate de ideias e à intervenção (escrita, obviamente) ideológica).»
Entretanto, Luís Maia sai do jornal (e, neste caso, não sei bem se alguma vez cheguei a entender porquê – por isso mesmo, não comento a sua saída) e, para ocupar o seu lugar, surge Raul Tavares (que já era um dos principais responsáveis pela revista Sem Mais, de Setúbal, e fazia parte da redacção do Sul Expresso).
Não se tratou, contudo, de uma simples mudança de director. As informações de que disponho (enfim, não serão muitas, mas julgo que são credíveis) permitem-me dizer que, nessa fase da vida do Sul Expresso (em meados de 1996) os accionistas (com o empresário almadense Artur Cortez à cabeça) estavam descontentes com o rumo que o jornal estava a tomar e decidiram, por isso mesmo, pôr um ponto final na edição.
Para salvar o Sul Expresso, alguns jornalistas (entre eles, Raul Tavares e Humberto Lameiras) e o paginador (António José Ribeiro – hoje director do jornal Notícias da Zona, de Sesimbra), assumem a edição, comprometendo-se também a viabilizar o projecto, de maneira a que pudesse continuar a ser sustentado pelos accionistas.
É dessa fase o editorial em que Raul Tavares assumia a liderança de «um jornal que quer prosseguir uma linha editorial acima de todas as lógicas políticas, que não aloinha em credos e não se deixa quedar por razões economicistas».
Bem, não deverei ser eu (que, embora apenas como jornalista “assalariado”, estive sem medos e sem reservas com o projecto Sul Expresso) quem vos poderá dizer se esses objectivos foram ou não conseguidos. Até porque já disse que, na minha opinião, o Sul Expresso foi o melhor projecto editorial almadense das últimas décadas.
Digo-vos, sim, que a publicação teve um final inglório. Primeiro, foi assaltada (a redacção ficava num terraço de um prédio na Praceta Capitães de Abril, muito perto da zona que hoje é conhecida como “triângulo da Ramalha” – e, por sinal, era muito fácil de arrombar). Depois, aconteceu um incêndio misterioso (que, felizmente, foi detectado antes de consumir por completo todo o espólio do jornal).
Por fim, já numa fase em que, para salvar o que era (ainda) possível, a publicação tinha passado a mensal, um outro assalto acabou de vez co o projecto.
Por acaso, eu até estava sozinho na redacção pouco antes desse segundo assalto ter sido consumado, e julgo que até sei quem foi o “menino” (um dos “meninos”, aliás) que assaltou: terá sido alguém que me conhecia muito bem, e que já muito me tinha prejudicado (e que eu julgo ter reconhecido), mas, enfim... é apenas uma suspeita e eu não quero levantar falsos testemunhos.
O Sul Expresso acabou, de uma vez por todas, em 1997. Havia ainda a esperança (e uma remota promessa...) de recomeçar, com uma nova redacção (aliás, eu fui, no último número, “chefe” de uma redacção que não existia). Tudo terminou quando, numa reunião em que estava eu, o director demissionário Raul Tavares e o “patrão” Artur Cortez, este nos comunica que o Sul Expresso já era.
Assim, sem mais. Ponto final.
4 comentários:
O problema do "Sul Expresso" está de alguma forma ligado a um ditado português, que não têm necessariamente que estar sempre certo: "O que nasce torto, tarde ou nunca se indireita."
E é óbvio, se o dono do jornal era esse senhor Cortez, dirigente local do PS (com grandes responsabilidades da descredibilização do PS em Almada), era preciso um esforço suplementar para ultrapassar as barreiras ideológicas existentes, quanto mais não seja, na cabeça das pessoas...
Claro que é endireita, as pressas...
Luís:
Eu não sei se o Artur Cortez era o único "dono" do jornal, ou se era, sequer, o maior accionista. Nunca me meti nesses assuntos, enquanto lá estive (não eram propriamente da minha jurisdição).
Sei, sim, que ele era a face visível do "patronato": era quem nos pagava. E foi quem, na tal reunião, colocou um ponto final no projecto.
Mas não me atrevo a dizer que era ele o "dono". Pelo menos, o único.
E, é claro, não faço comentários sobre o papel do Cortez no PS. Sei que ele era dirigente local desse partido, mas não estou em condições de avaliar o bem ou o mal que ele possa ter feito ao PS cá do burgo.
Até porque, nesse tempo, a "editoria" de política estava (no Sul Expresso) entregue ao Humberto Lameiras.
Eu só comecei a lidar com esses assuntos mais tarde, em Portalegre (1999/2000), e depois em Setúbal, no Sem Mais (embora, nesse caso, a "editoria" de política também estivesse entregue ao Lameiras).
E aí sim, tive a oportunidade de conhecer (profissionalmente, claro) dirigentes do PS e de outros partidos.
Vitorino
Como nota de rodapé, ainda uma referência aos editoriais reproduzidos neste “post”.
O primeiro, de Luís Maia («Informar e Opinar»), ponderava sobre um “caso” surgido entre o director do Expresso e um jornalista do Público – caso surgido a propósito de um apelo ao voto em Cavaco Silva, feito pelo director do Expresso nas páginas do seu próprio jornal, o que indignou o jornalista do Público.
A talhe de foice, Luís Maia deixava, no editorial do Sul Expresso, o mencionado “recado” sobre as origens desta publicação e a sua orientação jornalística no“presente” (ou seja, à data do editorial – salvo erro, ainda durante o ano de 1995).
Já o segundo, assinado por Raul Tavares, é todo ele uma declaração de intenções (com alguma “poesia” à mistura...) e, por isso mesmo (e também porque não consegui “postá-lo” convenientemente), merece ser agora reproduzido na íntegra.
Aqui vai ele:
«Adrenalina e Jornalismo
Todos os projectos editoriais vivem de ciclos, perante os quais vão conseguindo sobreviver à tona da gigantesca realidade da comunicação. O Sul Expresso não foge à regra. Não sendo arauto de grandes pretenciosos, o projecto está hoje, como aconteceu em outros períodos da sua existência, a viver uma fase de mutação interna. Uma transformação que não irá desvirtuar a lógica de um projecto que assenta, acima de tudo, no jornalismo. Puro, aquele que vive dos factos e em prol dos factos.
É uma nova fase. Só isso. Por analogia com qualquer outra mudança, operada na vivência das coisas em sociedade, onde o que importa, acima de tudo, é a vitalidade e a força dos projectos, das ideias e até do sonho…
Não haverá rupturas demagógicas, ou exacerbados egoísmos, porque o caminho está traçado e, agora, o que importa é andar para a frente. Não haverá desvios de concepção editorial, nem rumos sem rumo, porque, a bem da verdade, a intrínseca filosofia do jornal vai manter-se, mais que não fosse porque manter-se-á o núcleo dos que, num momento particularmente inovador, deram de si o seu melhor.
O Sul Expresso é, não tenhamos dúvida, um jornal com futuro. No seu perfil editorial, na sua expressão estética e na sua expansão geográfica.
Não é e não será nunca um salto no escuro. É um projecto realista, alicerçado na projecção de um projecto que vincou bem o seu estilo; deixou, deixa, uma marca.
É uma ideia de um jornal que quer prosseguir uma linha editorial acima de todas as lógicas políticas, que não alinha em credos e não se deixa quedar por razões economicistas. Estamos aqui pela verdade do jornalismo e em nome desta “coisa” da comunicação.
Sobretudo porque acreditamos na imprensa regional, centro de todas as comunicações e razão de um futuro onde as populações locais e regionais comunicam entre si. O Sul Expresso é, pode ser, vai ser, um dos meios dessa filosofia. O Sul Expresso, hoje visto como uma lufada de ar fresco, será, não tenhamos dúvidas, uma pedra de toque. Um vento que corre, que vai correr.
Pessoalmente, depois de muita ponderação, assumo o risco. É uma forma de fazer correr adrenalina, fonte de vida. Estou por um projecto, por uma equipa.
O Sul Expresso do futuro não é mais nem menos que uma continuidade. Ou melhor: evolução na continuidade.
E daí, deixar, aqui e agora, uma palavra amiga, ao meu antecessor, Luís Maia, com o qual eu e a “equipa de hoje”, tantas “guerras”travámos em fechos “lunáticos” do jornal.
Palavra ainda para a anterior administração, pela confiança e, em especial, pela força e querer que este Jornal continue a ser um projecto diferente, com futuro.»
(
Editorial de Raul Tavares, quando este jornalista assumiu a direcção do Sul Expresso. Não posso precisar uma data. Sei que foi durante o ano de 1996)
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