quarta-feira, novembro 25, 2009

Almada, Novembro de 1979


«As crianças não precisam de tempos livres: precisam de uma casa!», ou «Querem brincar com barro? É só levantar o tapete que logo o encontram!» - duas respostas que, há 30 anos, os pais das crianças da zona do Bairro do Matadouro, em Almada, deram a quem queria implementar ali um centro de Actividades de Tempos Livres.


Tais afirmações constam de um interessantíssimo documento, com data de 25 de Novembro de 1979. Nesse - que foi o Ano Internacional da Criança, note-se... - as prioridades eram ainda, em muitas zonas do concelho, o combate à pobreza. Primeiro, à pobreza palpável (uma casa decente, alimentação...). Só depois à pobreza cultural.


Quem, nesse tempo, trabalhava em prol da educação desse pobre povo almadense, merece o máximo respeito e a maior admiração. Trabalharam em condições muito difíceis - e, assim, desbravaram o caminho que as gerações postriores tiveram a felicidade de seguir. (Ainda que hoje exista um retrocesso - aparente, apenas? - nesta e noutras matérias.)


A divulgação que faço deste documento é, então, uma homenagem a esses educadores - e espero que seja entendida apenas como aquilo que é!





«Quando se fez propaganda e o porta-a-porta a explicar a importância dos tempos livres, aos pais das crianças, a resposta que tinhamos - e que não podíamos rebater perante os factos evidentes - era que aos seus filhos fazia-lhes mais falta uma casa do que os tempos livres. Quando para os convencer da importância para o desenvolvimento mental e cultural das crianças lhes falávamos dos trabalhos que os miúdos poderiam fazer, inclusivamente trabalhar com o barro, a resposta que obtinhamos era de que bastaria eles levantarem o tapete para poderem encontrar e amassar o barro. Por outro lado, nós tinhamos consciência plena de que o pouco trabalho que fizemos com o apoio da assistente social que aqui estagiou era de que a felicidade que as crianças mostravam quando trabalhavam connosco, daí a pouco desapareceria quando chegassem a casa. Encontrariam a escuridão do seu bairro, a lama, o lixo e as fossas de todos os dias, a cama molhada pela chuva, e os berros dos pais que não sabiam o que fazer à vida, tudo isto em contraste com as lindas histórias que lhes contácamos e as cores que produziam no papel. Nós sabíamos que as crianças eram crianças quando estavam connosco, mas que depois perante o meio em que viviam se tornavam forçosamente adultas, perante as condições de vida familiares, e nalguns casos a constatação da prostituição descarada das mães.»


(Ver texto completo na caixa de comentários deste blogue)

2 comentários:

Debaixo do Bulcão disse...

1.2 - Justificação dos factores: 1º - Quando se fez propaganda e o porta-a-porta a explicar a importância dos tempos livres, aos pais das crianças, a resposta que tinhamos - e que não podíamos rebater perante os factos evidentes - era que aos seus filhos fazia-lhes mais falta uma casa do que os tempos livres. Quando para os convencer da importância para o desenvolvimento mental e cultural das crianças lhes falávamos dos trabalhos que os miúdos poderiam fazer, inclusivamente trabalhar com o barro, a resposta que obtinhamos era de que bastaria eles levantarem o tapete para poderem encontrar e amassar o barro. Por outro lado, nós tinhamos consciência plena de que o pouco trabalho que fizemos com o apoio da assistente social que aqui estagiou era de que a felicidade que as crianças mostravam quando trabalhavam connosco, daí a pouco desapareceria quando chegassem a casa. Encontrariam a escuridão do seu bairro, a lama, o lixo e as fossas de todos os dias, a cama molhada pela chuva, e os berros dos pais que não sabiam o que fazer à vida, tudo isto em contraste com as lindas histórias que lhes contácamos e as cores que produziam no papel. Nós sabíamos que as crianças eram crianças quando estavam connosco, mas que depois perante o meio em que viviam se tornavam forçosamente adultas, perante as condições de vida familiares, e nalguns casos a constatação da prostituição descarada das mães.
2º - Apesar de a Comissão de Moradores ter duas salas disponíveis todo o dia, existe a dificuldade de trabalhar à vontade com as crianças, dado que no rés-do-chão funciona a Escola Primária. As crianças dos tempos livres não podem cantar, saltar, brincar à vontade. Por outro lado, nestas salas só poderemos trabalhar com 15 ou 20 crianças. O nosso grande problema, para além de estarmos à vontade com as crianças, é o de satisfazer todas as crianças da nossa Zona - mais de 200 - e não só as de idade escolar e que estão mais à mão. Para isso temos de descentralizar os tempos livres, ir às quintas trabalhar com as crianças, fazer visitas de estudo, organizar trabalhos ao ar livre, desde que o tempo o permita.
3º - Além da assistente social que aqui estagiou, o trabalho desenvolvido com as crianças foi feito por duas ou três pessoas, sem a preparação devida. Exiatia boa vontade, mas falta de conhecimentos para manter e desenvolver o trabalho deixado pela estagiária do Instituto Superior de Serviço Social que não pôde continuar a dar-nos assistência. Assim o trabalho tornou-se rotineiro, irregular e acabou por desaparecer. Portanto, nós achamos que estes cursos são muito úteis e devem ter continuidade para formar minimamente o pessoal interessado e dar novas perspectivas de trabalho.
4º - Apesar de contarmos com o apoio da Junta de Freguesia de Almada, que nunca nos negou e até estimulou, deparamos com falta de materiais, que por vezes são caros, para desenvolver trabalho. Além disso para fazermos um trabalho persistente, temops necessidade de pessoal que seja remunerado para que se possa dedicar inteiramente a esse trabalho. Assim temos de conseguir que haja pessoal habilitado e pago para trabalhar com as crianças. Não podemos continuar a estar dependentes dos curtos estágios do I.S.S.S. e da boa vontade de algumas jovens desempregadas. Se existem professores e outros técnicos que são remunerados, achamos que os monitores de tempos livres os devem ser.

Debaixo do Bulcão disse...

não me foi possível meter aqui o texto integral. no entanto, o dito está acessível a partir das imagens anexas (é só clicar em cima).