segunda-feira, janeiro 19, 2009

Um facto é um facto: tenhamos essa percepção!

Respondendo a um desafio (provocação?) que o PréDatado colocou no seu (dele) blogue, venho aqui hoje escrever umas coisitas sobre o mui polémico acordo ortográfico da língua portuguesa.


Antes de mais nada: não escondo que sou favorável a este acordo (e já o referi antes aqui e também aqui). Como instrumento político para unificar documentação oficial, é muito interessante. É, assim mal comparado, uma espécie de "programa simplex" da língua portuguesa. Acho que todos os magalhães já deviam vir apetrechados com um.


Pronto, agora a sério: concordo, sim, com o acordo. Não me vai fazer escrever de maneira diferente (continuarei a redigir facto e fato, por serem palavras diferentes, mas continuarei a escrever também recepção e reacção... embora, no português de Portugal, esteja a usar consoantes desnecessárias).


É preciso ter em conta que, contrariamente ao que dizem os que são contra, este acordo não vem "alterar por decreto a língua portuguesa". É um acordo ortográfico - logo, só altera a ortografia. E - isto é, a meu ver, o mais importante - altera a ortografia para a aproximar da fonética. Ou seja: daqui a uns anos - quando estivermos todos habituados a isto - deixaremos de escrever em Portugal recepção (passaremos a escrever receção - pois é assim mesmo que dizemos a palavra!). Mas vamos continuar a escrever facto e pacto (porque dizemos facto, e não fato; pacto e não pato!). No Brasil, diz-se fato (e, por isso mesmo, é assim que se escreve) e diz-se pacto e diz-se recepção (logo, os brasileiros vão manter o "c" e o "p" nessas palavras.

Simples, não é?

Refiro estes casos porque, entre as muitas dúvidas que se levantaram em Portugal, uma das mais recorrentes (talvez mesmo a mais recorrente) era saber se vamos passar a redigir fato em vez de facto. (Mas isso é assunto que foi tão debatido, desde os anos 80, que tenho alguma dificuldade em admitir que, hoje em dia, quem apresenta essa "dúvida" esteja mesmo a falar a
sério...).

O que me incomoda e preocupa, realmente, é a adulteração da língua portuguesa pela via das abreviaturas usadas hoje, a torto e a direito, nas msg de tlm e na net (e eu tb as uso, tão a ver?). Porque é assim: abreviaturas sempre foram utilizadas, para escrever mais depressa ou para poupar espaço (veja-se o caso de algumas inscrições lapidares da "idade média"). Mas, até
agora, soubemos sempre separar o trigo do joio: discernir o que é a escrita fluente e o que é escrita abreviada.


Ora - e é aqui que a porca torce o rabo - acontece que alguns professores têm andado a descobrir recentemente, nos textos dos seus alunos, essa tal "linguagem de telemóvel" escrita como se fosse a língua portuguesa correcta. Pior: quando lhes perguntam, os alunos mostram desconhecimento da regra - escrevem assim, porque foi assim que "aprenderam" e, portanto, é assim que está correcto (correto, segundo o acordo ortográfico), para eles!

Bem, e se fossem só os alunos...

Olhem para esta "pérola", encontrada numa caixa de comentários, a propósito de um artigo sobre, precisamente, o acordo ortográfico:

axo k u novo acordo ortograficovai ser algo que só vai trazer complicaçõespara com os alunos e para a população em geral!!!protesto!!!

É para rir? Talvez...
Mas não fui eu que inventei. Está aqui (podem ir lá confirmar):

Na dúvida, consultem também este artigo da Wikipédia:
Está muito completo (tanto quanto um artigo da Wikipédia o consegue ser) e, julgo eu, muito esclarecedor. Explica as alterações à grafia nos diversos países lusófonos, em que casos vamos escrever facto, fato, pacto, pato... Enfim: explica essa coisas todas.


A minha única dúvida - e a grande angústia existencial que este acordo me provoca - não fica, contudo, esclarecida nesse artigo. É esta: afinal, escrevemos cágado ou cagado? E se for um cágado cagado? É um cagado cagado? Alguém me esclarece?

4 comentários:

JC disse...

Como comentei no blog do meu pai, volto a comentar aqui.

O que me preocupa neste acordo é o distanciamento da nossa escrita de algumas origens que nos mantêm próximos dos países não lusófonos. E nomeadamente das línguas francesa, inglesa e espanhola (castelhano neste caso) pois são as línguas mais faladas a nível de distribuição geográfica e consequentemente afirmam a sua importância na economia mundial.

Gostava de ver alguém a explicar a um miúdo de 6 anos que fato e fact são a mesma palavras em português e inglês respectivamente. Mas a preocupação que as nossas crianças não percebam que facto lê-se fato parece ser muito mais importante do que a que eu referi acima. Discordo.

E se o meu comment levasse etiquetas seria: "O acordo que nos leva de cavalo para burro num mundo que se está a cagar para a língua portuguesa."

PreDatado disse...

Caro Vitorino,
Eu levantei a lebre, de facto em jeito de provocação como muito bem observou, devido ao silêncio que entretanto paira em Portugal, depois das acesas discussões, exactamente em tempo de se iniciar a sua aplicação prática. Quanto ao Acordo em si, não poderei afirmar que esteja, em rigor, de acordo com o mesmo. Nada tem a ver com qualquer questão política tem, na minha óptica, que a evolução natural da grafia passar a letra de lei faz todo o sentido mas tentativa de aproximação a outros países lusófonos não é, ainda e de novo no meu ponto de vista, conseguida por esta via mas muito mais pela do vocabulário. Mas não terei nenhuma relutãncia em, aos poucos, o ir aplicando. Quanto ao argumento do JC sobre a questão etimológica, ele tem alguma razão, mas não a tem toda. No início do século nós escreviámos sciência e não ciência como actualmente. Os ingleses ainda escrevem science e não me parece que custe muito explicar aos alunos que a palavra tem a mesma origem embora a grafia em Portugal tenha evoluído de maneira diferente.
Um abraço não abreviado :)

Debaixo do Bulcão disse...

Caro JC: antes de mais, obrigado pela visita e pelo comentário. Não tenho nada a dizer quanto à sua opinião: é a sua opinião!

Só quero esclarecer que a minha preocupação não tem a ver com essa questão do facto ou do fato (em Portugal diz-se e escreve-se facto, no Brasil diz-se e escreve-se fato - eu só me referi a isso em particular porque tem sido uma dúvida recorrente...).

A minha maior preocupação é que, com a vulgarização das abreviaturas, as crianças (e os adultos) comecem a confundir as coisas, e passem a escrever faxo em vez de faço e outras koisas axim, mesmo fora das conversações na net ou das mensagens de telemóvel!

E parece que isso já está a acontecer - dizem alguns professores.

Cumprimentos,

António Vitorino

Debaixo do Bulcão disse...

PreDatado: Está a ver o que fez? Levantou a lebre e eu fui atrás dela!

Porque julgo que este debate é realmente interessante. (Mesmo que, eventualmente, não leve a nada: a decisão está tomada, o acordo está em vigor...)

Saudações lusófonas

AV