(Em Setembro de 1996, o criminologista, ex-agente da Polícia Judiciária - e actual presidente de Câmara - Francisco Moita Flores analisava assim a "onda de violência" desse ano e a cobertura que lhe foi prestada pelos "media". Um texto muitissimo actual em 2008 - surpreendentemente, ou talvez não...)
O triste espectáculo da violência
As cadeias de televisão, os jornais, os poderes instituídos, sabem como a gestão das emoções faz crescer audiências, aumenta a tiragem de jornais e é um belíssimo investimento para a angariação de votos. Mostrá-la, discuti-la, não tem como finalidade explicar ou compreender mas seduzir pelo medo, provocar a debilidade e a insegurança que faz pender os favores dos destinatários deste espectáculo mediático para o lado de quem melhor demonstrar o poder de dominar, ainda que de forma aparente, a morte e a violência.
Foi assim que o crime, enquanto espectáculo mediático, ganhou carta de alforria. Os noticiários fornecem-no em doses concentradas e com uma tal unidade que durante 30 minutos desfilam ante os nossos olhos a morte do árbitro em Portugal, seguido do indivíduo que matou crianças na Escócia, para nos aparecer o homem que, na Austrália, assassinou não sei quantos cidadãos e, logo, a quadrilha de pedófilos e homicidas belgas, para se misturar tudo com os ataques ao Iraque, a continuação da morte e devastação na Joguslávia e terminar com cenas do julgamento do bando do multibanco ou as últimas notícias do extripador de Lisboa.
Postas as coisas nestes termos, parece excessivo, mas não o será para quem acompanhar com regularidade os noticiários televisivos. Podem variar os ingredientes, mas o caldo tem sempre o mesmo objectivo - entregar emoções, inquietar, fazer saltar a lágrima, a indignação, o horror e, sobretudo, o medo.
Postas as coisas nestes termos, parece excessivo, mas não o será para quem acompanhar com regularidade os noticiários televisivos. Podem variar os ingredientes, mas o caldo tem sempre o mesmo objectivo - entregar emoções, inquietar, fazer saltar a lágrima, a indignação, o horror e, sobretudo, o medo.
Perdoai-me não alinhar neste coral de histerismo mediático, mas os acontecimentos das últimas semanas são uma manifestação natural da evolução da criminalidade em Portugal.
Será que devemos atribuir à Comunicação Social em geral e às cadeias de televisão em particular a maior ou, pelo menos, significativa parcela de responsabilidade nesta apetência desmedida - diria quase histérica - para a exibição da violência e consequente especulação em torno de fenómenos artificiais? Pensamos que não. Ou melhor, pensamos que a sua parcela de responsabilidade, enquanto emissor, é menor que a nossa, enquanto receptores.
Será que devemos atribuir à Comunicação Social em geral e às cadeias de televisão em particular a maior ou, pelo menos, significativa parcela de responsabilidade nesta apetência desmedida - diria quase histérica - para a exibição da violência e consequente especulação em torno de fenómenos artificiais? Pensamos que não. Ou melhor, pensamos que a sua parcela de responsabilidade, enquanto emissor, é menor que a nossa, enquanto receptores.
(...)
Há uma interacção paradoxal entre poder e Comunicação Social. Entre a exigência da racionalidade e a manipulação da afectividade. O poder, para se afirmar, precisa da mediatização. Tal facto pressupõe a transferência de territórios. O espectáculo substituiu-se à explicação demopédica, a propaganda substituiu a informação.
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Não é possível desejar viver numa sociedade de risco e, a seguir, querer anular a própria ideia de risco. Reforçar corpos de segurança, sejam eles a PSP, a segurança social ou a segurança rodoviária, é apenas tomar a nuvem por Juno, escamotear a essência dos fenómenos perante as realidades nacionais que se desenvolvem em rápida mutação.
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Milhares de polícias não modificam o carácter funcionalista das grandes metrópoles, não poderão combater o individualismo feroz que emerge do aprofundamento das políticas neoliberais, nem reduzirão os pólos de tensão, as manifestações de agressividade, o «stress» que se desenvolve nas grandes concentrações demo-urbanísticas, e que aceleram a morte por enfarte, a morte por acidentes de viação, a morte por acção criminosa.
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Cada vez que recomeça o folhetim da insegurança, os oradores oficiais desconhecem que estão a falar praticamente de duas grandes regiões metropolitanas, para as confundir e identificar com o País.
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Começa a chegar a hora de ir avisando os milhões de sedentos de emoção que, no campo meramente criminal, o futuro que nos espera promete mais altas taxas de criminalidade, maior violência nas acções, crescente intensidade no consumo de psicotrópicos. Já não é nenhuma novidade.
(...)
A retenção do fenómeno só é possível com medidas que invistam no reforço dos laços psico-afectivos, com um forte empenho na formação escolar, na educação cívica, na apreensão dos valores mais profundos da cultura humanista, com a anulação do sentido da ameaça e do risco, no que respeita à situação económica e social das poçulações.
Francisco Moita Flores,
artigo publicado na revista do Expresso,
em 21 de Setembro de 1996
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