quinta-feira, março 22, 2007

André, ou uma fábula para os nossos tempos









andré (que em tempos foi um jovem escritor
mas hoje já não o é) procura
emprego (ou talvez mesmo trabalho)
nestes tempos conturbados & de crise acerrimamente cerrada.
ele (que julga ter ainda "o dom da palavra")
já procurou nos jornais regionais
e a seguir nas rádios regionais
mas os jornais e as rádios regionais só aceitam
(poucos) recém-licenciados de preferência daqueles que pensam
que abu dhabi é uma piada dos desenhos animados que os pais viam
que um falacioso é alguém qua fala fluentemente (está-se mesmo a ver)
e que escrevem
com cê aquilo que o victorino usa
nos (raros) dias em que se enforca com uma gravacta.
é um fato
que vivemos hoje muito mais esfomeados
ó meus caros predatórios concorrentes, diz andré.
por isso (sua triste conclusão) apenas lhe resta
inscrever-se no concurso público da câmara
alimentar-se talvez do lixo municipal
e de vassoura na mão
ser um "escrivão da pena grande"
(como certamente não lhe chamaria alexandre o'neill).



António Vitorino


Cf. o poema "Formas da Violência", de Alexandre O'Neil,
num outro blog:
spectrum.weblog.com.pt/arquivo/2004/11/formas_de_viole.html

2 comentários:

Luis Eme disse...

Texto trágico-cómico, extremamente realista.

Todos querem estagiários, porque além de lhes pagarem pouco, tentam fazer deles o que se faz com a plasticina... os menos maleáveis estão Fod.....s!

Tens razão Vitorino, há sempre uma caneta grande à espera de alguém... mesmo que tenha mais jeito para usar a caneta pequena...

Debaixo do Bulcão disse...

Pois. Nem acrescento mais nada ao teu comentário.
Mas acrescento uma pequena advertência, não vá o "diabo" (este diabo entre aspas, claro) tecê-las:
o poema do O'Neill está comentado no blog Spectrum de uma maneira com a qual eu não tenho necessariamente que me identificar;
mas não deixa de ser uma leitura interessante...


António Vitorino