quarta-feira, dezembro 09, 2009

«O mau gosto, o pirosismo, é uma forma de Fascismo!», dizia o maestro Victorino d'Almeida, em 1987


Em Fevereiro de 1987, António Victorino de Almeida veio a Almada participar numa sessão evocativa do poeta Federico Garcia Lorca. Nessa sessão - promovida pela Câmara e pelo Centro Cultural de Almada, no âmbito da Semana do Livro desse ano - participaram também os escritores Olga Gonçalves e José Carlos Gonzalez, bem como o director da Companhia de Teatro de Almada, Joaquim Benite.

Sobre o evento propriamente dito, escreverei noutra ocasião. Porque o que quero mesmo, agora, é realçar um excerto da intervenção de Victorino de Almeida.

Falava-se sobre a Guerra Civil de Espanha. Sobre atitudes mais ou menos revolucionárias, sobre o papel da Arte na Revolução.

O maestro fez questão de lembrar que, na História da Humanidade, muitas revoluções existiram - a menor quantidade das quais na política.

Nas artes, por exemplo, apareceram grandes "revolucionários". Como Schoenberg - que, embora fosse, politicamente, um conservador, foi revolucionário na música. Schoenberg que, sendo essencialmente um "romântico" (de acordo com Victorino de Almeida), sentiu necessidade de lutar contra o "fácil", o "correcto" e o "bonito" - e ficou conhecido, principalmente, por isso mesmo!

Eu estive nessa sessão, a trabalhar para o Centro Cultural de Almada. Tive essa "sorte". Porque as palavras de Victorino de Almeida vinham reforçar as convicções que eu já tinha sobre o que queria fazer (na escrita, sobretudo): recusar o que é fácil e "bonito" - ou, como se passou a dizer mais tarde (e até hoje), politicamente correcto.

Aqui fica o tal excerto da intervenção do Maestro:

«Falou-se aqui em espírito revolucionário, falou-se aqui numa outra possível guerra, a guerra intelectual. (...) Uma guerra que pusesse, por exemplo, em oposição um teatro de Brecht a um teatro de Lorca. Há fazedores de guerra, que fazem essas guerras, que as criam. Está-se aqui a falar fundamentalmente de um revolucionário. Muitas vezes as pessoas têm dos revolucionários uma ideia tão fora daquilo que é a sua realidade. Há um revolucionário da História da música, o Schoenberg. Foi um revolucionário da música. Pessoalmente era um reaccionário, mas na música era um revolucionário. (...) Eu tenho lá em casa praticamente toda a obra do Schoenberg... Se as pessoas soubessem que 60 ou 70 por cento da obra é de um romantismo total, não tem a ver sequer com esta música. Eu até estou convencido que o Schoenberg na realidade até nem gostava deste estilo de música. Eu gosto mais do que ele! Simplesmente, o Schoenberg teve que lutar, como músico, contra o mau gosto, contra o pirosismo, que é uma forma de fascismo no fundo, também. Portanto era o anquilosar das ideias. Era o abastardar, o prostituir do romantismo. Foi contra isso que ele lutou. E portanto perante essa situação em que as coisas estavam a ser degradadas, aviltadas, pois ele teve que reagir e foi para a guerra. A escola de Viena, a grande revolução da escola de Viena (...).»

Palavras que nunca esqueci, e que me têm servido de referência na minha actividade artística. Ao longo de todos estes anos...

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