quinta-feira, setembro 10, 2009

Imigrantes, criminalidade, regionalização


Afirma o Procurador-Geral da República que não há razão para confundir crimes cometidos por cidadãos estrangeiros com crimes cometidos por imigrantes.


Diz ele, e eu concordo. Parece-me, aliás, uma asserção óbvia: o aumento da criminalidade violenta em Portugal está relacionada com redes de criminosos (de tipos de crimes que não conhecem fronteiras) e não com os cidadãos de outros países que procuram Portugal para trabalhar e, assim, criando riqueza para o país de acolhimento, desenrascarem-se, também eles, melhor do que o conseguiriam fazer "na sua terra" (porque a "sua terra" é depauperada e nós fazemos parte do "mundo ocidental e civilizado" que a depauperou).

Eu sei que isto é complicado de entender para mentalidades mais estanques. Não vou tentar convencer ninguém referindo-me à actual vaga de emigração portuguesa para os países mais ricos da Europa, ou para a potência emergente que é Angola (embora viesse a propósito - mas
fica para outra ocasião). Vou, sim, lembrar as palavras do Procurador, Pinto Monteiro, citadas pelo jornal Público:


"Não é possível estabelecer uma relação directa entre a criminalidade e a imigração. Nada o permite. Não se justificam especiais medidas de segurança relacionadas com a imigração, para além de fazer respeitar rigorosamente as leis em vigor", disse, lembrando ainda que uma das
prioridades da justiça é o combate às redes criminosas de tráfico de pessoas.

Para usar uma expressão popular, isto diz tudo.

Mas é preciso dizer ainda mais alguma coisa.

Antes de mais, "fazer respeitar rigorosamente as leis em vigor" é fundamental (isso e dotar a Justiça de meios que permitam aplicar as leis de forma célere e eficaz; isso e não retirar meios e autoridade às forças policiais, para que estas possam fazer o seu papel, dentro da legalidade e, quando for o caso, devidamente subordinadas ao poder judicial).

Ou, trocando em miudos: as leis que existem até nem são más, mas é necessário aplicá-las de facto. Essa é, de resto, a posição defendida por associações como a Frente Anti-Racista.

No entanto, não estamos - longe disso - perante um problema que se resolva de forma "legalista". É (continua a ser, infelizmente) um problema de mentalidades.

Diz o senhor Procurador-Geral da República que "não é possível estabelecer uma relação directa entre a criminalidade e a imigração". Não obstante, há pouco mais de um ano, alguém com responsabilidades elevadas no aparelho de Estado do distrito de Setúbal afirmava a uma colega minha do Notícias da Zona que essa relação existe. Perguntei à minha colega se quem lhe disse isso tinha apresentado também informação objectiva que fundamentasse a avaliação. A minha colega disse que não, que a tal pessoa tinha dito aquilo sem apresentar qualquer prova.

Essa conversa entre um(a) titular de cargo público e uma jornalista não era para ser publicada. E não foi. Mas trago-a aqui para exemplificar o "sentimento" de insegurança que se tem fomentado contra os estrangeiros que residem em Portugal. Porque não se pode meter tudo no mesmo saco? Pois. Mas também por outra razão.

É que eu desconfio muito, sempre, dos titulares de cargos públicos que, tendo poderes a nível regional, não têm de prestar contas a ninguém da região sobre a qual têm esses poderes. Um deputado da República, um vereador, um deputado municipal, o Presidente da República -
todos eles estão sujeitos à avaliação popular e ao respectivo escrutínio, nas urnas, de tanto em tanto tempo. Sabemos quem são, temo-los sempre debaixo de olho e podemos votar neles ou não.

Há um aparelho de poder, não eleito mas com poderes efectivos, que tem ao seu serviço pessoas que (de acordo com o exemplo a que me refiro) garantem aos jornalistas que a criminalidade está associada aos imigrantes - e, porque ninguém conhece esses titulares de cargos públicos, ninguém se preocupa com a influência que eles têm. Nos jornalistas? Não: numa multiplicidade de aspectos da nossa vida diária.

É por essas e por outras que eu considero - como sempre considerei - que Portugal só tem a ganhar com a criação de regiões administrativas e respectivos parlamentos. Para que quem diz se explique e para que quem faz justifique o que fez - e, no final do mandato, sejam avaliados e
escrutinados pelo voto popular. E, já agora, também pelo voto dos tais imigrantes que, longe de andarem a cometer crimes, saem de casa todos os dias para ir trabalhar (muitas vezes - e ainda hoje - em trabalhos que os portugueses não querem fazer em Portugal) e, dessa forma, criam riqueza para o país de acolhimento e, em última análise, ajudam até os titulares de cargos públicos a terem dinheiro para os almoços.

Até porque, como gostam de dizer os neoliberais, não há almoços grátis.

(Ilustração de José Rodrigues para Guia Anti-Racista, edição SOS-Racismo, Lisboa 1992)

2 comentários:

Toonman disse...

comentei com o josé fernandes, e volto a perguntar aqui.
és capaz de, sem o discurso faccioso do costume, indicar as vantagens e desvantagens da regionalização e explicar claramente porque tendes para um dos lados?

Debaixo do Bulcão disse...

hei-de escrever um artigo sobre isso, mas não agora (nos próximos tempos as prioridades são outras).

posso indicar-te a principal razão para ser a favor da criação de regiões administrativas.

é a transparência. os órgãos regionais já existem, mas não são eleitos. com as regiões, passam a ser eleitos (directamente, ou nomeados por um parlamento regional).

a quem diz que a regionalização iria criar mais "tachos" respondo que os "tachos" já existem. e ninguém os controla - porque os funcionários (muitos deles com altos cargos de poder) são nomeados pela administração central e (das duas uma) ou não há quem os controle, ou há, mas nós não sabemos quem são e quais os resultados desse controlo.

isto é um debate interessante, dá pano para mangas e, como disse acima, merece um artigo (ou mais) e não apenas um comentário.

prometo, então, que voltarei ao assunto.

cumprimentos,

Vitorino