segunda-feira, janeiro 08, 2007

Homenagem aos normais

joaquim (para os amigos o quinzinho)
rapaz de bom porte, de voz grossa
testa baixa e sangue na guelra
é um jovem português normal.
joaquim (o quinzinho) como qualquer jovem português normal
gosta de carros rápidos, gajas descomplicadas e aberturas fáceis.
há dias abriu a abertura fácil de um carro rápido
que (sorte a dele) era de um amigo mas que
(azar o dele) espatifou contra um separador central
mas não faz mal, que o pai paga.
há dias descobriu que a gaja descomplicada
que andava a foder está mesmo grávida
e porque não está cá para aturar putos
quer obrigá-la a fazer um aborto
(um aborto clandestino, que é como se faz em portugal
ou numa clínica em badajoz, que fica já em espanha,
tanto faz)
mas não faz mal, que o pai paga.

ontem mesmo foi apanhado
dentro de uma casa de abertura fácil
onde entrou com o justificado fim de arranjar dinheiro
para a droga que todos os dias tem de enfiar na veia,
o toxicodependente doentinho
coitadinho.
agora não lhe vão dar uma "sala de chuto"
que isso não existe em portugal
(quem quiser que chute na rua que é bem mais seguro e higiénico
não é?)
mas vão obrigá-lo a fazer uma cura,
coitadinho.
mas não faz mal, que o pai paga.

e é este jovem português normal que passa por mim na rua
e me diz: tu não vales um caralho.
pois não.
eu não sou jovem. nem português. nem normal.
um jovem português normal, esse sim, vale um caralho.

António Vitorino
(Julho 2003)

(ps, de 2007: mas isso não justifica a hipocrisia
e a leviandade
com que em portugal se tratam assuntos sérios
como o aborto
ou a toxicodependência;
hipocrisia e leviandade que só contribuem
para aumentar o número de "jovens portugueses normais"
como o quinzinho)

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