sábado, maio 10, 2008

Idyllio


Do sol aos férvidos beijos
Vão lourejando os trigaes,
E brotam vagos desejos
Nos corações virginaes.


Cantando alegres cantigas
Levam noites a dançar,
Rapazes e raparigas
Á branca luz do luar.


Quantas promessas ardentes
Lá vão trocando em segredo
Os namorados frementes,
Por entre o basto arvoredo!

Sobre os campos vicejantes
Voam perfumes suaves,
Que embriagam os amantes
E que entontecem as aves.


Mas de dentro de alguns ninhos
Sae um triste pipilar:
São os pobres passarinhos
Que inda não sabem voar.

Ó mulher, que és doce e boa,
Acreditas n’este horror:
Uma aza que não voa,
Um coração sem amor?


Zélio


(Jornal do Domingo, 27 de Março de 1887.
Poema reproduzido conforme a ortografia portuguesa da época.)

1 comentário:

Debaixo do Bulcão disse...

A propósito, e como quem não quer a coisa:

Recebi, por e-mail, a famosa "petição contra o acordo ortográfico", em cujo texto de apresentação aparecem pérolas do seguinte teor:

«PETIÇÃO CONTRA O NOVO ACORDO ORTOGRTAFICO PORTUGUES

(BRASILEIROS QUEREM DOMINAR A LINGUA DE CAMÕES)

Eu não sou uma chave-de-bôcas 12/13! Recuso-me a ser

Standertizado

DIGAM NÃO a este Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa! Húmido sem 'h'? Facto sem 'c'? Afinal onde fica a etimologia das palavras? A lingua tão bem tratada por Camões nasceu em Portugal ou no
Brasil? Vamos-nos deixar levar 'evolução' daqueles que falam o 'português do Brasil' ? Pois eu continuarei, orgulhosamente a escrever Humidade, Húmido, faCto, aCto, aCção!!!»

...


Sem me alongar em comentários (porque a tanta parvoíce ou se responde de maneira detalhada ou não se responde de todo), faço, no entanto, a pergunta que se impõe: o que é afinal, a "língua de Camões"? O português do século 16?

Então este poema, do século 19, é o quê?

(E é claro que mandei a petição de regresso à procedência, sem a assinar...)

António Vitorino