segunda-feira, agosto 25, 2008

Incêndio do Chiado em 1988? Lembro-me, sim: também lá estive!


Na manhã de dia 25 de Agosto de 1988, ligo o televisor, vejo imagens de fumarada espessa a sair de uns sótãos de edifícios a arder e digo com os meus botões «olha, está qualquer coisa a arder em qualquer parte... interessante».

E vou tomar banho (que é uma das primeiras coisas que eu faço de manhã...).

Pouco mais tarde, mal saio da banheira, recebo um telefonema do meu amigo Rui Jorge Martins, a informar-me - hiperbolicamente - que «Lisboa está a arder». Eu, ainda algo incrédulo, vou à janela e confirmo: ao longe, do outro lado do rio, vê-se uma enorme nuvem de fumo erguendo-se de uma das colinas da capital do império. Lisboa estava a arder!

Depois desse primeiro contacto visual com "O Grande Incêndio do Chiado", volto à conversa telefónica com o RJ (Martins) para combinar uma ida ao local, em reportagem para o Jotacêpê... (*)

Convocámos, também, o nosso dilecto amigo Jorge Figueira - que, tal como eu e o RJ, fazia fotografia - e vai de apanhar o barco para Lisboa, munidos de 3 máquinas fotográficas - uma com rolo de negativos, outra com slides e a terceira sem rolo nenhum (revelo agora esta "malandrice" em primeira mão, 20 anos depois, e sem me lembrar já qual de nós levava a máquina sem rolo).

Acercamo-nos o mais possível da zona ardida (que ainda estava a arder, mas já pouco) e tentamos entrar no respectivo perímetro. Ficámo-nos pela "parte de baixo" - a Baixa Pombalina - sem acesso possível às ruas mais afectadas (a do Carmo e a Nova do Almada). Era ver então os senhores AV, RJ e JF, de máquinas fotográficas em riste (uma delas sem rolo) fotografando (um deles fingindo que fotografava) a azáfama de carros de bombeiros a passar para cá e para lá, a multidão de "mirones" preocupados (que a polícia tentava manter a uma distância segura) e um helicóptero (suponho que da TV) que sobrevoava a zona e que era difícil comó caraças de fotografar!

Tudo muito giro, mas de fogo não se via (não víamos, nós) nada.

Tentamos, então, usar os nossos cartões de Comunicação Social... Ou seja, os cartões que nos identificavam como elementos da redacção de um órgão de imprensa (o que era verdade) e não como jornalistas (pois não nos considerávamos como tal).


As primeiras tentativas saíram goradas (os bombeiros não deixavam aproximar ninguém). Mas às tantas, depois de fotografarmos um senhor polícia postado à entrada da Rua do Crucifixo, conseguimos mesmo. O polícia até fez uma pose para a fotografia (mas não é este que aparece aqui ao lado: estas são fotos recolhidas do site da Câmara Municipal de Lisboa) e talvez por isso mesmo (por querer aparecer "no jornal"), lá nos deixou passar.


E pronto: apesar de, a essa hora (pouco depois da hora de almoço...) o pior já ter passado (já não havia lavaredas), os bombeiros ainda deitavam grandes mangueiradas para dentro dos edifícios, havia ainda muito fumo, mas havia também já quem, extenuado, se sentasse junto aos escombros e aproveitasse para comer alguma coisa, depois de tantas horas de combate ao incêndio.

Tudo isso ficou registado. E, no final desse dia 25 de Agosto de 1988, eu, o RJ e o JF regressámos a Almada com material para uma grande reportagem fotográfica - que seria publicada na edição seguinte do Jotacêpê.



(*) Ah, pois: o Jotacêpê era uma publicação da comissão concelhia de Almada da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), um produto híbrido, a meio caminho entre um fanzine em formato A4 e um boletim informativo e/ou propagandístico - e, se quisermos considerar jornalismo o que ali se fazia (pois teve, por exemplo, uma entrevista com o então embaixador de Cuba em Lisboa, ou reportagens como a que fomos fazer nessa tarde de 25 de Agosto de 1988) então a minha primeira experiência jornalística terá sido aí, em finais dos anos 80 e não - contrariamente ao que afirmei noutro artigo - no Almada Press em 1990. Não vos apresento aqui nenhuma página dessa publicação porque já não a tenho: quase todo o meu património anterior a 1998 foi destruido e extraviado por acção de alguns familiares... mas enfim, essa história não é para aqui chamada, neste momento (fica para depois...). No entanto, se - por qualquer espécie de milagre... - alguém ainda tiver consigo exemplar(es) do Jotacêpê e quiser ser simpático e prestável com este pobre jornalista desvalido, pode(m) contactar comigo através do email que está escrito a vermelho no fundo da barra lateral deste blogue. Gostaria muito de ter cópias (fotocopiadas ou digitalizadas) dessa publicação. Desde já, obrigadinho!

4 comentários:

Pata Negra disse...

Às vezes, pela conversa das pessoas, até parece que foi mais trágico arder uma rua em Lisboa, do que aldeias e vales, matas e pinhais, serras e serranias, um país queimado muito para lá do que o periscópio da televisão mostrou.
Populações e populações, crianças, idosos, traumatizados pela visão do inferno que de vez enquando lhes mostra o deserto do futuro. Ao menos que o fumo chegasse à capital para não se preocuparem tanto com o tabaco!
Um abraço da paisagem

Abrenúncio disse...

Eu não estive lá, mas nesse dia estava a trabalhar num ponto de Lisboa em que se podia à distância ver perfeitamente o acontecimento e recordo-me da enorme fumaça que se erguia sobre a cidade e chamava a atenção.
Esperemos que não venha a acontecer outra tragédia do género, ainda mais que hoje em dia começa a ser moda utilizar-se este expediente (incêndio) para atingir fins menos (ou mais...) claros.
Saudações do Marreta.

Debaixo do Bulcão disse...

Pata Negra:

Concordo plenamente.

E aproveito para lembrar que, antes do incêndio, os edifícios do Chiado - esse magnífico património arquitectónico - estavam sempre cobertos de alto a baixo por painéis publicitários (e podres por baixo desses painéis), e ninguém parecia preocupar-se com isso.

Já agora: que dizer da grande apreensão que se apoderou dos lisboetas quendo - há um par de anos - a capital acordou para os incêndios do país, mas só quando ficou coberta pelo fumo e as cinzas dos ditos (que ardiam nos "arredores")?

e, Marreta,

Realmente começa a ser muito preocupante esse "expediente (incêndio) para atingir fins menos (ou mais...) claros".

Não sei é se, no caso do Chiado foi isso que aconteceu, ou se foi só incúria e desleixo. O que, só por si, também seria muito grave, não é?


Cumprimentos aos dois

A.V.

Luís Milheiro disse...

eu estava no Minho, no Gerês, quando ainda se podia fazer campismo selvagem, Vitorino...

lembro-me de descermos à "civilização", a Braga, para vermos as imagens do incêndio à hora de almoço, depois de ouvirmos os relatos na rádio.

(luis eme)