quarta-feira, fevereiro 07, 2007

O argumento que ninguém tinha ousado (ainda) usar

Como este blog é supostamente sobre literatura, vou aqui citar (de memória, mas com bastante certeza) o que disse esta tarde na SIC Notícias a escritora Alice Vieira.
E o que ela disse foi isto:

«Às dez semanas bate um coração, é verdade. Tal como bate um coração nas pessoas que estão em estado terminal, ligadas a uma máquina».

Eu assino por baixo.
E aplaudo a coragem que Alice Vieira teve para revelar um facto que, embora seja irrefutável (em termos objectivos, científicos), ainda não tinha sido utilizado no debate em curso. E não o terá sido, penso eu, para não chocar.
No entanto, é verdade que às 10 semanas de gestação, o feto não tem o sistema nervoso central (e , por consequência, o cérebro) formado.
E quais são os critérios da ciência para avaliar se uma pessoa está viva ou morta?
Exactamente: ter actividade cerebral mensurável.
(Ver a este respeito o parecer 10/CNCV/95 do Conselho Nacional de Ética Para as Ciências da Vida, que defende: "o critério de morte definido pela irreversibilidade das funções do tronco cerebral deve ser o adoptado". Parecer que, de resto, vem de uma entidade que, em Janeiro 1997 se pronunciou contra a despenalização do aborto. Insuspeita, portanto... - embora eu não entenda muito bem o que me dá ideia de ser uma dualidade de critérios. Mas leiam também esse parecer...)
Claro que muita gente terá outras razões, morais ou religiosas, para refutar este critério de avaliação do que é afinal a vida humana.
Mas a esses será bom lembrar que o que está em causa neste referendo é de ordem jurídica: despenalização, não liberalização.
Despenalizar significa dar liberdade de escolha.
Ou seja: liberdade para decidir em consciência.
E decidir em consciência significa decidir de acordo com as convicções morais, políticas, religiosas ou outras. Sejam elas "a favor" ou "contra" a pergunta que vai ser referendada.
E a pergunta é:
«Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»
"Só" isso.

António Vitorino

(Para esclarecer dúvidas, vejam também esta página:
30 perguntas, 30 respostas, em
www.pcp.pt/actpol/temas/ivg/30perg.html
)

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