sábado, maio 19, 2012

No tempo em que os jornalistas eram pagos para fazer perguntas (e publicar as respostas)

Abril de 2000, em Portalegre, concelho então sob hegemonia do PS, com poderes que dificultavam ao máximo todas as tentativas de fazer jornalismo independente... Mesmo assim, o semanário onde eu trabalhava (Jornal D'Hoje, dirigido por Rui Vasco Neto) lá ia mandado umas pedradas ao pântano.

Numa edição demos voz ao descontentamento do gestor de um programa governamental para o Norte Alentejano (Domingos e Sousa, também ele militante do PS, que geria o AVNA - Acção de Valorização do Norte Alentejano), o qual acusava o governador civil, Galinha Barreto, de o ter afastado do cargo de forma descricionária. O ex-gestor afirmava que as suas queixas não eram contra o governador enquanto tal mas sim contra a pessoa que, alegadamente, o afastara («não ponho em causa o governador civil mas sim as acções do individuo», afirmava em entrevista publicada na edição anterior do jornal)...

Assim, embora a "queixa" fosse de cariz pessoal entre dois militantes do partido no poder, ambos com responsabilidades governativas descentralizadas, acontecia no âmbito de um processo político e institucional que mexia com uma entidade pública.

Logo, o assunto não se encontrava no círculo restrito das relações pessoais ou dos jogos de poder internos deste ou daquele partido: estava no domínio da política - palavra que, como se sabe (ou devia saber) significa a gestão da "polis", ou seja, da cidade (em sentido lato: da vida comunitária, daquilo que nos é comum enquanto indivíduos que vivem e se relacionam em sociedade).

Portanto, face a essas acusações, fizemos o que nos competia enquanto jornalistas: tentámos ouvir o acusado. Fazer "o contraditório", como está na moda dizer-se. Lá consegui o contacto telefónico com o governador (o que, naquele ambiente de hegemonia "socialista" não foi nada fácil). O político decidiu que não tinha nenhum comentário a fazer sobre esse assunto - assunto político e já conhecido do público. Tinha todo o direito de não comentar, obviamente.

E nós tinhamos todo o dever de perguntar e, perante a recusa, de informar que, confrontado com a acusação de que foi alvo, o visado prefere não comentar. Porque uma atitude dessas é já uma atitude política. E é informação - ou seja, aquilo que os jornalistas eram pagos para produzir.

Antigamente, claro...

E mesmo assim, nem todos: havia já os que se preocupavam mais em criar factos políticos. Por exemplo, não publicando o "não comento" e preferindo depois armarem-se em queixinhas, dizendo que foram censurados. É o caminho mais fácil e também o mais populista.

Nós não precisávamos disso para enfrentar os poderes, quando tal fosse necessário. E muitas vezes os enfrentámos. Tanto que o jornal não durou muito tempo. Mas, enquanto durou, fez o que tinha a fazer e não o que outros queriam e desejavam que fizesse.

Em democracia é esse o papel da comunicação social: informar, sem contrangimentos (a não ser os impostos pelas regras deontológicas e legais que, supostamente, regulam o exercício da profissão), mesmo que para tal tenha que lutar contra os obstáculos que lhe são colocados pelos diversos poderes.

Armar-se em "quarto poder", em "contrapoder", em "poder alternativo", pensar que é dono da verdade, ou tomar a atitude contrária e ser megafone dos poderes é que não, obrigado.

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