(O que se segue são excertos de um texto de 1887, aqui reproduzido com ortografia actualizada. Eu sei que é óbvio. Eu sei que está desactualizado. Mas, com esta explicação prévia, ninguém poderá, de boa-fé, dizer que ando para aqui a insinuar coisas. Porque não ando. Publico só pela curiosidade histórica. Claro que a História nos pode dar lições sobre muitas cousas... Mas isso é outra conversa.)
«À medida que vão subindo na gama revolucionária os arrojos da Convenção, mais se vão exacerbando os ódios implacáveis do intendente e a impaciência repressiva contra os seus apologistas e prosélitos.
Ele mesmo se gloria de ter permanecido continuamente na estacada, como se fora um antigo e denodado paladino, prestes a receber na ponta da sua lança e a prostrar vencidos em terreiro os que ousem turbar a beatífica paz do absolutismo.
As que ele apelida ideias do século, e que são no seu conceito nefandas heresias sociais, sempre acharam nele, segundo a sua própria confissão, o mais duro e implacável perseguidor.
A sua glória política cifra-se principalmente em haver combatido sem quartel as secretas associações, que então eram para as crenças condenadas o mais profícuo meio de pautada, mas segura confissão.
Como se estivera na China ou no Japão nas épocas de mais cerrada intolerância contra gentes peregrinas, o seu empenho capital é circundar o território português com uma espessa tranqueira policial para que nem os homens, nem a luz emanada de terras estrangeiras, possam vir a inquinar ou esclarecer a beata escuridão de Portugal.
Os franceses vulgares, os mercadores, os obreiros, os que no reino acobertam com os seus misteres honestos e prestadios na aparência as subversivas intenções, inquietam o intendente e o obrigam à frequente severidade. São, porém, os homens de culta e elevada inteligência os que mais o trazem apreensivo e temeroso, como quem de parceria com irrequietos portugueses podem pôr o estado a perigo iminente de ruína.
(...)
Bem podia o vigilante zelador da ordem pública afrontar-se com os jacobinos vulgares e iletrados. Alguns espias, quatro membrudos aguazis, a cadeia, o segredo, a deportação para climas bem insalubres, dar-lhe-iam armas eficazes para coibir as populares exalações. Mas a surda agitação promovida pelos homens de mais culta e privilegiada inteligência turbava-lhe com amargos pesadelos o sono policial.»
Latino Coelho
Este texto, que encontrei numa colecção de um semanário do Século XIX - o Jornal do Domingo (publicação que me foi oferecida há cerca de 20 anos e que reencontrei agora...; mas isso é uma história que hei-de contar mais tarde..) - tem a assinatura de Latino Coelho (suponho que se trata do famoso militar, político, jornalista e escritor...) e refere-se, obviamente (aqui sem nenhuma dúvida) ao intendente Pina Manique, figura que, mesmo nos nossos dias, continua a ser polémica.
Pina Manique, o hoje célebre Intendente, ainda não era uma figura histórica. Aliás, estava bem vivo: tinha, por esta altura, 54 anos . Com essa idade, já tinha obra feita. E que obra! Sabem vocês que (só para dar um exemplo) foi ele o fundador da Casa Pia de Lisboa?
Para mais informação sobre essa figura histórica, aconselho a seguinte biografia:
www.arqnet.pt/dicionario/pinamanique.html
Ah, outra coisa: o director deste “Jornal do Domingo” chamava-se Pinheiro Chagas. Também não tenho a certeza se era "o" Pinheiro Chagas referido aqui:
pt.wikipedia.org/wiki/Pinheiro_Chagas
Ele mesmo se gloria de ter permanecido continuamente na estacada, como se fora um antigo e denodado paladino, prestes a receber na ponta da sua lança e a prostrar vencidos em terreiro os que ousem turbar a beatífica paz do absolutismo.
As que ele apelida ideias do século, e que são no seu conceito nefandas heresias sociais, sempre acharam nele, segundo a sua própria confissão, o mais duro e implacável perseguidor.
A sua glória política cifra-se principalmente em haver combatido sem quartel as secretas associações, que então eram para as crenças condenadas o mais profícuo meio de pautada, mas segura confissão.
Como se estivera na China ou no Japão nas épocas de mais cerrada intolerância contra gentes peregrinas, o seu empenho capital é circundar o território português com uma espessa tranqueira policial para que nem os homens, nem a luz emanada de terras estrangeiras, possam vir a inquinar ou esclarecer a beata escuridão de Portugal.
Os franceses vulgares, os mercadores, os obreiros, os que no reino acobertam com os seus misteres honestos e prestadios na aparência as subversivas intenções, inquietam o intendente e o obrigam à frequente severidade. São, porém, os homens de culta e elevada inteligência os que mais o trazem apreensivo e temeroso, como quem de parceria com irrequietos portugueses podem pôr o estado a perigo iminente de ruína.
(...)
Bem podia o vigilante zelador da ordem pública afrontar-se com os jacobinos vulgares e iletrados. Alguns espias, quatro membrudos aguazis, a cadeia, o segredo, a deportação para climas bem insalubres, dar-lhe-iam armas eficazes para coibir as populares exalações. Mas a surda agitação promovida pelos homens de mais culta e privilegiada inteligência turbava-lhe com amargos pesadelos o sono policial.»
Latino Coelho
Este texto, que encontrei numa colecção de um semanário do Século XIX - o Jornal do Domingo (publicação que me foi oferecida há cerca de 20 anos e que reencontrei agora...; mas isso é uma história que hei-de contar mais tarde..) - tem a assinatura de Latino Coelho (suponho que se trata do famoso militar, político, jornalista e escritor...) e refere-se, obviamente (aqui sem nenhuma dúvida) ao intendente Pina Manique, figura que, mesmo nos nossos dias, continua a ser polémica.
Pina Manique, o hoje célebre Intendente, ainda não era uma figura histórica. Aliás, estava bem vivo: tinha, por esta altura, 54 anos . Com essa idade, já tinha obra feita. E que obra! Sabem vocês que (só para dar um exemplo) foi ele o fundador da Casa Pia de Lisboa?
Para mais informação sobre essa figura histórica, aconselho a seguinte biografia:
www.arqnet.pt/dicionario/pinamanique.html
Ah, outra coisa: o director deste “Jornal do Domingo” chamava-se Pinheiro Chagas. Também não tenho a certeza se era "o" Pinheiro Chagas referido aqui:
pt.wikipedia.org/wiki/Pinheiro_Chagas
Alguém me esclarece?
4 comentários:
Foi fundador da Casa Pia e tem um estádio com o nome dele, também pertencente à Casa Pia: o Estádio de Pina-Manique.
Infelizmente não te posso ajudar, mas parece que esse "Pila" Manique deixou uma aurea que ainda hoje prevalece...
Saudações.
Caro Vitorino,
esse intendente que falas não podia ser o Pina Manique, pois este viveu grande parte da sua vida no século XVIII, tendo esse cargo no reinado de D. Maria I...
O Latino Coelho foi um dos fundadores do Partido Repúblicano e era um grande amigo do cacilhense Elias Garcia (tem uma rua na Almada velha).
Epá, ó Luis: tens toda a razão!
Cometi um erro de palmatória (indesculpável, diria mesmo)!!!
É que não me dei ao trabalho de ler com atenção o "link" que eu próprio coloquei para uma página com a briografia do Pina Manique. Dessa forma, dei um "saltinho" do século 18 para o 19 (coisa pouca, não?...). Assim se explica aquela afirmação extraordinária: Pina Manique estava "bem vivo" quando Latino Coelho escreveu este artigo.
Pronto, confesso: meti a pata na poça, o pé na argola, e essas coisas todas!
Mas insisto: alguém me pode dar mais informação sobre este "Jornal do Domingo"?
(Agradeço, até para me ajudarem a evitar mais erros deste quilate...)
Por outro lado, como se costuma dizer, quem nunca errou atire a primeira pedra e...
ai, porra! quem foi o engraçadinho?
António Vitorino
Sabes que o século XIX foi extremamente fecundo em jornais, pelo que te aconselho a procurares noticias do "Jornal de Domingo" na "Hemeroteca", ou na "Biblioteca Nacional".
O que aconteceu é comum. Muitas vezes somos induzidos em erro, porque o nosso subconsciente associa quase de imediato a palavra intendente a Pina Manique.
O que devia acontecer, tanto no século XVIII como XIX é que estes intendentes tinham muito poder, e um poder quase ditactorial, daí serem todos muito "amados"...
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