Do tempo em que a rádio era uma coisa fascinante, guardo esta catrefada de cassetes, e algumas recordações – umas mais agradáveis, outras menos... como tudo na vida, não é?
Lembro-me, por exemplo, da Rádio Baía, onde estive entre Novembro de 1992 e Julho de 1993.
Já aqui me tenho referido à minha experiência como jornalista. Mas, para ser justo (e rigoroso, como se pede a um jornalista), devo afirmar que a minha primeira experiência profissional nesta área, tive-a no Departamento de Informação da Rádio Baía.
Em Novembro de 1992, estava eu já decidido a tentar a carreira jornalística, mas só lá para um futuro ainda incerto. O que queria mesmo era fazer um programa de rádio. É nessa altura que a Rádio Baía coloca no ar um spot em que se dizia qualquer coisa do tipo “Gostavas de fazer rádio? A Rádio Baía está à procura de locutores. Vem ter connosco!” (era mais ou menos isto, parece-me...).
Ora, eu gostava de fazer rádio (e queria ser locutor), portanto enviei-lhes o meu curriculum (que ainda era pequenino, naquele tempo), fui chamado para testes e fiquei a saber que eles precisavam mesmo era de gente para o Departamento de Informação.
Meio desiludido (porque queria muito fazer um programa) lá agarrei a oportunidade.
Fiquei a fazer o turno da manhã... entre as sete e as 16 horas.
Naquela rádio, só havia dois turnos: um entre as sete da manhã e as quatro da tarde; o outro, entre as quatro da tarde e a uma... da manhã (como se costuma dizer).
Foi, para mim, um desafio muito interessante começar logo com esse turno. É que (e atenção, que vou dizer isto sem qualquer ironia), era estimulante começar o dia acordando às 5 da madrugada, apanhar um autocarro no Bairro Amarelo uma hora mais tarde, e depois ir beber um café a Cacilhas, antes das 6 e meia, hora a que apanhava o autocarro que me ia deixar praticamente à porta da rádio (se não era iso, era às seis e vinte, mais coisa menos coisa).
E era estimulante porque – como aprendi então – em rádio aquela frase feita “é de manhã que começa o dia” é duplamente verdadeira. De manhã é que as notícias começavam a aparecer (quando passei a fazer turnos à tarde, parecia que estava a trabalhar com informação “requentada”). E, depois, havia ainda a informação de trânsito (que fazia entrando em diálogo com o locutor de serviço na programação da manhã: um jovem então muito promissor, chamado Marco Ribeiro), que proporcionava uma dose extra de adrenalina.
Claro que não me posso esquecer de referir três jornalistas que conheci naquele tempo. Dois deles (elas, aliás) a começar a carreira; outro, pelo contrário, já muito rodado.
O “maduro” era, devo dizer-vos, um autêntico “cromo”. De seu nome José Manuel Alves, trabalhava para várias rádios (às vezes até se enganava no final dos RMs a designar a rádio para a qual tinha feito a gravação), estava “em todas” (era um verdadeiro “free-lancer”), e foi também o primeiro jornalista que eu vi funcionar “a álcool” (o primeiro de muitos que conheci mais tarde – e posso incluir-me também nessa lista, vá lá...). Mas era, como se diz agora “um senhor”! (Além de repórter, fazia também um programa de entrevistas, nas manhãs de sábado da Baía).
Depois, apareceu por lá também a competente Susana André (a jornalista da SIC, de quem já vos falei). Mas a primeira jornalista que conheci (com quem trabalhei nos noticiários das manhãs), chamava-se então Carla Ribeiro (hoje parece-me que tem um Alves no meio do nome e trabalha na Revista Visão). Estava também a começar a sua carreira profissional e, tal como a Susana André, destacava-se já pela sua competência e seriedade, num tempo em que o jornalismo começava a estar “na moda”, e muitos jovenzitos iam para os cursos de comunicação social convencidos que sairiam de lá “vedetas da TV”. Alguns (e algumas) que eu vi passar por essa rádio (e por outros órgãos de comunicação social, mais tarde) eram dessa “fornada”. Mas não estas duas.
Bem, eu estive na Rádio Baía “apenas” nove meses. Mas nove meses são tempo suficiente para coleccionar estórias interessantes (e conhecer pessoas interessantes). Eu até tenho vontade – muita - de vos contar algumas dessas estórias (e de vos falar acerca dessas pessoas), mas deixo isso para outra ocasião.
Saí ingloriamente (como saio quase sempre, de quase tudo), depois de me cansar um bocado de ser sempre atirado do turno da tarde para o turno da manhã, e do turno da manhã para o turno da tarde (sair da Arrentela à uma da manhã para me levantar no dia seguinte às cinco não era lá muito agradável). Está bem, não foi só isso: tive também problemas “de coração” (neste caso, em sentido figurado, tipo coraçãozinho cor-de-rosa, estão a ver) e – já nessa altura – começava a ter um certo elemento da minha família a fazer desaparecer o meu salário.
Falaremos disso um destes dias.
A terminar, digo-vos (para o caso de não saberem) que a Rádio Baía é das poucas emissoras regionais que se mantém em actividade desde a década de 80 do século passado. Quando lá trabalhei, tinha os estúdios instalados no espaço de um vulgaríssimo apartamento, na rua João Martins Bandeira, na Quinta da Boa-Hora, por cima da zona ribeirinha da Arrentela, a caminho do Seixal. E, bem... tinha os estúdios, a redacção (uma secretária ao fundo do corredor, junto à janela, com uma máquina de escrever e um painel de cortiça para afixar mensagens e outros papéis), tinha uma sala em cuja porta se lia “não entrar: perigo de radiação”... enfim, tinha isso tudo, no exíguo espaço de um apartamento.
Ah, ainda não vos disse como é que faziamos informação de qualidade já profissional, ali onde não tínhamos telex, nem fax, nem tão pouco estas modernices da internet, pois não?
Voltem, então a olhar para aquela catrefada de cassetes no topo desta posta. Conseguem ler numa das etiquetas “notícias CMR”? Ora bem: CMR era a sigla do Correio da Manhã Rádio. É que nós gravávamos as notícias de outras rádios (cada jornalista tinha as suas preferências - as minhas eram o CMR e a TSF) e trabalhávamos a partir daí.
(Na Voz de Almada, onde estive a seguir, era a mesma coisa, diga-se... Aliás, isso era a regra, e não só em rádios locais, segundo me informaram).
E os noticiários da madrugada (a Rádio Baía orgulhava-se de ter informação 24 horas por dia), que eram previamente gravados, a partir das “sobras” do dia anterior, e evitando sempre notícias de actualidade, que pudessem sofrer actualizações entre a uma e as sete da manhã?...
Estão a ver, então, a quantidade de estórias que ficam para contar numa próxima oportunidade?