Na manhã de dia 25 de Agosto de 1988, ligo o televisor, vejo imagens de fumarada espessa a sair de uns sótãos de edifícios a arder e digo com os meus botões «olha, está qualquer coisa a arder em qualquer parte... interessante».
E vou tomar banho (que é uma das primeiras coisas que eu faço de manhã...).
Pouco mais tarde, mal saio da banheira, recebo um telefonema do meu amigo Rui Jorge Martins, a informar-me - hiperbolicamente - que «Lisboa está a arder». Eu, ainda algo incrédulo, vou à janela e confirmo: ao longe, do outro lado do rio, vê-se uma enorme nuvem de fumo erguendo-se de uma das colinas da capital do império. Lisboa estava a arder!
Depois desse primeiro contacto visual com "O Grande Incêndio do Chiado", volto à conversa telefónica com o RJ (Martins) para combinar uma ida ao local, em reportagem para o Jotacêpê... (*)
Convocámos, também, o nosso dilecto amigo Jorge Figueira - que, tal como eu e o RJ, fazia fotografia - e vai de apanhar o barco para Lisboa, munidos de 3 máquinas fotográficas - uma com rolo de negativos, outra com slides e a terceira sem rolo nenhum (revelo agora esta "malandrice" em primeira mão, 20 anos depois, e sem me lembrar já qual de nós levava a máquina sem rolo).
Acercamo-nos o mais possível da zona ardida (que ainda estava a arder, mas já pouco) e tentamos entrar no respectivo perímetro. Ficámo-nos pela "parte de baixo" - a Baixa Pombalina - sem acesso possível às ruas mais afectadas (a do Carmo e a Nova do Almada). Era ver então os senhores AV, RJ e JF, de máquinas fotográficas em riste (uma delas sem rolo) fotografando (um deles fingindo que fotografava) a azáfama de carros de bombeiros a passar para cá e para lá, a multidão de "mirones" preocupados (que a polícia tentava manter a uma distância segura) e um helicóptero (suponho que da TV) que sobrevoava a zona e que era difícil comó caraças de fotografar!
Tudo muito giro, mas de fogo não se via (não víamos, nós) nada.
Tentamos, então, usar os nossos cartões de Comunicação Social... Ou seja, os cartões que nos identificavam como elementos da redacção de um órgão de imprensa (o que era verdade) e não como jornalistas (pois não nos considerávamos como tal).
As primeiras tentativas saíram goradas (os bombeiros não deixavam aproximar ninguém). Mas às tantas, depois de fotografarmos um senhor polícia postado à entrada da Rua do Crucifixo, conseguimos mesmo. O polícia até fez uma pose para a fotografia (mas não é este que aparece aqui ao lado: estas são fotos recolhidas do site da Câmara Municipal de Lisboa) e talvez por isso mesmo (por querer aparecer "no jornal"), lá nos deixou passar.
E pronto: apesar de, a essa hora (pouco depois da hora de almoço...) o pior já ter passado (já não havia lavaredas), os bombeiros ainda deitavam grandes mangueiradas para dentro dos edifícios, havia ainda muito fumo, mas havia também já quem, extenuado, se sentasse junto aos escombros e aproveitasse para comer alguma coisa, depois de tantas horas de combate ao incêndio.
Tudo isso ficou registado. E, no final desse dia 25 de Agosto de 1988, eu, o RJ e o JF regressámos a Almada com material para uma grande reportagem fotográfica - que seria publicada na edição seguinte do Jotacêpê.
(*) Ah, pois: o Jotacêpê era uma publicação da comissão concelhia de Almada da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), um produto híbrido, a meio caminho entre um fanzine em formato A4 e um boletim informativo e/ou propagandístico - e, se quisermos considerar jornalismo o que ali se fazia (pois teve, por exemplo, uma entrevista com o então embaixador de Cuba em Lisboa, ou reportagens como a que fomos fazer nessa tarde de 25 de Agosto de 1988) então a minha primeira experiência jornalística terá sido aí, em finais dos anos 80 e não - contrariamente ao que afirmei noutro artigo - no Almada Press em 1990. Não vos apresento aqui nenhuma página dessa publicação porque já não a tenho: quase todo o meu património anterior a 1998 foi destruido e extraviado por acção de alguns familiares... mas enfim, essa história não é para aqui chamada, neste momento (fica para depois...). No entanto, se - por qualquer espécie de milagre... - alguém ainda tiver consigo exemplar(es) do Jotacêpê e quiser ser simpático e prestável com este pobre jornalista desvalido, pode(m) contactar comigo através do email que está escrito a vermelho no fundo da barra lateral deste blogue. Gostaria muito de ter cópias (fotocopiadas ou digitalizadas) dessa publicação. Desde já, obrigadinho!