(este artigo pode intitular-se também "uma história exemplar de resistência cultural", ou "nacionalismos há muitos, seu palerma, incluindo um certo 'nacionalismo' revanchista africano, em África, que é mau, embora não chegue a ser tão mau como o 'nacionalismo' fascista europeu, na Europa", como hão-de ver, se o lerem)
«Embora esta possa ser apenas a história de mais uma companhia de dança, ela é, no entanto, a história da Companhia de Dança Contemporânea de Angola (CDC), uma das primeiras do género em África com a opção de propor uma linguagem contemporânea para a dança africana; uma história que, aos olhos de quem não a pôde testemunhar, bem poderia parecer uma estória.»
«Em Angola, a presença constante da dança no quotidiano é produto de um contexto cultural apelativo para a interiorização, desde cedo, de estruturas rítmicas.»
«Com o objectivo de divulgar um novo género de dança, que ultrapassasse o âmbito do tradicional e com o propósito e responsabilidade simultâneos de preparar e sensibilizar o público angolano para as novas tendências da dança, esta companhia organizou-se dentro de um país onde as dificuldades são imensas e a cultura nem sempre é interpretada numa dimensão alargada, levando a que a actividade deste colectivo fosse quase de sobrevivência em alguns momentos.»
«A nível institucional verificava-se alguma resistência em relação à dança na sua vertente académica, por ser encarada como uma "herança colonialista" incompatível, portanto, com o conceito de "africanização" da cultura angolana. Mas a obsessão de banir o que pudesse ser conotado com "cultura europeia" manteve-se, apesar das formas de o manifestarem se terem tornado mais subtis.
O facto de Angola ser um país novo e as opções políticas não permitirem grande abertura - vivia-se uma espécie de isolamento cultural decorrente do facto de se privilegiarem as relações com os países do então bloco socialista (...) poderá ser uma das principais justificações para o início tardio de uma actividade profissional em dança e na adesão a novos estilos e correntes.
Todavia, é fundamental referir-se que na sociedade constituída em Angola antes da independência não se havia cultivado a prática nem radicado os meios que veiculassem a dança enquanto arte cénica (...)»
«A partir da década de 90 a cena da dança em Angola conhece uma ruptura em termos de opções estéticas. No ano de 1990, (...) é estreada a obra "A Propósito de Lueji", com base na pesquisa da simbologia, estatuária e elementos das danças tradicionais cokwe, da região nordeste de Angola. Radicalmente afastada da dança clássica, fugindo aos cânones da dança moderna e descentrando-se dos modelos formais de um espectáculo convencional, esta peça marcava o esboçar de uma nova proposta para a dança em Angola.
Com o surgimento da Companhia de Dança Contemporânea, ao trabalho de investigação dentro da cultura tradicional e popular angolanas, aliou-se a vertente da denúncia e crítica social.»
«Por oposição a um regime monopartidarista com um Estado providência, os anos 90 iniciam a transição para o multipartidarismo e para a economia de mercado, mas a instalação da democracia encontra as mais diversas resistências. Aparentemente existe uma maior abertura ideológica, uma maior liberdade de expressão, o que incentiva um maior atrevimento no campo da análise crítica.
(...) Mas a instalação da guerra civil após o período eleitoral (1992), põe a descoberto uma enorme miséria social contrastante com o surgimento de uma poderosa classe que não se coíbe de ostentar a grande riqueza que vai acumulando.»
«A CDC não se alheou a esta violência, reflectindo-a em trabalhos, onde a sociedade angolana é dissecada e onde se fazem surgir todos os personagens que nela habitam.
Sob a entretanto desgastada justificação da guerra, o aparelho estatal continuou a priorizar outros sectores em detrimento da cultura.»
«Dado o contexto social angolano e como estratégia para uma melhor afirmação do seu trabalho, a CDC desenvolveu em paralelo (...) uma ampla acção educativa junto da sociedade, para a qual a dança contemporânea consistia uma proposta praticamente desconhecida. Esta intenção pedagógica esteve presente em todas as acções da CDC(...).
Há a registar o surgimento de um novo público para este tipo de espectáculo. Uma elite que nada tem a ver com extractos sociais elevados, ou seja, um público jovem, interessado e com uma sensibilidade diferente que felizmente se distancia das velhas posições dogmáticas.»
Texto:
Ana Clara Guerra Marques,
directora da Companhia de Dança Contemporânea de Angola
(blog: mwanapwo.blogspot.com)
excertos do livro "A Companhia de Dança Contemporânea de Angola"
Editora Caxinde - Luanda, 2003
(Ah, a propósito, a obra foi também patrocinada pelo Instituto Camões, não sei se conhecem. Se não conhecem, cliquem aqui.)
Fotos:
Rui Tavares
(Já agora, eu nem percebo nada de Dança - a sério!... - e isto tudo foi só para ter um pretexto para colocar neste blog algumas fotos desse fotógrafo luso-angolano - escolham vocês os adjectivos para pôr a seguir a "desse" - que, por acaso, tenho o prazer de conhecer há quase vinte anos...)
Mais sobre a CDC de Angola:
www.balletcompanies.com/contemporarydancecompanyofangola/index.htm
www.balletcompanies.com/contemporarydancecompanyofangola/index2.htm
www.cdcangola.com
António Vitorino
1 comentário:
Esta foi uma bela homenagem à directora da Cª de dança Conemporânea de Angola e ao excelente fotógrafo que é o Rui Tavares.
Bem-hajas!
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