Portugal é, tradicionalmente, um país pacato, e a violência a que assistimos nestes últimos meses é algo de novo, sem precedentes, certo?
Errado!
O sentimento de insegurança que se vive actualmente no nosso país não difere muito do que se vivia, por exemplo em 1994 ou, mais ainda em 1996.
Mas a criminalidade está, hoje, mais violenta? Usa métodos nunca antes usados em Portugal?
Talvez existam agora associações criminosas mais organizadas (e profissionalizadas), e é lícito acreditar que esses grupos vêm dos países do Leste europeu e das favelas brasileiras... Pois sim. Mas é bom lembrar que já em 1996 (por exemplo...) se usaram explosivos em atentados à vida das pessoas (este Verão de 2008, utilizaram-se explosivos no assalto a uma carrinha de valores... e foi a histeria que se viu).
O incidente em Alhos Vedros, em que "um grupo de cerca de 30 jovens" (segundo a comunicação social) agrediu indiscriminadamente pessoas num jardim (a polícia "acredita" que se tratou de um ajuste de contas) anuncia um novo tipo de delinquência juvenil?
Não sei, não... Que dizer, então, do que aconteceu entre o final da década de 1980 e o início da década seguinte, quando grupos de "cabeças rapadas" (bandos violentos de extrema-direita) começaram a bater - criteriosamente, pois claro! - em tudo o que era negro, e/ou militante de organizações de esquerda?
E que dizer da reacção, ainda mais violenta (e indiscriminada) dos grupos de jovens negros dos subúrbos que, até meados dos anos 90, espalharam um clima de insegurança - esse bem real - agredindo e roubando... tudo o que não era "negro" (e por isso eu lhes chamei, num artigo do semanário Sul Expresso, "racistas ao contrário")? Em 1992, um grupo de 30 (ou mais) desses jovenzitos suburbanos (aos quais, erradamente, alguns chamavam "gangs") desembarcou no largo de Cacilhas e arrasou tudo o que lhes apareceu à frente e não era "negro"... até que um jovem, português, branco, lhes mostrou que estava vestido com uma camisola do MPLA (eram tempos eleitorais em Angola...) e aí eles pararam: "epá, há um engano!..."
Tem piada, mas não é piada: aconteceu mesmo!
Hoje os larápios recorrem ao "carjacking" (porque, devido ao reforço dos sistemas de segurança, já não conseguem roubar carros a não ser com os proprietários lá dentro)? Pois bem: na década passada, os putos dos subúrbios recorriam mais ao "telemóveljacking", que funcionava mais ou menos assim: estavas sozinho e eras cercado por um bando e ou lhes davas, de livre vontade, o (como eles diziam) "meu telemóvel, que tens no bolso", ou levavas na boca e ficavas na mesma sem o telemóvel! Hoje és assaltado, numa estrada deserta, se tiveres um carro topo de gama?
Opá, há uns poucos anos eras assaltado (em qualquer sítio, e a qualquer hora)... se tivesses um telemóvel (e, de preferência, fosses "branco" - ou "pula", que é uma expressão angolana, derivada de "polaco", e que eles usavam sem saberem porquê...)!
Ah, não acreditam? Acham que estou a exagerar? Acham que é mais uma vitorinice das minhas?
Está bem. Então leiam o que se segue:
Que tal?
12 comentários:
O problema é que nesses tempos a violência e o crime, se o havia em tamanha quantidade e principalmente da forma em que se manifesta hoje (na altura roubavam tm, davam uns socos num negro, arrasavam com esplanadas aos pontapés, agora chegam a uma bomba da gasolina e disparam à queima-roupa com o intuito de matar e nem sequer de roubar, matam ourives como quem mata baratas, etc.) não era importado, era por assim dizer "produto nacional" motivado talvez por assimetrias sociais, desemprego, más condições de vida, bairros degradados, etc. Actualmente o crime violento passou a ser profissionalizado e uma indústria em franca expansão que importa (ou melhor, fomenta a exportação do país de origem) de pessoas que se dedicam e vivem exclusivamente da criminalidade.
Ora, com uma balança comercial tão deficitária como a nossa, tudo o que não precisamos de importar neste momento, de forma a não aumentar mais o tal déficite, é mesmo a criminalidade organizada, permitida e talvez promovida com o nosso tradicional facilitismo, com a incapacidade de meios eficazes de resposta das nossas polícias , e com o desajustamento do nosso sistema jurídico às novas exigências criminais modernas.
Saudações do Marreta.
as coisas evoluiram, naturalmente, também no mundo do crime, Vitorino.
é por isso que não estão, como há dez anos...
por exemplo há muito mais armas de fogo. o que dantes se fazia com a "naifa", faz-se hoje com uma pistola...
Marreta e Luís Éme:
Eu não estou a dizer que as coisas estão como há dez ou 15 anos.
Falo aqui principalmente do sentimento de insegurança que é potenciado pela comunicação social quando esta - no cumprimento do seu dever, aliás - noticia os crimes violentos. Pior ainda, quando - extravasando as suas obrigações - faz do crime violento uma "novela" de mau gosto, para captar audiências.
É por isso que refiro, também, o que se passava na década de 90 com os bandos de skinheads primeiro e de putos negros dos subúrbios a seguir. Era - estatisticamente, digamos - muito mais provável sermos agredidos ou roubados por eles do quen hoje estarmos na mira de um desses criminosos mais "profissionalizados".
E, no entanto, antes de 1995, do assassinato de um militante do PSR pelos skins e de umas cenas brutais no Bairro Alto, num certo 10 de Junho, quase não se falava dos skinheads. Porquê? Porque não eram "notícia": a notícia era a pequena delinquência associada à toxicodependência.
Depois, com os bandos de negros dos subúrbios, também levou muito tempo até que fossem "notícia" - e entretanto, eles lá iam roubando e promovendo os seus desacatos...
E, no caso destes, é bom não esquecer que, embora fossem jovens nascidos em Portugal, eram olhados com desconfiança, e punha-se-lhes o "rótulo" de imigrantes...
E eram os "culpados" de todos os males do país... ou quase!!!
Por outro lado, não tenho essa ideia de que a criminalidade esteja automaticamente associada a pobreza ou a más condições de vida.
Alguns dos mais temidos arruaceiros eram do Miratejo. Ora, eu cheguei a morar no Miratejo e não vi lá nenhuma situação grave de pobreza material: antes pelo contrário, o apartamento do Miratejo onde residi foi a melhor casa que tive até hoje!!!
Julgo que o problema era de desigualdade na distribuição de riqueza (não é o mesmo que pobreza, atenção!) e de expectativas e pressões sociais que se criaram nessa altura, e que se mantém hoje.
Aqueles jovens dos subúrbios não roubavam porque tinham fome ou por graves dificuldades económicas. Roubavam para ter roupas de marca - era nisso que se sentiam excluídos!!!
É um problema cultural, caros amigos.
E, nesse aspecto, não mudámos muito.
Mas o melhor resumo daquilo que quero dizer com tudo isto é mesmo o artigo do Moita Flores, de 1996, que transcrevo também neste blogue (mais abaixo).
Não concordo com tudo o que ele diz. Mas reconheço que ele explica muita coisa...
Saudações!
A.V.
Há outros aspectos correlativos, nos quais vale a pena meditar.
Por exemplo: se havia problemas relacionados com a imigração, e se esses problemas já estavam diagnosticados há vários anos, como e porquê se deixou que as coisas chegassem ao ponto em que estão hoje?
Exemplo vivido na primeira pessoa:
Eu nasci no Brasil, filho de pais portugueses (toda a minha família era portuguesa, aliás), e vim morar para Portugal ainda antes de completar 3 anos de idade. Mantive sempre a nacionalidade brasileira, embora me sentisse mais português que brasileiro (como é natural e dispensa explicações).
Em 2004 (por razões que não vêm agora ao caso) optei pela nacionalidade portuguesa. Para tal, precisava (entre outros documentos) de uma certidão de nascimento. Mandei vir uma do Brasil, do cartório onde estou registado. O Estado Português não aceitou essa certidão (que não tinha nenhuma irregularidade, note-se), mandando-me fazer outra, igual à primeira, mas reconhecida pelo consulado português no Rio de Janeiro.
E porquê?
Porque nessa semana, a legislação portuguesa tinha mudado, apertando mais a malha para a obtenção da nacionalidade.
E porque tinha mudado a legislação portuguesa?
PORQUE (explicaram-me os funcionários do Estado português) HAVIA MUITOS BRASILEIROS A APRESENTAR CERTIDÕES DE NASCIMENTO FALSIFICADAS EM PORTUGAL, COMO SE FOSSEM DOCUMENTOS LEGÍTIMOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
E ISTO EM 2004!
HÁ QUATRO ANOS!!!
Tive, então, que mandar vir nova certidão de nascimento, com todos os requisitos. E todo o processo de obtenção da nacionalidade portuguesa demorou cerca de DOIS ANOS!
Sou cidadão português desde Outubro de 2006.
Mas estas leis (de cuja rectidão não duvido) servem, afinal, para quê?
Para "chatear" e atrasar a vida a gajos como eu?
Não me parece: julgo mesmo que o problema não está na(s) lei(s) portuguesas.
Talvez esteja nos mecanismos para a sua aplicação (ou para a sua adulteração...).
Por outro lado, é ou não verdade que, há alguns anos, os poderes políticos retiraram competências de investigação às polícias?
É ou não verdade que as polícias portuguesas estão a viver cada vez com maiores dificuldades?
(E por este andar - os brasileiros que me perdoem a franqueza - arriscamo-nos a ter uma polícia "à brasileira", mal paga, mal tratada, para onde só vai quem não sabe fazer mais nada... E pensar que, há alguns anos, até parecia que estávamos a caminho de ter forças policiais cívicas e socialmente competentes...)
E agora, os mandões do nosso país criam uma figura que vai "coordenar" as polícias, mas que responde perante o poder político!
É essa a solução?
Qual é a lógica disto tudo? Alguém me explica como se eu fosse muito burro?
A.V.
(o ingénuo...)
Quanto ao Miratejo estou de acordo, ou não...
Aqui há um mês roubaram-me o carro à porta de casa. Foi encontrado cerca de 1 mês depois pela polícia, em Lisboa, com um brasileiro do Miratejo lá dentro a comer bolinhos calmamente.
Saudações do Marreta.
Olá, Marreta!
Ainda bem que encontraram o teu carro!
Quer dizer que a polícia, afinal, ainda serve para alguma coisa!
Mas deixa que te diga que, há uns anos, conheci (tive de conhecer, infelizmente) quem andasse a "fazer" casas, e talvez carros, na boa, sem respeito por ninguém... e era um jovenzito dos subúrbios, muito português, com ideias (???) fascizóides, e que não gostava nada de "pretos"!!!
Eu penso que, mesmo que esta vaga de crime violento tenha a ver com a imigração - tem a ver com um certo tipo de imigração, e é sempre perigoso generalizar.
Já nos anos 70 se dizia que os cabo-verdianos, que vieram trabalhar nas obras eram canibais e comiam o fígado das criancinhas!...
Um abraço,
Vitorino
Que segurança tinham as pessoas quando as cidades eram cercadas por muralhas e fechadas com portas, quando as casas dos aldeões eram cercadas com muros altos com vidros cravados, quando se tinha que guardar o milho e água durante a noite?
Esta história do fim do mundo é velha e tu fizeste uma reportagem (investigação?) que merece o meu aplauso!
Um abraço com trancas à porta e o machado à mão
É claro que não se pode generalizar, nem comparar selvagens e parasitas com pessoas decentes, produtivas e honestas. Umas e outras existem em qualquer lado.
Saudações do Marreta.
Cheira a revolução em revolucionaria.wordpress.com
Pois é, pata negra... Parece que há quem esteja interessado em fazer-nos voltar a esses tempos de "trancas na porta e machado na mão"!
Marreta: nisso estamos de acordo!
Quando puder passo pelo revolucionária no wordpress.
Querido António,
Notícias de violência crescente estouram pelo mundo... Entristeço-me com a falta de amor e a tal de dureza que perdeu a ternura. Infelizmente pelas favelas de aqui (sem querer generalizar, porque há a gente boa e trabalhadora que sofre por viver nesses lugares de miséria) e em todos os lugares há pessoas que se esqueceram que são de fato pessoas, enquanto os governantes tratam de enriquecer sem atentar para os fatos sociais.
Beijos.
Madalena: o seu comentário resume de forma magistral boa parte do que tentei afirmar com a publicação destes artigos.
("pessoas que se esqueceram que são de fato pessoas, enquanto os governantes tratam de enriquecer sem atentar para os fatos sociais" - é isso!)
Gosto da sua capacidade de síntese: dizer o que é importante em poucas palavras e - ainda por cima - sempre com um toque poético.
Beijos desde Almada para si, aí em São Paulo (e para todos os brasileiros que não se reconhecem neste "retrato" do "homem das favelas").
A.V.
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