A Festa do Avante evoca este ano um dos mais interessantes - e mais esquecidos - poetas portugueses do século 20: Armindo Rodrigues.
Escritor de um lirismo viril e rigoroso, militante do PCP e lutador anti-fascista... Uma das minhas principais influências poéticas...
Tive a sorte de o ver recitar poemas seus em Almada, no início da década de 1980 (num festival de poesia em que eu tive também o atrevimento de participar... mas isso é história para contar noutra ocasião).
Eis aqui alguns dos seus poemas:
Vem já de longe o moderno,
Mas o antigo vem mais.
Por isso o olhar mais terno
É para as coisas banais.
O que é antigo é seguro.
O que é moderno amedronta.
E ao puro chama-se impuro
Porque a impureza afronta.
Quem é mais crê que novo cria
Que mais faz que repetir?
Nova é só a alegria
De imaginar descobrir.
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Liberdade
Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.
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Prisão de Caxias, 1949
Como fantasmas, sem repouso,
no corredor andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite.
Nuvens vazias lhes pesam.
Um vinho azedo os corrompe.
O corredor é longo e estreito
longo e sujo,longo e escuro.
Do tecto baixo as lâmpadas exaustas
dir-se-ia que de remorsos lhe põem mais sombras
na atmosfera sombria de remorso.
Só nas salas, fechados, os presos falam,
os presos riem,os presos cantam.
Não há remorso na lembrança deles.
Na desgraça deles não há remorso.
O remorso ficou lá fora,
no corredor onde andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite,
a manchar de vergonha a vida
e a fazer nojo aos escarradores
alinhados contra a parede.
O remorso ficou lá fora,
na felicidade e na cobardia
dos que se alheiam do combate.
Na minha sala há treze presos.
Treze são as salas que dão
para o corredor onde andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite.
Maldita seja a maldição
com que à honra se responde.
Cada sala tem uma janela
que nem finge de fingimento,
porque além da barreira das grades
em frente um talude nos cobre
a despreocupação de ave
do horizonte desdobrado,
e lá fora andam outros guardas,
de carabina ao ombro, dia e noite.
Na minha sala há treze presos,
com treze protestos erguidos,
mas erguida uma só bandeira.
São criminosos de querer,
num tempo torpe de prisões,
as torpes prisões arrasadas.
Os outros presos, nas outras salas,
sangram das mesmas feridas,
ardem de desejo igual.
Estão aqui presos, mas são livres,
porque neles a justiça
sopra como os vendavais.
A prisão ficou lá fora,
nos felizes e nos cobardes.
Armindo Rodrigues
E também no Almada Cultural por extenso (citado do semanário Avante):
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