A Rádio Urbana foi uma das rádios “piratas” do concelho de Almada. Criada em 1987 (há vinte anos, portanto), manteve-se em actividade até Maio do ano seguinte. Por motivos que adiante tentarei explicar, não chegou a candidatar-se à “legalização”. E teve, em Maio de 1988, um fim inglório, numa cave da Rua da Liberdade... porque a administração do prédio não autorizou a instalação, no terraço, da respectiva antena.
Pelo menos, foi isso o que me disseram. E eu acreditei.
Na segunda metade da década de 1980, as rádios “piratas” começaram a surgir que nem cogumelos no espectro radiofónico nacional. E eram tantas, mas mesmo tantas, que chegavam a sobrepor-se. Lembro-me, por exemplo, de ouvir rádio numa frequência onde, a partir de umas tantas horas, certa emissora dos arredores de Lisboa saía do ar (fazia um intervalo até ao dia seguinte) e, passados momentos, outra rádio – do Alentejo, ou do Ribatejo, não tenho bem a certeza - começava a ocupar o mesmo espaço...primeiro baixinho, depois com maior volume de som e maior definição, até que ocupava completamente a frequência, e mantinha-se por lá até à manhã do dia seguinte, quando a outra, que ficava mais perto do meu receptor, voltava a fazer-se ouvir, alto e bom som.
E eu ouvia, tudo!
Sim, eu era um fanático da rádio! Era-o já desde o tempo em que apenas existiam as emissoras “oficiais” e as outras, aceites pelos poderes instituídos.
O aparecimento das rádios “piratas” foi para mim (portanto, e como devem calcular) um verdadeiro festim! Eu devorava ondas hertzianas e...
Hã?... Ah, pois, estou a divagar. Preciso de ter cuidado com isso, não é?
Bem, deixem-me lá ser factual, antes que apareçam os senhores de bata branca para me levar (isto é uma piada, sim - e não é inocente, pois não - mas não vos vou explicar já... tenham paciência).
Portanto, dizia eu que, na segunda metade da década de 80 do século passado, apareceram muitas rádios “piratas” em Portugal. Segundo o site Onda Livre – portal português de rádio, só no concelho de Almada (são as que me interessam, para agora) havia, nos anos de 1987 e 1988, sete emissoras: Rádio Agora (Costa de Caparica, emitindo em 107.8 mhz, fm), Voz de Almada (106.7), Rádio Miratejo (sem outra informação disponível), Rádio Almada (104.7), Rádio Ponte Sul (106.2), Rádio Clube da Costa (Costa de Caparica, 91.6)... e aquela de que vos quero falar, ou seja a Rádio Urbana, que emitia em 105.4, a partir de um estúdio instalado numa loja do Centro Comercial M.Bica.
Bem, eu não vos posso adiantar muito sobre as origens dessa rádio, ou sobre as pessoas que a dirigiam. Não posso, porque não sei: fui, apenas, um colaborador.
Tinha alguma experiência como DJ (ou disco-jockey, que é DJ por extenso, e era mesmo assim que a gente dizia, naqueles tempos pré-históricos) e conhecia um DJ (ou disco-jockey... etc) do bar Jamaica (sim, esse Jamaica, em Lisboa, Cais do Sodré...) que era também locutor na Rádio Urbana e que, porque conhecia o meu trabalho, e sabia da minha paixão pela rádio, me convidou a ir até lá e tentar a minha sorte. Chamava-se, o DJ, Jorge Bernardino (isto é para dar, como se costuma dizer, “o seu a seu dono”). E eu hoje só tenho que lhe agradecer a oportunidade (a ele e a um certo Pedro Tadeu que, em 1984, na Aldeia Sindical da Cultura, em Loures, me deixou “entreter” audiências, naquela que foi a minha primeira experiência como DJ bem sucedida e... ora bolas, lá estou eu outra vez a divagar!...).
Onde é que eu ia? Ah, pois: tive essa oportunidade para fazer rádio. E comecei logo pela informação, porque o que eles estavam mesmo a precisar era de... hããã... talvez seja exagerado dizer “jornalistas”... Bem... precisavam de pessoas que fizessem noticiários.
E pronto, lá fui eu participar num – incipiente mas bem intencionado, diga-se – departamento de informação da Rádio Urbana. Fazia um noticiário generalista, salvo erro às 19 horas e, às 20, era responsável por um noticiário cultural. Mas sabem vocês como eram feitos esses noticiários? Querem que vos conte?
Não querem? Então, porque é que estão ainda a ler isto? Não têm, mesmo, mais nada que fazer?
Mas está bem, eu conto.
Era assim: agarrava nos jornais do dia e sentava-me num café do centro comercial a escolher notícias. Seleccionava as que me pareciam mais relevantes e, à hora certa, entrava em estúdio (estúdio que, a propósito, era insonorizado de maneira rudimentar, com caixas de ovos nas paredes), esperava pelo sinal horário, o locutor de serviço abria o microfone e eu lia as notícias, tal como estavam publicadas no(s) respectivo(s) jornal/jornais.
Só isso?
Pois: só isso!
Mas, então, porque raio disse, no título desta posta que as notícias se faziam “em cima do joelho”?... Bom, é que, às vezes, eu não tinha dinheiro para ir até ao café e, nesses casos, ficava sem uma mesa para trabalhar e, portanto, fazia a tal selecção de notícias sentado num sofá, na sala de espera da rádio – ou seja, em cima do joelho, literalmente.
E não tinha dinheiro porquê? Porque já o tinha esturricado em álcool e drogas? Não, amiguinhos: porque (acreditem ou não), as coisas faziam-se, naquela época, numa base de voluntariado. Queríamos ser profissionais, no futuro, mas sabíamos que, para atingir esse objectivo, tinhamos de trabalhar ainda um bocado, mesmo que não ganhássemos guita (e sim, isto do voluntariado para chegar à profissionalização também é outra piada – também ela não inocente – que também não vos irei explicar agora... tenham paciência).
Posso, no entanto, contar-vos uma coisa da qual sempre fiquei muito orgulhoso. É que, no final de um desses noticiários (o das sete ou o das oito, não me lembro), eu divulgava invariavelmente as farmácias de serviço em Almada e arredores. (Tipo serviço público, estão a ver?) E o que tem isso de especial? Nada, a não ser que, nessa época, eu não conhecia mais ninguém, em nenhma rádio, que o fizesse.
(Em 1996, quando chamei “poezine” ao Debaixo do Bulcão também não tinha visto essa palavra em lado nenhum; e depois ela começou a ser utilizada em vários sítios... Mas enfim, isto são manias minhas, que não seriam para aqui chamadas, se isto não fosse apenas um blogue chamado Coisitas do Vitorino).
Continuando (e abreviando, que isto já vai longo), acabei por ter a oportunidade de fazer aquilo que, afinal, mais desejava: um programa de rádio! Era um programa generalista, realizado por três pessoas: eu, um tipo que conhecia como Toni (desculpem, mas não me lembro do nome dele, a sério) e pelo meu amigo Rui Jorge Martins (que, depois, optou por uma via mais política e menos radiofónica – mas não faz mal: continuamos amigos!).
O programa, que ía para o ar às terças e quintas-feiras entre a meia-noite e as duas, era para se chamar, por sugestão minha “Vôo Nocturno” (título de um livro de Saint Exupéry), mas acabou por ficar (por sugestão do Rui) “Comboio Correio”. Era muito divertido (para nós e, penso eu, também para os ouvintes). Tinha convidados especiais (no Natal, convidámos o Pai Natal). Era rádio de autor. E sim, isso – rádio de autor – existiu mesmo, antes da ditadura das “playlists” (não sei se agora também se diz playlists, mas penso que entendem o que estou a dizer)!
Eu estive na Rádio Urbana desde o final de 1987 até ao encerramento da emissora.
Não sei muito bem como tudo acabou. Sei que, em 1988, a rádio foi obrigada a sair da loja do Centro Comercial M. Bica. Conseguiu encontrar um novo espaço, onde começaram a montar o estúdio – uma cave na Rua da Liberdade – mas, alegadamente porque não obtiveram autorização para montar a antena no terraço (pelo menos foi isso o que os técnicos da rádio me disseram), tiveram que desistir do projecto.
A Rádio Urbana, de Almada, morria assim, em Maio de 1988, sem sequer se ter candidatado a uma frequência “legalizada”. Eram, supostamente, duas frequências para cada concelho de Portugal (supostamente, porque depois foi o que se viu).
Em 24 de Dezembro desse mesmo ano, as rádios “piratas” calavam-se de vez.
E o panorama radiofónico nunca mais foi o mesmo. Em Almada, e em todo Portugal.
(Gostaram do “alegadamente"?)
10 comentários:
Vivi esta euforia radiofónica do lado de fora, porque embora já não vivesse nas Caldas da Rainha, era lá que passava os fins de semana e tinha a maior parte dos amigos... ainda tive um projecto de programa, que não saiu do papel, com um amigo que também era DJ, nas horas vagas...
Foi um movimento extremamente rico e inovador, de Norte a Sul. A maior parte das rádios, tiveram umfim parecido com a "urbana", Vitorino...
Ora aqui está uma área que me é muito grata. Disto também posso falar (neste caso escrever) um bocadinho.
Efectivamente também passei por estas lides radiofónicas, como amador, evidentemente, e também vivi intensamente esta euforia do éter da metade da década de oitenta.
Cheguei também a fazer um programa numa rádio "local" (assim é mais bonito, "pirata" levava-me para as Caraíbas...) de Sacavém (na altura vivia em Moscavide city) chamada Rádio Local de Sacavém, posteriormente depois de legalizada viria a chamar-se Estação Orbital e finalmente, no presente, creio que se chama Orbital FM.
Como tu, recordo os primeiros tempos da estação e do primeiro e único, diga-se de passagem, programa que produzi, realizei e apresentei (ganda pinta!) em parceria com um amigo meu. Chamava-se "Ficha Dupla" e ía para o ar aos fins-de-semana entre as 8 e as 10 da manhã. Um programa do tipo generalista com música variada para despertar o pessoal e com alguns concursos, agora passado todo este tempo posso dizê-lo, inventados.
E inventados porquê? Como naquela altura a audiência era muita, inventávamos concursos e passatempos que mais não eram que uma farsa autêntica. Passava-se assim: o passatempo era lançado, do estilo, a primeira pessoa a ligar para a rádio e a acertar na pergunta colocada, ou então na música anteriormente já passada, ganhava uma varinha mágica, ou um LP, ou uma caneca Vista Alegre, ou outra coisa qualquer. É claro que a primeira pessoa a ligar era sempre alguém da rádio que estava ali ao lado do estúdio e assim iamos entretendo os ouvintes e tentando ganhar alguma audiência.
Lembro também, que amíude punhamos o tal disquinho a tocar, o power-play da semana (sim porque já tinhamos os tiques radiofónicos) e vinhamos cá a baixo ao r/c do prédio de elevador beber uma imperialzinha e comer um pastelzinho de bacalhau, subindo novamente antes do disco acabar de tocar.
Enfim, coisas engraçadas que me ficaram na memória, outras havia, mas ocupariam toda a caixa dos comentários. Talvez noutra oportunidade.
No entanto, serve tudo isto para dizer que o "bichinho" ficou e acompanha-me ainda hoje. Gosto muito mais de rádio do que de televisão e posso ficar horas a fio a escutá-la, embora os grandes tempos de programas míticos como o Som da Frente, Lança-Chamas, Meia de Rock, Rock em Stock, Morrison Hotel, etc já façam parte do passado e tenham sido substítuidos pelo generalismo e pela ditadura das playlists, coisa que nesse tempo não me recordo de existir, as músicas eram lançadas ao sabor do momento e da inspiração.
Saudações do Marreta.
AH GANDA VITORINO!
Jorge
Luís Éme: não chegaste a fazer rádio nas "piratas", ou não fizeste rádio? É que um homem, para ser homem, tem de fazer 4 coisas: escrever um livro, plantar uma árvore, fazer um filho e trabalhar na rádio.
(Agora sou eu que estou a brincar contigo. Mas deixa lá que, como se sabe, eu não tenho filhos, ainda não consegui publicar um livro, e as duas árvores que plantei nnca chegaram a crescer!...)
Vitorino
Marreta: com que então, temos em comum esse "bichinho" da rádio, hã?
É viciante, não é?
E presta-se (prestava-se, nesses tempos...) a liberdades tipo deixar o disco a tocar e ir beber uma... ou fazer outras coisas parecidas com isso!
Quanto à designação, chamei-lhes "piratas" porque era a expressão mais usada e, talvez, mais consensual.
Saudações extremamente radiofónicas!
Zramática:
Oh, Jorge, deixa lá isso, porque tu és mais GANDA que eu!
E a propósito: não estavas para fazer um programa de rádio aí em Moura?
Diz coisas. Novidades!
Vitorino
Também por lá passei, durante uns tempos a fazer informação num esquema semelhante ao que contas e igualmente tinha um programa de autor que dividia-mos a quatro.
Bons tempos em que alegadamente havia rádio.
Então, Almada, fomos colegas na mesma rádio?
Não fazia ideia!
Saudações (também) radiofónicas!
O Toni de quem não te lembras o resto do nome era o Toni Cunha
O Toni de quem não te lembras o resto do nome era o Toni Cunha
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