Andava eu, na transição dos oitentas para os noventas (décadas do século passado, entenda-se), à procura de um rumo para a minha vida (também, estava ainda na idade para isso, não é?...), e eis que começam a acontecer coisas interessantes no mundo.
Ele foi a “guerra do Golfo” (era assim que se chamava ao “conflito Irão-Iraque” - uma guerra impiedosa que, sinicamente um certo responsável iraquiano catalogou, numa entrevista publicada na imprensa portuguesa, como “conflito de fronteiras”)...
Ele foi a Perestroika (e foi quando eu fiquei a saber – graças ao então correspondente da RTP, na então União Soviética - que é possível mostrar imagens com meia-dúzia de pessoas e afirmar que eram “largos milhares de manifestantes”, ou o contrário!)...
Ele foi a queda do muro de Berlim (e a construção do muro do Alfeite, em Almada... ou isso terá sido uns anos antes?...), seguida da desintegração da União Soviética e de todo o “bloco de Leste”.
E foi, também, a primeira “aventura” norte-americana no Iraque... Aliás, a “Operação Escudo do Deserto”, para “libertar” o Koweit da invasão iraquiana (era esta a versão oficial, repetida sistematicamente, e unanimemente, pela comunicação social portuguesa).
Mas vamos por partes, e cronologicamente.
Em 1988, depois de terminada a minha experiência na Rádio Urbana, fiquei com um “bichinho da rádio” que (para usar uma expressão da época) não sei se vos diga, se vos conte. E tinha também reforçado a minha – já anterior – “apetência” pelo jornalismo. Foi, aliás, nesse tempo que decidi que queria mesmo ser jornalista...
Ora bem... Para “matar o bichinho” da rádio, tive a sorte de ser contratado pela Festa do Avante para fazer publicidade sonora (no que se chamava, na altura “estúdio móvel”), percorrendo então o distrito de Setúbal, em Agosto de 1990 e de 1991. Pois sim: era eu quem andava a “chatear” os veraneantes, dentro de uma “roulote”, com duas colunas de som no tejadilho, emitindo música (seleccionada no momento, ao bom estilo DJ Vitorino)... e propaganda!
E, porque já nessa altura gostava de “fanzines”, fui co-responsável pela edição de um boletim da JCP de Almada, chamado “Jotacêpê” (nome muito original, não vos parece?), com pretensões jornalísticas (tive a oportunidade de entrevistar, por exemplo, o embaixador de Cuba em Portugal... e garanto-vos que foi uma das entrevistas mais interessantes que fiz), mas em formato assumidamente “fanzineiro”.
Sempre à procura de uma oportunidade profissional – e sempre apaixonadíssimo (desculpem lá, mas a expressão adequada é mesmo essa) pela rádio – ia tentando apre(e)nder com o que se fazia, lendo muito, ouvindo mais ainda, e...
Foi nessa altura que conheci um livro intitulado “As armas dos jornalistas”. Bem, o título engana um bocado: não se trata de nenhuma obra de guerrilha, mas “apenas” de um manual prático sobre “como fazer uma notícia” – escrito por um jornalista da Lusa (agência de notícias portuguesa, nascida da fusão da estatal ANOP com a privada NP – Notícias de Portugal), jornalista cujo nome, infelizmente, não me recordo. Essa foi uma das minhas “bíblias”
Foi também nessa altura que a tal “guerra do Golfo” (hoje conhecida como a “primeira guerra do Golfo”...) eclodiu, monopolizando as atenções da comunicação social - e dando azo a uma enorme manipulação dos jornalistas (lembram-se de “directos” para os telejornais, “algures na Arábia saudita”, supostamente em “zona de combate” que - soube-se mais tarde - eram feitos à porta do hotel onde os profissionais da comunicação social estavam hospedados?).
Foi, então, o ensaiar de “soluções” que hoje estão vulgarizadas: os jornalistas vão com os militares, e só divulgam o que interessa às “autoridades no terreno”.
Acontece que, naquele tempo, a maior parte dos jornalistas foram “papados” de maneira algo inocente (houve, é certo, casos em que se deixaram “papar”... mas foram excepções). E aquilo que, em 1991, era “manipulação”, é hoje a “normalidade... Mas adiante...
Surgiu então um livro, de Allan Woodrow (na edição portuguesa, “Informação, Manipulação”, com prefácio e “adaptação” à nossa realidade, por José Manuel Barata Feyo) que, pela primeira vez, muito assertivamente, questionava o papel dos jornalistas em toda aquela operação – e abria um debate sobre o que era, e o que devia ser, afinal, a função do jornalismo, num mundo em mudança.
Esse livro foi outra “bíblia”, para mim (mas enfim, eu – como podem ver, pela imagem em anexo - até era louro, nessa altura, portanto tenho uma boa desculpa para a minha “ingenuidade”...), mas também para todos os que, nesse tempo, tentavam ser jornalistas “a sério”.
E “a sério” porque?
Bem... É que foi, precisamente, nosa primeiros anos da década de 1990 que a profissão começou a ficar “na moda”. O aparecimento das televisões privadas em Portugal (particularmente a SIC, em 1992, que, com o seu estilo “agressivo” e “informal”, alterou radicalmente o “panorama audiovisual” português) cativou muitos jovens para o “métier”.
E eu lembro-me muito bem que a maior parte dos jovens que saíam dos cursos de Comunicação Social não estavam nada preparados para entrar no mercado de trabalho. Pior: alguns nem sequer sabiam muito bem o que lá andavam a fazer.
E eu, que nem sequer tinha um curso, sabia?
Bem... Essa pergunta talvez possam os meus caros leitores fazer a quem comigo trabalhou, a partir de Novembro de 1992, primeiro na Rádio Baía, depois na Rádio Voz de Almada, e depois em jornais e revistas regionais (e olhem que alguns desses ex-colegas são hoje profissionais muito prestigiados).
Mas isso são assuntos para os próximos artigos.
Notas de rodapé:
1 - Admito que este texto possa parecer redundante e talvez mesmo algo “exibicionista” – e talvez o seja – mas pareceu-me mesmo necessário incluí-lo, na sequência de artigos sobre a minha experiência no meio da comunicação social dos anos 80/90 do século passado. No “computo final” – espero eu – tudo isto ficará devidamente justificado. E – já o disse e repito agora – isto é um blogue pessoal: não pretendo revelar “a História”, mas apenas contar as minhas estórias. Se vos interessar, agradeço a atenção. Se não vos interessar, “paciência”...
2 – Quando puder, voltarei a estes assuntos (Guerra do Golfo, TV privada, os dois livros de que falo aqui), com mais tempo e mais informação.
7 comentários:
lembro-me que o tempo da Guerra do Golfo foi a primeira vez que tive consciência de que algo muito longe poderia por em risco a vida de todos os que estavam perto e longe e assim-assim...
foi a primeira vez que soube e acompanhei uma guerra, uma das muitas que depois fui seguindo, pela televisão...
acho que foi quando descobri que essa coisa era perigosa e que havia homens que gostavam de brincar à guerra com homens a sério...
Hás de ler esta entrevista,
Jorge
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=22030&area=5
Jorge: já fui ler a entrevista e concordo com o que lá é dito, na generalidade. Por exemplo (só mesmo um exemplo, entre outros que te poderia dar): concordo muito como autor quando se refere às várias fases do socialismo na URSS. Penso aliás que a morte prematura do Lenin foi também a morte prematura do que de melhor poderia ter tido aquele projecto socialista.
De resto, quando os putos dos anos 80 usavam "marketing" do Che (como usam estes agora), já eu usava "marketing" do Lenin (que não vejo ninguém usar agora). Ah, e também já tinha lido o próprio Lenin, não era apenas "folclore". Nunca li nada do Che. Não me interessava por heróis românticos.
O meu herói (sem aspas) era mesmo o Lenin.
Posto isto, talvez não seja má ideia leres também os livros de que aqui falo. É que estou a colocar as coisas em planos diferentes: uma coisa é o que a informação deve ser, em termos "ideais" (ideais não significa idealistas, significa em termos daquilo que é o teu ideal), outra é aquilo que deve ser, em termos mais práticos, de tentar entender o que pode fazer quem trabalha para um órgão de comunicação social "oficial" (para usar uma expressão de que gostas) para contrariar a lógica da notícia enquanto produto vendável e/ou manipulável consoante os gostos dos patrões.
A sério, tenta encontrar o "Informação, Manipulação" e depois fala comigo acerca disso.
Mas sem lições de moral, ok?
Vitorino
O que eu queria dizer neste artigo (e julgo que não ficou bem esclarecido, até porque tinha o dono do computador atrás de mim a pressionar-me porque também precisava de trabalhar) é que essa "Guerra do Golfo" (a de 1990/1991) foi, para os militares e para o(s) poder(es) - principalmente norte-americanos, um ensaio sobre "como manipular a informação, fazendo com que o consumidor da dita pense que está a ver qualquer coisa como a guerra em directo quando, afinal, está a ver apenas aquilo que nós filtramos". Foi um ensaio porque foi a primeira vez que a coisa foi feita assim, em larga escala (hoje está vulgarizada). E teve tanto sucesso que até os jornalistas (muitos deles) pensaram que estava mesmo a cobrir a guerra em directo. Foi uma euforia quase generalizada, até porque se tinha criado uma opinião pública favorável à guerra (eu lembro-me que, na altura, andei em Almada com um "carro de som" em manifestações contra aquela intervenção militar, e era praticamente ignorado - no mínimo!).
Nesse contexto, os jornalistas tinham uma tarefa muiti ingrata. Mas (e digo-o também neste artigo) não ficaram isentos de culpas na manipulação que se fez. Só que, na maior parte dos casos, foi mesmo por ingenuidade.
E logo a seguir mostraram uma notável (e talvez inédita) dose de auto-crítica, reavaliando toda a actuação nesse caso e fazendo mesmo um "mea culpa" que hoje não acredito que o fizessem (porque, precisamente, vivemos num período mais "reaccionário", em todos os aspectos).
Mas não esperem que eu venha, aqui e agora, dar as minhas opiniões sobre o que devia ser o papel dos jornalistas num mundo ideal. Ora bolas, estamos cada vez mais longe desse mundo!
Portanto, de que me serve a mim, neste mundo em que vivemos, dizer que o jornalismo deve ser um jornalismo de classe, etc..., se as pessoas, antes de mais, nem sabem, hoje em dia, o que é uma "classe"?
O programa revolucionário do PCP, escrito antes do 25 de Abril falava em Revolução Democrática e Nacional - não falava em Revolução Socialista. Quem o escreveu sabia muito bem o que estava a fazer. E isto num tempo em que o capitalismo não estava tão seguro e consolidado, e numa enorme ofensiva, como está hoje.
Eu não escrevo para doutrinar (não tenho talento, nem competência, nem sequer paciência para isso), mas tento entender o que se pode ou não fazer no momento que vivemos.
E, nesta sequeência de textos, nem isso: estou só a falar do meu percurso profissional, devidamente enquadrado nas épocas em que decorreu (embora esse enquadramento seja necesariamente subjectivo) para demonstrar, mais adiante, que com as condições que me deram muito fiz eu e que ainda tenho muito para fazer.
Se isso vos parecer lamechas ou outra coisa qualquer, já vos disse:
não leiam esta parte e voltem cá daqui a digamnos uma semana, quando eu explicarei finalmente porque estou tão empenhado em demonstrar que, contrariamente ao que alguns têm dito, eu tenhoum passado de trabalho honesto e, por isso mesmo, não admito agora certas faltas de respeito.
E não, jorge, não me estou a referir ao teu comentário. Aliás, agradeço-o, até porque me deste a oportunidade de escrever este longo "desabafo".
A.V.
Inominável: como diz o Sérgio Godinho, no título de uma das suas canções, "Isto anda tudo ligado"!
O mundo é só um e não tem compartimentos estanques, não é?
Dois esclarecimentos:
O "comentário eliminado" era um comentário meu que, por engano, aparecia a duplicar. Eu não aceito neste blogue bocas de "anónimos" mas também não tenho o hábito de censurar ninguém.
Quando afirmo que estive a fazer "carro de som" contra a "coligação para libertar o Kowait" (libertar era só um pretexto, como se viu depois...), estava, é verdade, a fazer acções de propaganda, mas - e isto é importante - não estava, naquela altura, a exercer jornalismo.
Comecei profissionalmente só em Novembro de 1992 (há 15 anos, portanto), na Rádio Baía.
A.V.
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