terça-feira, setembro 30, 2008

Histórias de um "Portugal perigoso"... (1)


Portugal é, tradicionalmente, um país pacato, e a violência a que assistimos nestes últimos meses é algo de novo, sem precedentes, certo?

Errado!

O sentimento de insegurança que se vive actualmente no nosso país não difere muito do que se vivia, por exemplo em 1994 ou, mais ainda em 1996.

Mas a criminalidade está, hoje, mais violenta? Usa métodos nunca antes usados em Portugal?

Talvez existam agora associações criminosas mais organizadas (e profissionalizadas), e é lícito acreditar que esses grupos vêm dos países do Leste europeu e das favelas brasileiras... Pois sim. Mas é bom lembrar que já em 1996 (por exemplo...) se usaram explosivos em atentados à vida das pessoas (este Verão de 2008, utilizaram-se explosivos no assalto a uma carrinha de valores... e foi a histeria que se viu).

O incidente em Alhos Vedros, em que "um grupo de cerca de 30 jovens" (segundo a comunicação social) agrediu indiscriminadamente pessoas num jardim (a polícia "acredita" que se tratou de um ajuste de contas) anuncia um novo tipo de delinquência juvenil?

Não sei, não... Que dizer, então, do que aconteceu entre o final da década de 1980 e o início da década seguinte, quando grupos de "cabeças rapadas" (bandos violentos de extrema-direita) começaram a bater - criteriosamente, pois claro! - em tudo o que era negro, e/ou militante de organizações de esquerda?

E que dizer da reacção, ainda mais violenta (e indiscriminada) dos grupos de jovens negros dos subúrbos que, até meados dos anos 90, espalharam um clima de insegurança - esse bem real - agredindo e roubando... tudo o que não era "negro" (e por isso eu lhes chamei, num artigo do semanário Sul Expresso, "racistas ao contrário")? Em 1992, um grupo de 30 (ou mais) desses jovenzitos suburbanos (aos quais, erradamente, alguns chamavam "gangs") desembarcou no largo de Cacilhas e arrasou tudo o que lhes apareceu à frente e não era "negro"... até que um jovem, português, branco, lhes mostrou que estava vestido com uma camisola do MPLA (eram tempos eleitorais em Angola...) e aí eles pararam: "epá, há um engano!..."

Tem piada, mas não é piada: aconteceu mesmo!

Hoje os larápios recorrem ao "carjacking" (porque, devido ao reforço dos sistemas de segurança, já não conseguem roubar carros a não ser com os proprietários lá dentro)? Pois bem: na década passada, os putos dos subúrbios recorriam mais ao "telemóveljacking", que funcionava mais ou menos assim: estavas sozinho e eras cercado por um bando e ou lhes davas, de livre vontade, o (como eles diziam) "meu telemóvel, que tens no bolso", ou levavas na boca e ficavas na mesma sem o telemóvel! Hoje és assaltado, numa estrada deserta, se tiveres um carro topo de gama?


Opá, há uns poucos anos eras assaltado (em qualquer sítio, e a qualquer hora)... se tivesses um telemóvel (e, de preferência, fosses "branco" - ou "pula", que é uma expressão angolana, derivada de "polaco", e que eles usavam sem saberem porquê...)!

Ah, não acreditam? Acham que estou a exagerar? Acham que é mais uma vitorinice das minhas?

Está bem. Então leiam o que se segue:





Que tal?

Histórias de um "Portugal Perigoso"... (2)

Parece que em 1996, houve uma vaga de crime violento... Muito violento, mesmo.






Passo os olhos pela revista do semanário Expresso de 21 de Setembro de 1996, e leio:

«Ourém, 24 de Agosto: um casal e dois filhos são mortos a tiro de caçadeira; Águas de Moura, 3 de Setembro: uma bomba explode no carro do casal Galego; Fundão, 6 de Setembro: uma bomba deflagra na escola e mata uma funcionária».


E mais: «O assassínio de toda a família de Acácio P., na madrugada de sábado, 24 de Agosto passado, em Ourém, Quinta da Granja, revestiu-se de uma tal crueza que um investigador da PJ não hesitou em abandonar a habitual circunspecção policial para declarar que os crimes «foram cometidos num quadro de grande dramatismo e demonstrando grande vileza».

(texto do jornalista Rui Pereira, na mencionada publicação)







O artigo citado (Três crimes da 'loucura normal') dramatiza - excessivamente, para o meu gosto, mas enfim... - crimes vionetos ocorridos nesse Verão de 1996... com recurso a caçadeiras, e (surpresa?) bombas (uma num carro, outra à porta de uma escola!), todos eles (convém esclarecer) cometidos por cidadãos portugueses!


Mas três crimes, por muito violentos que sejam, não nos dão o direito de dizer que estamos (estivemos) perante uma "vaga de criminalidade violenta". O sentimento de insegurança nem sempre corresponde a um aumento real dessa criminalidade.


A propósito (ainda segundo a revista do Expresso) o ano de 1994 (doias anos antes, portanto) foi muito mauzinho nesse aspecto da criminalidade violenta - as pessoas é que já não se lembravam.
Passo a citar:













"A sangue frio" - crimes do Verão de 1996, segundo a revista do Expresso


Motivos insondáveis e violência desproporcionada são comuns à maior parte dos crimes cuja coincidência no tempo põe em causa a segurança em geral


Um pai, que há muito se mostrava desavindo com o filho, matou-o por ter tropeçado nos seus pés, quando se encontrava num café. Um marido matou a mulher tetraplégica, com gás asfixiante, para se livrar dela. Um irmão e uma irmã, septuagenários, viviam sós e o primeiro considerou que o melhor para ambos era pôr fim à vida - matou a irmã e pretendia de seguida suicidar-se, tendo mesmo convocado a imprensa para um hotel, com objectivo de se explicar. Os três casos passaram-se em 1994 e tiveram lugar de destaque nas páginas de jornais e nas televisões. Grosso modo, analisadas as motivações e as circunstâncias, encontrar-se-ão mais afinidades que diferenças, em relação à recente onda de homicídios (54, entre os dias 1 de Julho e 9 de Setembro) - de 1996.


Talvez a primeira e principal diferença seja a de os crimes de 1994 estarem já esquecidos. Pelo contrário, a memória colectiva ainda está impressionada e tem bem presentes o assassínio de uma família inteira, a morte de um casal à bomba, ou a do jovem de 17 anos que se recusou a entregar 20 contos(...). Os motivos são fúteis e a violência é desproporcionada, nalguns casos refinada mesmo, com apreciável grau de planeamento e concepção. Impressionante é também a coincidência temporal. Mas sabe-se que tal não é inédito: o mês de Janeiro deste ano (1996) registou o mesmo número de crimes (24) que Agosto. Vinte e quatro foram também os homicídios verificados em Maio, Novembro e Dezembro de 1995. E em Março de 1994 o número foi ainda mais elevado: trinta e cinco casos consumados.



(Texto de Ana Paula Azevedo, revista do Expresso, 21 de Setembro de 1996)


Em que ficamos, então?

Que tal espreitarmos o que se dizia (escrevia) sobre a criminalidade em Portugal, e o sentimento de insegurança, nesse ano de 1994?

Histórias de um "Portugal perigoso"... (3)

O "Grande Atlas do Portugal Perigoso" - jornal Público, Junho de 1994




Em 1994 havia entre a população portuguesa um sentimento de insegurança...


Estávamos no início de uma época de prosperidade económica (recebíamos muitos fundos comunitários, havia muito dinheiro a circular) e nós, portuguesitos, entrámos na onda do novo-riquismo, fartámo-nos de comprar telemóveis, computadores e roupas de marca (iam longe os anos 80, e a promessa de frigoríficos em todos os lares portugueses...). Ainda havia por aí bandos de "skinheads" a arranjar confusões, mas já tinhamos enxotado os negros e outros pobretanas para bairros periféricos e... Ops, esses mesmo começavam a revoltar-se, e a querer, também eles, telemóveis e roupa de marca!...


A maneira mais fácil (ou a única?...) de obter essas coisas, era roubar... E se fosse roubar os "pulas", melhor ainda: vingávamos 500 anos de opressão e afirmávamos melhor as nossas raízes africanas, check it out, yo! Tá-se well?


(Se não perceberam a ironia, azar!)


Mas parece que, no meio de toda esta agitação social, os portugueses - entretidos como estavam com os seus telelés, pcs e vcrs - tinham medo, sim, mas era dos "drogados"!


Isto a fazer fé no que se afirmava no jornal Público, em 19 de Junho de 1994 (e que, não desfazendo, foi talvez a primeira tentativa feita - nessa época - por um jornal português para recolher, de forma sistematizada, dados sobre a criminalidade ou, mais propriamente, o sentimento de insegurança).


Cito:


Em Portugal a noção de local perigoso está quase sempre associada à droga. Bairros e ruas onde se faz tráfico, ou que são simplesmente pontos de encontro de toxicodependentes, aparecem em quase metade da lista de locais que o Público seleccionou a nível nacional, através de um extenso inquérito em todo o país a um grupo de onze profissões.


Neste Grande Atlas do Portugal Perigoso - que destaca os pontos que aparecem mais vezes nas estatísticas do crime mas também o simples medo que certos locais promovem a quem a eles se desloca em trabalho - Lisboa vem à frente como a cidade mais perigosa. O que não espanta, num país apesar de tudo sereno, pequeno, em que as grandes cidades são raras.


Fora da capital há evidentemente locais perigosos, onde as probabilidades de haver assaltos, furtos a pessoas ou propriedades, e ofensas corporais são maiores. Mas dos 305 concelhos portugueses só em 34 apareceram lugares onde as profissões inquiridas pelo Público - Polícias (PJ, PSP e GNR), carteiros, médicos de serviço nocturno ao domicílio, assitentes sociais, bombeiros, funcionários dos telefones, transportes (públicos e taxistas) e serviços camarários - sentem receio.


Um receio que, apesar de tudo, segundo dizem, não os impede de entrar em praticamente nenhum lugar, mesmo os de pior nome. A excepção são os taxistas, da Grande Lisboa, que explicitam várias zonas onde pura e simplesmente não entram ou, se o fazem, é porque realizaram, com o cliente, acordos prévios que chegam a incluir garantias bancárias. É o caso do interior do Casal Ventoso, um dos bairros emblemáticos do tráfico de droga em Lisboa.


O espanto de muitos profissionais perante a pergunta do Público - "Quais são os locais mais perigosos em termos de crime na região em que trabalha?" - e a reacção de vários comandos distritais de polícia, que quase se ofenderam quando perguntámos "Têm medo de entrar em algum lugar?", revela a situação de pacatez nacional e explica, em parte, a ausência de várias capitais de distrito dos mapas destas páginas.


(...)


Em relação a Lisboa (...) "a confusão ajuda os ladrões. É quase mais fácil assaltar uma casa na Av. Alexandre Herculano (transversal da Av. Liberdade, centro de Lisboa) do que um apartamento em Carnaxide" (periferia de Lisboa), disse ao Público Francisco Pereira Calvão, cordenador para a área dos furtos e roubos da Polícia Judiciária.


Aliás, para a PJ é evidente que quem estiver às dez da noite na zona do Marquês de Pombal - quem for por exemplo passear para o Parque Eduardo VII, "e ainda há muitas pesoas que vão namorar para lá" - terá muito mais hipóteses de ser agredido ou assaltado do que às cinco da manhã em muitos dos locais de capitais ou vilas de província que, no contexto local, são olhados com muita desconfiança.


À cabeça de um Atlas do Portugal Perigoso deveriam estar indicados os locais onde há mais homicídios e violações. Mas o homicídio, por exemplo, "não escolhe lugar nem hora" que permitam apontar com o dedo os sítios onde há mais ocorrências, como diz o inspector João de Sousa, de departamento de homicídios e ofensas corporais da Polícia Judiciária. Restam-nos portanto as estatísticas nacionais: em 1993 houve 83 homicídios (33 no primeiro semestre, 50 no segundo), e entre 1 de Janeiro e 31 de Maio, 49.


(...)


Geograficamente, tornou-se óbvio que o crime de rua que implica violência, os assaltos a casa e lojas, é mais comum no litoral que no interior do país. Mas também é no litoral que estão concentrados a maior parte dos portugueses, muitos deles a habitar bairros periféricos e, portanto, mais pobres.


"O Grande Atlas do Portugal Perigoso"jornal Público, 19 de Junho de 1994Texto de Bárbara Dias e Rui Cardoso Martins, com David Pontes, Luís Filipe Sebastião e os correspondentes do Público que encontraram zonas de relevo nos respectivos concelhos e distritos: Alexandrina Baptista, Santarém; Carlos Camponez, Leiria; Carlos Dias, Beja; Francisco Fonseca, Barcelos; Graça Barbosa Ribeiro, Coimbra; Idálio Revez, Faro; Jorge Talixa, Vila Franca de Xira; José Parreira, Peniche; Luís Paulo Rodrigues, Famalicão; Manuel Teixeira, Matosinhos; Pedro Garcias, Vila Real; Raul Oliveira, Sines; Raul Tavares, Setúbal; Tolentino da Nóbrega, Funchal.


O método do Atlas


O Público fez uma pergunta - "Quais são os locais mais perigosos em termos de crime na região em que trabalha?" - a um grupo de profissões de Norte a Sul de Portugal, Madeira e Açores. Polícias (PJ, PSP e GNR), carteiros, médicos de serviço nocturno e ao domicílio, assitentes sociais, bombeiros, funcionários dos telefones, transportes (públicos e taxistas) e serviços camarários foram as profissões escolhidas por serem aquelas que mais directamente fazem deslocações, constantes, aos vários pontos das cidades e vilas portuguesas, independentemente de serem ou não receados.


O levantamento feito no terreno pelos jornalistas merecia, também ele, ser objecto de estudo.


Veja-se, por exemplo, o caso de Almada, que aparece com 15 entradas (o maior número de referências nesse "atlas"), enquanto, por exemplo, Setúbal é referenciada apenas 9 vezes. Eu não me sentia mais inseguro no jardim da Cova da Piedade (Almada) que na Avenida Luisa Todi (Setúbal)... E não sei o que são as "zonas escuras do Bairro do Pica Pau Amarelo": seriam as traseiras do prédio onde eu morava, no Bairro Amarelo? Mas, nesse caso, estávamos muito longe do Hospital Garcia de Orta... (Suponho que o jornalista que recolheu os dados se estaria a referir ao bairro do Valdeão... ou ao Bairro do Matadouro... ou ao Bairro Cor de Rosa... ou mesmo ao Pragal - pois são essas as zonas residenciais mais próximas do Hospital).


Sem mais comentários, aqui fica a "caracterização" das "zonas problemáticas" de Almada, segundo o Público, em 1994:


Almada
População: 151.783Desemprego: 10,8% (dados de 1994, note-se)


Zonas escuras do Bairro do Pica Pau Amarelo
Problema: Junto às traseiras do Hospital Garcia de Orta são comuns as desavenças, talvez por seu um local de tráfico de droga.


Torcatas e Pragal
Problemas: Local de concentração de consumidores de droga. Zona de assaltos também, onde os taxistas, por exemplo, não gostam de ir.


Mata de S. António, Costa da Caparica
Problemas: Zona clandestina densamente aglomerada. A própria polícia tem medo de lá entrar. Não raras vezes, embora sem eco público, verificam-se confrontos entre "gangs" de negros e cabeças rapadas.


Jardim da Cova da Piedade
Problemas: Local de concentração de toxicodependentes.


Barrocas, Cova da Piedade
Problemas: Local de concentração de toxicodependentes. Assaltos. Os taxistas sentem-se inseguros.


Quinta do Rato e Bairro da Fundação, Laranjeiro
Problemas: idem


Quinta de Sto António e Bairro de S. João, Feijó
Problemas: idem


Bairro Fundo Fomento, Vale Figueira
Problemas: idem


Charneca e Vila Nova da Caparica
Problemas: Assaltos a carros e vivendas. Os taxistas sentem-se inseguros.


Bairro Campo da Bola, na Costa de Caparica, zonas de praia na própria vila, Marisol e zona da Fonte da Telha
Problemas: Local de concentração de toxicodependentes. Assaltos à mão armada. Os taxistas sentem-se inseguros.


S. Pedro da Trafaria, zona 2º Torrão
Problemas: Droga e assaltos. Os taxistas sentem-se inseguros.


Ruelas de acesso ao cais de embarque, Cacilhas
Problemas: Entreposto fluvial. Zona de chegada e partida de "mulheres do alterno" e "utentes" do "bas-fond".


Imediações do Asilo 28 de Maio, Porto Brandão.
Problemas: Criminalidade de todo o tipo, com predominância para o tráfico de droga.


Cova do Vapor, Trafaria
Problemas: Os taxistas receiam trabalhar naquela zona.
Bairro Amarelo, Monte da Caparica
Problemas: Local de concentração de toxicodependentes. Assaltos.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Histórias do "Portugal perigoso" (4)

Portugal perigoso? Onda de violência?
Perigoso mesmo era andar na rua em Almada, nos anos 90!

Recapitulando: ainda que hoje exista um novo tipo de criminalidade (não o nego: é evidente), eu não me sinto mais inseguro.

Sei que me arrisco a estar no local errado, à hora errada, e a ser vítima de algum criminoso mais violento (ou mais "profissional"). Mas, nos anos 90, esse risco era constante: bastava andar na rua, a partir do início da noite, ou apanhar um autocarro para a Costa de Caparica (ou qualquer outro, que passasse pela periferia de Almada) para correr o risco de ser assaltado por um bando de imbecis dos subúrbios.

Os autocarros eram, nesse tempo uma espécie de Kinder Surpresa (passe a publicidade): não sabiamos o que ía lá dentro antes de lá entrarmos. E às vezes a "surpresa" era pancadaria e assaltos.

O quinzenário Sul Expresso tentou, nesses tempos turbolentos, perceber que raio se estava a passar. E, entre 1995 e 1996 produzimos as seguintes peças jornalísticas - assinadas pelos jornalistas António Vitorino e Marina Caldas:








Agora que essa delinquênca juvenil quase deixou de existir (veja-se o que diz o mais recente relatório de segurança interna...), seria talvez interessante - e útil - tentar entender como (com que recursos, com que métodos...) o assunto foi trabalhado pelas intituições locais e nacionais, desde os anos 90 até à actualidade.


Mas nem sempre a comunicação social tenta encontrar explicações para os factos. É triste, existe, não é fado, mas é verdade...

Histórias do "Portugal Perigoso" (5)

Não digam que ele não avisou...

(Em Setembro de 1996, o criminologista, ex-agente da Polícia Judiciária - e actual presidente de Câmara - Francisco Moita Flores analisava assim a "onda de violência" desse ano e a cobertura que lhe foi prestada pelos "media". Um texto muitissimo actual em 2008 - surpreendentemente, ou talvez não...)




O triste espectáculo da violência

As cadeias de televisão, os jornais, os poderes instituídos, sabem como a gestão das emoções faz crescer audiências, aumenta a tiragem de jornais e é um belíssimo investimento para a angariação de votos. Mostrá-la, discuti-la, não tem como finalidade explicar ou compreender mas seduzir pelo medo, provocar a debilidade e a insegurança que faz pender os favores dos destinatários deste espectáculo mediático para o lado de quem melhor demonstrar o poder de dominar, ainda que de forma aparente, a morte e a violência.

Foi assim que o crime, enquanto espectáculo mediático, ganhou carta de alforria. Os noticiários fornecem-no em doses concentradas e com uma tal unidade que durante 30 minutos desfilam ante os nossos olhos a morte do árbitro em Portugal, seguido do indivíduo que matou crianças na Escócia, para nos aparecer o homem que, na Austrália, assassinou não sei quantos cidadãos e, logo, a quadrilha de pedófilos e homicidas belgas, para se misturar tudo com os ataques ao Iraque, a continuação da morte e devastação na Joguslávia e terminar com cenas do julgamento do bando do multibanco ou as últimas notícias do extripador de Lisboa.
Postas as coisas nestes termos, parece excessivo, mas não o será para quem acompanhar com regularidade os noticiários televisivos. Podem variar os ingredientes, mas o caldo tem sempre o mesmo objectivo - entregar emoções, inquietar, fazer saltar a lágrima, a indignação, o horror e, sobretudo, o medo.


Perdoai-me não alinhar neste coral de histerismo mediático, mas os acontecimentos das últimas semanas são uma manifestação natural da evolução da criminalidade em Portugal.
Será que devemos atribuir à Comunicação Social em geral e às cadeias de televisão em particular a maior ou, pelo menos, significativa parcela de responsabilidade nesta apetência desmedida - diria quase histérica - para a exibição da violência e consequente especulação em torno de fenómenos artificiais? Pensamos que não. Ou melhor, pensamos que a sua parcela de responsabilidade, enquanto emissor, é menor que a nossa, enquanto receptores.

(...)

Há uma interacção paradoxal entre poder e Comunicação Social. Entre a exigência da racionalidade e a manipulação da afectividade. O poder, para se afirmar, precisa da mediatização. Tal facto pressupõe a transferência de territórios. O espectáculo substituiu-se à explicação demopédica, a propaganda substituiu a informação.

(...)

Não é possível desejar viver numa sociedade de risco e, a seguir, querer anular a própria ideia de risco. Reforçar corpos de segurança, sejam eles a PSP, a segurança social ou a segurança rodoviária, é apenas tomar a nuvem por Juno, escamotear a essência dos fenómenos perante as realidades nacionais que se desenvolvem em rápida mutação.

(...)

Milhares de polícias não modificam o carácter funcionalista das grandes metrópoles, não poderão combater o individualismo feroz que emerge do aprofundamento das políticas neoliberais, nem reduzirão os pólos de tensão, as manifestações de agressividade, o «stress» que se desenvolve nas grandes concentrações demo-urbanísticas, e que aceleram a morte por enfarte, a morte por acidentes de viação, a morte por acção criminosa.

(...)

Cada vez que recomeça o folhetim da insegurança, os oradores oficiais desconhecem que estão a falar praticamente de duas grandes regiões metropolitanas, para as confundir e identificar com o País.

(...)

Começa a chegar a hora de ir avisando os milhões de sedentos de emoção que, no campo meramente criminal, o futuro que nos espera promete mais altas taxas de criminalidade, maior violência nas acções, crescente intensidade no consumo de psicotrópicos. Já não é nenhuma novidade.

(...)

A retenção do fenómeno só é possível com medidas que invistam no reforço dos laços psico-afectivos, com um forte empenho na formação escolar, na educação cívica, na apreensão dos valores mais profundos da cultura humanista, com a anulação do sentido da ameaça e do risco, no que respeita à situação económica e social das poçulações.

Francisco Moita Flores,
artigo publicado na revista do Expresso,
em 21 de Setembro de 1996




sexta-feira, setembro 26, 2008

Eu sabia!


Na sequência da requalificação urbana, proporcionada pelas obras no "espaço-canal" do Metro Sul do Tejo, o comércio tradicional almadense vai criar uma marca própria «que nos defina e nos proteja, e que ofereça ao grande público uma identificação maior», como afirma à jornalista Cristina Isabel Pereira, do Jornal da Região, o presidente da delegação de Almada da Associação de Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal, Luís Henriques.

Apetece-me dizer: eu sabia! As minhas fontes já me tinham dito!
E não estou a brincar: é mesmo a sério!
Tinha esta informação comigo desde Março (há seis meses, portanto), tal como tinha outras (por exemplo, uma longa entrevista com António Neves, presidente da Junta de Freguesia da Costa de Caparica, na qual o autarca afirma que se vai candidatar a mais um mandato, findo o qual, possivelmente, deixará o cargo, com a obra do Polis já concluída...) - matéria jornalística que, infelizmente, não tive oportunidade para publicar antes do Jornal da Região o fazer (e agora, nem antes nem depois).

A concorrência é uma coisa porreira, pá: faz-nos ter pontos de referência para melhorar o nosso próprio trabalho.

Mas, para que isso aconteça, é preciso ter onde publicar o nosso trabalho. Não é?...

terça-feira, setembro 23, 2008

Preparados para mais uma Feira do Fanzine?


Almada tem, desde os anos 90 (do século passado) uma mostra internacional de publicações alternativas: a Feira do Fanzine.

Foi, aliás, durante uma das primeiras edições do evento que surgiu pela primeira vez o poezine Debaixo do Bulcão - publicação de poesia criada por este vosso amigo (com a ajuda de outros amigos deste vosso amigo, como é óbvio...), a qual ainda hoje continua a ser editada (blog: http://debaixodobulcao.blogspot.com/).

A próxima Feira do Fanzine realiza-se já em Novembro. Mas atenção, que está quase a terminar o prazo para entrega de trabalhos!

«Enviem as publicações para a grande exposição de fanzines e publicações alternativas vindas de todo o mundo juntamente com a ficha de inscrição em anexo por via postal, até ao dia 3 de Outubro.
Não se esqueçam de pedir a ficha de inscrição e o regulamento para fanzine2008@gmail

Almada Fashion no Almada Cultural: reportagem de Bruno Martins...


Em nome do comércio local, o Complexo Desportivo de Almada recebeu, no sábado, a edição do Almada Fashion’2008. Impedida a realização na Praça da Liberdade, devido às condições meteorológicas, o evento teve, contudo, casa cheia.

Reportagem e fotos de Bruno Rodrigues Martins:

segunda-feira, setembro 22, 2008

Dia sem carros? Boa! E para quando a cidade sem carros?


Hoje, Dia Europeu Sem Carros, passei pela "zona pedonal" da cidade de Almada, entre as praças Gil Vicente e São João Baptista - zona que estava, como é costume, invadida por carros.

Acontece que a "zona pedonal" até está devidamente assinalada, com um painel que avisa ser aquela via apenas para veículos autorizados (por exemplo: residentes e viaturas de emergência).

Mas parece que, em Almada, todos os condutores se consideram "autorizados"! Será isso?

a propósito...

segunda-feira, setembro 15, 2008

Jornalista procura trabalho e/ou emprego


Caros amigos:


Terminei a minha colaboração com o jornal Notícias da Zona e, consequentemente, encontro-me desempregado e disponível para trabalhar em qualquer área da comunicação social (pois é essa a área profissional em que exerço a minha actividade desde o início da década de '90).


Tenho vasta experiência de trabalho na imprensa regional (rádio entre 1987 e 1995; jornais e revistas desde 1995), e em outras actividades relacionadas com comunicação social, animação cultural (e afins...) como poderão confirmar consultando a barra lateral deste blogue (mas leiam mesmo: não vejam só os bonecos, ok?)

Aliás, foi essa vasta experiência (e, pelos vistos, alguma competência, até) que fez com que o director do mencionado jornal me convidasse para assumir uma eventual futura edição desse quinzenário noconcelho de Almada.

Mas as coisas nem sempre correm como a gente deseja, não é?...

(Na foto: sim, sou eu, na redacção do Notícias da Zona, em Abril deste ano, fotografado pela jornalista Catarina Cabral.)

terça-feira, setembro 09, 2008

Festa do Avante 2008 - reportagem no Almada Cultural (por extenso)


Já estão disponíveis imagens da Festa do Avante 2008 no Almada Cultural por extenso. Fotos (minhas) e reportagem (de Bruno Rodrigues Martins), aqui:

http://almada-cultural2.blogspot.com/search/label/Festa%20do%20Avante%202008

quinta-feira, setembro 04, 2008

É assim a Festa (do Avante)!!!

O grande final da Festa do Avante de 2007.

Mais vídeos no Canal Bulcânico:

http://www.youtube.com/bulcanico

O verdadeiro espírito da Festa!


Todos os anos, quando se aproximam os 3 dias da Festa do Avante, ouço as mesmas conversas: «que o programa deste ano está fraco, não há nada de jeito, nem sei se vale a pena ir», etc. etc. etc.

Claro que, muitas das pessoas que dizem isso acabam mesmo por ir. E porquê?
Porque, meus amigos, a Festa do Avante não é um festival de verão (já existia muito antes, e há-de continuar a existir quando esse formato de entretenimento já tiver passado de moda), não é um pacote de concertos de bandas mais ou menos consagradas - é muito mais que isso!

Quem lá foi sabe muito bem a que me refiro: esse "espírito da Festa (do Avante!)" que só existe ali, e em mais nenhum evento ou local. A quem não conhece, eu não sou capaz de explicar. Só mesmoexperimentando...

A Festa é (como se tem dito muitas vezes) um espaço de encontros, e de reencontros. Mas é, sobretudo, uma ocasião e uma oportunidade para a descoberta: de músicas, de modos de ser, de gastronomias... e de lutas e experiências políticas, como é óbvio!

E quanto à suposta "pobreza" da programação dos palcos... lembro-me, por exemplo, de um grande concerto (no Alto da Ajuda, no limiar dos anos 80) com uns desconhecidos que se chamavam Dexy's Midnight Runners; ou de outro grande concerto, de uma brasileira que por cá (quase) ninguém conhecia, chamada Simone de Oliveira... Ou de um tal Billy Bragg que, já no final dessa década, encheu (sozinho com a sua guitarra acústica) o enorme palco de Loures...

Eu sei que, usando este tom tão propagandístico, nem pareço um jornalista. Mas que querem? Eu conheço a Festa do Avante desde 1977 (no Jamor) e, durante 20 anos, não falhei uma... Não posso, portanto, ficar indiferente ao maior evento social, cultural e político que se realiza no nosso país.

Este ano espero estar lá em serviço, como jornalista. Aí, a conversa será diferente. Como se dizia no "meu tempo", trabalho é trabalho, conhaque é conhaque! (Embora, às vezes, seja difícil saber onde acaba o trabalho e começa o conhaque...)

Até para a semana! E (para os que lá forem) boa festa!

Parece que os anos 8o estão na moda...


... por isso mesmo aproveito a "moda" para partilhar convosco alguns grafismos de edições antigas da Festa do Avante. São as EP (entrada permanente - bilhete para os 3 dias da festa) de 1981, 1982, 1984 e 1985, e um cartão de participante, de 1985, quando lá estive a dar uma ajuda no stand do Centro Cultural de Almada.









quarta-feira, setembro 03, 2008

Armindo Rodrigues (1904 - 1993) na Festa do Avante de 2008


A Festa do Avante evoca este ano um dos mais interessantes - e mais esquecidos - poetas portugueses do século 20: Armindo Rodrigues.

Escritor de um lirismo viril e rigoroso, militante do PCP e lutador anti-fascista... Uma das minhas principais influências poéticas...

Tive a sorte de o ver recitar poemas seus em Almada, no início da década de 1980 (num festival de poesia em que eu tive também o atrevimento de participar... mas isso é história para contar noutra ocasião).


Eis aqui alguns dos seus poemas:



Vem já de longe o moderno,
Mas o antigo vem mais.
Por isso o olhar mais terno
É para as coisas banais.
O que é antigo é seguro.
O que é moderno amedronta.
E ao puro chama-se impuro
Porque a impureza afronta.
Quem é mais crê que novo cria
Que mais faz que repetir?
Nova é só a alegria
De imaginar descobrir.


-----------------------------------


Liberdade

Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.

É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.


------------------------------------


Prisão de Caxias, 1949

Como fantasmas, sem repouso,
no corredor andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite.
Nuvens vazias lhes pesam.
Um vinho azedo os corrompe.
O corredor é longo e estreito
longo e sujo,longo e escuro.
Do tecto baixo as lâmpadas exaustas
dir-se-ia que de remorsos lhe põem mais sombras
na atmosfera sombria de remorso.
Só nas salas, fechados, os presos falam,
os presos riem,os presos cantam.
Não há remorso na lembrança deles.
Na desgraça deles não há remorso.
O remorso ficou lá fora,
no corredor onde andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite,
a manchar de vergonha a vida
e a fazer nojo aos escarradores
alinhados contra a parede.
O remorso ficou lá fora,
na felicidade e na cobardia
dos que se alheiam do combate.

Na minha sala há treze presos.
Treze são as salas que dão
para o corredor onde andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite.
Maldita seja a maldição
com que à honra se responde.
Cada sala tem uma janela
que nem finge de fingimento,
porque além da barreira das grades
em frente um talude nos cobre
a despreocupação de ave
do horizonte desdobrado,
e lá fora andam outros guardas,
de carabina ao ombro, dia e noite.

Na minha sala há treze presos,
com treze protestos erguidos,
mas erguida uma só bandeira.
São criminosos de querer,
num tempo torpe de prisões,
as torpes prisões arrasadas.
Os outros presos, nas outras salas,
sangram das mesmas feridas,
ardem de desejo igual.
Estão aqui presos, mas são livres,
porque neles a justiça
sopra como os vendavais.
A prisão ficou lá fora,
nos felizes e nos cobardes.


Armindo Rodrigues




E também no Almada Cultural por extenso (citado do semanário Avante):


segunda-feira, setembro 01, 2008

O trabalho antes da Festa!


A Festa do Avante (é já no próximo fim de semana...) faz-se com o trabalho voluntário de muitos militantes e simpatizantes do PCP. Participar nas brigadas de trabalho é experiência enriquecedora: além do convívio, e dos amigos que se fazem nessas ocasiões, aprende-se sempre alguma coisa com os mais experientes nessas lides (aqueles que participam na construção da Festa há muitos anos).

Eu tive a felicidade de ajudar a construir a Festa, em diversas ocasiões, nas décadas de 1980 e 1990. Motivos pessoais e profissionais fizeram com que deixasse de marcar presença nessas jornadas de trabalho. Mas o meu respeito e a minha admiração pelos obreiros da Festa mantêm-se intactos.

A imagem que ilustra este "post" é de 1991: o segundo ano em que a Festa do Avante se realizou no terreno da Quinta da Atalaia (cidade de Amora, concelho do Seixal...). O resultado desse trabalho (ou seja: a Festa propriamente dita) foi divulgado pelo semanário do PCP (o Avante!, pois claro) numa memorável foto-reportagem.

Encontram algumas dessas imagens no Almada Cultural (por extenso).

Aqui: