O Ponto de Encontro (a "mítica" Casa da Juventude, em Cacilhas, Almada) faz hoje 20 anos: abriu portas no dia 23 de Abril de 1989. Eu, que fui um dos assíduos frequentadores desse espaço, queria poder assinalar condignamente a data - com uma peça jornalística bem feita, que incluisse referências às origens do projecto Casa da Juventude de Almada, relatos de utilizadores daquele espaço durante os anos 90, e - eventualmente - depoimentos de actuais responsáveis pela política autárquica para a juventude.
Mas não o consegui fazer em "tempo útil" (ou seja, a tempo de assinalar a efeméride).
Portanto, não podendo trazer aqui uma peça jornalística, trago o quê? Memórias? As minhas memórias? Pois seja... (mas não será só isso, aviso já).
Lembro-me que, em finais dos anos 80, a Câmara Municipal de Almada (CMA) andava de olho num palacete do Laranjeiro (a Quinta de Santo Amaro) para lá instalar uma Casa Municipal da Juventude. Mas parece que a aquisição daquilo não era assim tão fácil (e o espaço estava tão degradado que necessitava de grandes obras de reabilitação - e só foi comprado mais tarde, e inaugurado já no final dos anos 90), pelo que os responsáveis autárquicos procuraram então alternativas.
Havia, na zona alta de Cacilhas, um edifício "mais ou menos abandonado" (digo eu - lembrem-se que isto é um desfiar de memórias e não uma peça jornalística), que esteve para ser um restaurante panorâmico mas que, nessa época, era só uma construção de paredes nuas. A qual, não por acaso, eu visitei, em 1989, e conheci assim mesmo: edifício em bruto, paredes nuas, e formidável vista para o Tejo.
Maria Emília de Sousa, presidente da CMA, explicou recentemente à revista P'Almada como quando e porquê a edilidade decidiu adquirir aquele espaço. Cito, com a devida vénia, um excerto da entrevista conduzida por Vanessa Fernandes (não é essa... e, a propósito, eu também não sou o outro António Vitorino - é que já houve quem se enganasse, ah ah ah!...):
«Antes do 25 de Abril e até aos anos 80, os espaços de encontro das pessoas eram os cafés, as esplanadas e nos anos 80 isso acabou! Os cafés deixaram de ter mesas, passaram a ter só os balcões, houve aqui uma lógica muito mercantilista e os espaços de encontro deixaram de existir. Nem um banco na rua para as pessoas se encontrarem, para estudarem, para terem projectos. E é aí que nasce o Ponto de Encontro.»
A autarca conta então como encontrou o tal edifício, «uma casa fantasma que se via a partir do Tejo, abandonada, completamente degradada». Era um projecto de restaurante panorâmico, «um processo que nunca mais andava», que vinha de antes do 25 de Abril. O proprietário do edifício «tinha investido ali tudo, o Presidente (da Câmara) no tempo do fascismo tinha-lhe prometido ajuda (...) as ajudas falharam e ele estava na penúria.» A Câmara adquiriu então o edifício por 20 mil contos - 100 mil euros.
Sem verba para investir de uma vez só na recuperação do edifício, a CMA decidiu «adaptar aquele espaço de entrada como polivalente, como espaço de encontro e depois ser acabado à medida que os jovens o apropriassem e desenvolvessem projectos que justificassem o investimento».
Claro que é aí que eu - e outros cromos dos anos 90 como eu - entro (entramos). Mas, antes de falar da minha experiência, cito ainda a presidente de todos os almadenses.
«Foi extraordinário porque com o edifício inacabado, sem chão, em tosco, começou a construir-se como que um alfobre de organizações juvenis. Este espaço de liberdade que foi o Ponto de Encontro desde o início, este desafio aos jovens: mostrem o que querem fazer, demonstrem que é preciso ir mais longe! Eu acho que foi muito interessante, porque de facto os jovens tomaram em mãos a Casa por inteiro e justificaram tudo o que veio a seguir, a própria Câmara ter alargado de alguma forma o investimento nesta área e depois ter avançado para outros projectos: o Centro de Informática e Documentação - Espaço Jovem no M. Bica, o Centro Cultural Juvenil de Santo Amaro, o Centro de Lazer de São João e todos os projectos que aí estão.»
Antes de continuar - e para poupar trabalho a quem quiser dizer mal - esclareço que: sim, apoio este executivo camarário almadense (apesar de algumas asneiras pontuais que têm cometido com obras recentes); vou votar neles, sem dúvida (até porque, depois de ter vivido em municípios geridos por PS - Setúbal e Portalegre, nos anos 90 - e PSD - Viseu - não encontrei melhor, e porque, conhecendo como conheço o PS almadense e as suas manobras com "cidadãos indignados", e anónimos, não me merecem nenhuma credibilidade); mas não tenho contrato nem procuração para defender a CDU, nem ganho nada com isso (contrariamente ao que alguns ressabiados anónimos e supostamente apartidários diriam, se isto fosse um blogue aberto a peixeiradas, como outros são). Fica, portanto, justificado o "tempo de antena" que aqui dou à "czarina": é porque eu sou um comuna sem emenda, e assumido, ainda por cima!
Ora, o comuna sem emenda que eu sou - e assumido, ainda por cima - estava, em 1989, e em boa hora, a desistir das suas ambições políticas. Se bem me lembro, ainda fazia parte da Comissão Distrital de Setúbal da JCP, mas já reconhecera que não tinha nenhuma apetência, ou talento, para enveredar por uma carreira política.
Felizmente, conheci nessa altura, pessoas de um meio cultural alternativo - as quais paravam na Tasca do Cão mas, rapidamente, se apropriaram do Ponto de Encontro.
Ora, o que era o "meio cultural alternativo" na transição dos anos 80 para os anos 90?
Era muita coisa. Vários grupos, com interesses diversificados.
Era (como já referi) o pessoal que parava na Tasca do Cão (ou no Miradouro, também) e que poderiam ter ficado por ali, se não houvesse o Ponto de Encontro, onde tiveram a oportunidade de desenvolver as suas capacidades artísticas. Era, por exemplo, o Núcleo de Artes Plásticas do Laranjeiro (num tempo em que não havia ainda equipamentos culturais no Laranjeiro vocacionados para esses jovens - e que, por isso mesmo, procuraram apoio no Ponto de Encontro, em Cacilhas). Mas era, também, a Associação de Jovens de Cacilhas, dinamizada pelo então responsável pela casa da juventude: o Tó Vieira.
Chamava-se a isso associativismo juvenil informal. E funcionava.
Claro que. desde o início, o Ponto de Encontro ficou na mira dos "velhos do restelo": porque os jovens "faziam barulho" e porque era - dizia-se - um "antro de drogados". Jovens a fazer barulho? Epá, dessem-lhes Xanax (mas sem álcool, porque o Xanax potencia o efeito do álcool e aí a emenda é pior que o soneto), enquanto não se inventa uma maneira mais rápida e eficaz de fazer com que os jovens fiquem velhos e normalizados (ou formatados, como se diz agora).
Drogas? OK, isso merece uma reflexão mais séria. Não agora (daria outro artigo, mais extenso
que este).
Mas, para bom entendedor:
a) no Ponto de Encontro não se consumiam drogas ilícitas: só álcool. Há drogas bem menos perniciosas, mas não são legais e, por isso mesmo, não se consuniam no Ponto.
b) é verdade que, à porta, se instalou um "posto de venda". Mas era à porta: na via pública. Caso de polícia que, de resto, a polícia (algumas vezes...) tratou de resolver.
c) quem enveredava por esses caminhos de drogas duras autoexcluia-se do grupo de pessoas que ali tinham interesses culturais; aliás, eram desprezados e alcunhados de "carochos".
Hei-de voltar a este assunto. A Câmara de Almada está a preparar algumas iniciativas para comemorar os 20 anos do Ponto de Encontro e eu aproveitarei o ensejo para desenvolver o tema.
Que bem merece ser desenvolvido.
(Fotografias cedidas por José Pereira: actividades no Ponto de Encontro, em 1989)