quarta-feira, abril 15, 2009


DEBAIXO DO BULCÃO


Gente muito sábia
Anda a discutir os crimes
Que cometemos contra a natureza…

E dizem-me que ela anda apavorada
Vingando-se muitas vezes
Por meio de calamidades terríveis

Estão a ver, não estão?
Tremores de terra, inundações, fogos…
É ela a vingar-se

Mas ela avisa primeiro
Avolumando nimbos, aglomerando-os
Por cima das nossas cabeças distraídas

É o bulcão a exprimir o seu desgosto
E a sua ira
Antes de nos mergulhar nas trevas

E tudo isto porque eu deixo a torneira a pingar
E não apago a luz quando já dela não preciso
E abro muitas vezes a porta do frigorífico…

Criminoso! O que tu andas a fazer!
Gritam-me. E o escuro bulcão entra em mim
Sou só negrume, só tristeza…

Eu que já ando há tanto tempo numa fase
Lúgubre, de desempregado desesperado,
Doente e sem assistência…

Debaixo do bulcão
Sou alvo de um crime anti-homem
Que alguém vil comete impunemente

Se eu pudesse fazer como a natureza!...
E vingar-me! Desmoronando governos
Em tremores de terra só para eles!...

Não digam nada a ninguém, peço-vos,
Mas vou perguntar ao Vitorino como é
Que ele prepara os bulcões poéticos

Pode ser que eu consiga na base da Poesia
Modificar a fórmula bulcónica
E desagravar os pobres “criminosos” que somos
Tornando logo visíveis os que cometem o crime
de não nos deixar viver em paz com a nossa natureza,
e depois … apetece-me dizer: seja o que Deus quiser!


Alexandre Castanheira
Em "Tempo Meu"
edição Poetas Almadenses, colecção Index Poesis,
Almada, Fevereiro de 2008
(embora esta seja uma versão ligeiramente diferente, publicada no Debaixo do Bulcão poezine, nº31, em Dezembro de 2007...)

Ilustração: cartoon publicado no jornal Avante! em 1991.

A propósito, e para que ninguém se melindre: bulcão e vulcão são palavras distintas.
Bulcão é isto:

(clique na imagem para ampliar e ler a definição de bulcão)

2 comentários:

Anónimo disse...

Tens razão, parece que é tempo de um Bulcãozorro se abater sobre a podridão imunda que nos vai consumindo. Quiçá, até vários bulcãozorros unidos.

Saudações do Marreta.

Debaixo do Bulcão disse...

Caro Marreta: quem tem razão, neste caso, é o autor do poema. O Alexandre Castanheira!

AV