«As crianças não precisam de tempos livres: precisam de uma casa!», ou «Querem brincar com barro? É só levantar o tapete que logo o encontram!» - duas respostas que, há 30 anos, os pais das crianças da zona do Bairro do Matadouro, em Almada, deram a quem queria implementar ali um centro de Actividades de Tempos Livres.
Tais afirmações constam de um interessantíssimo documento, com data de 25 de Novembro de 1979. Nesse - que foi o Ano Internacional da Criança, note-se... - as prioridades eram ainda, em muitas zonas do concelho, o combate à pobreza. Primeiro, à pobreza palpável (uma casa decente, alimentação...). Só depois à pobreza cultural.
Quem, nesse tempo, trabalhava em prol da educação desse pobre povo almadense, merece o máximo respeito e a maior admiração. Trabalharam em condições muito difíceis - e, assim, desbravaram o caminho que as gerações postriores tiveram a felicidade de seguir. (Ainda que hoje exista um retrocesso - aparente, apenas? - nesta e noutras matérias.)
A divulgação que faço deste documento é, então, uma homenagem a esses educadores - e espero que seja entendida apenas como aquilo que é!
«Quando se fez propaganda e o porta-a-porta a explicar a importância dos tempos livres, aos pais das crianças, a resposta que tinhamos - e que não podíamos rebater perante os factos evidentes - era que aos seus filhos fazia-lhes mais falta uma casa do que os tempos livres. Quando para os convencer da importância para o desenvolvimento mental e cultural das crianças lhes falávamos dos trabalhos que os miúdos poderiam fazer, inclusivamente trabalhar com o barro, a resposta que obtinhamos era de que bastaria eles levantarem o tapete para poderem encontrar e amassar o barro. Por outro lado, nós tinhamos consciência plena de que o pouco trabalho que fizemos com o apoio da assistente social que aqui estagiou era de que a felicidade que as crianças mostravam quando trabalhavam connosco, daí a pouco desapareceria quando chegassem a casa. Encontrariam a escuridão do seu bairro, a lama, o lixo e as fossas de todos os dias, a cama molhada pela chuva, e os berros dos pais que não sabiam o que fazer à vida, tudo isto em contraste com as lindas histórias que lhes contácamos e as cores que produziam no papel. Nós sabíamos que as crianças eram crianças quando estavam connosco, mas que depois perante o meio em que viviam se tornavam forçosamente adultas, perante as condições de vida familiares, e nalguns casos a constatação da prostituição descarada das mães.»
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