Almada teve um papel importante num dos momentos decisivos para a independência nacional: a Revolução de 1383-85, que contrariou as pretensões castelhanas ao trono de Portugal, e levou ao poder o primeiro rei da Segunda Dinastia. Num momento histórico repleto de peripécias - das quais a mais conhecida, e celebrada, será a Batalha de Aljubarrota - o cerco a Almada tem, contudo, algumas das mais interessantes (interessantes seja qual for o ponto de vista...). E dava um filme!
Querem conhecer um pouco dessa história? Sigam-me: vou contar-vos o que diz o cronista Fernão Lopes (socorrendo-me também, e muito, de um texto de Alexandre Magno Flores, director do Arquivo Histórico de Almada). O texto de Alexandre Flores está entre aspas; o original, de Fernão Lopes, em itálico.
"Com a morte do rei D. Fernando, ocorrida a 22 de Outubro de 1383, pouco depois do casamento da sua filha com D. João de Castela, a regência do reino foi entregue à rainha D. Leonor. Tendo em conta os termos do contrato daquele casamento, nem o rei de Castela, nem a maioria do povo português aceitaram tranquilamente a solução então adoptada.
D. João de Castela pretendia, de facto, assenhorear-se do reino de Portugal. Por outro lado, o povo português receava que a regente acabasse por entregar a coroa ao filho e ao genro."
(...)
"Estavam divididas as opiniões, pois além do Mestre de Avis" (D. João, futuro rei D. João I) "e do rei de Castela, pretendiam a coroa os dois filhos de Inês de Castro, D. João" (rei de Castela) "e D. Dinis. Nesta crise, a maioria da fidalguia decide-se pela viuva D. Leonor e depois em favor do rei de Castela, enquanto que o povo, a burguesia comercial-marítima e alguns altos dignatários, tomam o caminho da revolução"
E é mesmo de uma revolução que se trata. Encabeçada pelos burgueses (nova classe social emergente) de Lisboa, mas rapidamente secundada pelo povo - a arraia miúda, como lhe chama Fernão Lopes - e superiormente dirigida, a nível militar, por Nuno Álvares Pereira.
Tudo começa a 6 de Dezembro de 1383 quando, na sequência de uma conspiração engendrada pela nova classe social, um grupo de "comandos" - que inclui o Mestre de Avis, D. João - se dirige à corte e assassina o Conde de Andeiro (amante da rainha regente, considerado partidário da causa castelhana e, eventualmente, pouco mais que um bode expiatório da história). Este assassinato político serve de rastilho ao que vem a seguir: os instigadores do golpe (burgueses de Lisboa, liderados por Álvaro Pais) enganam o povo da capital, espalhando um boato segundo o qual o Mestre de Avis (personagem indecisa politicamente, mas acarinhada pela população) foi alvo de uma cilada na corte (ou seja: exactamente o contrário do que acontecia efectivamente!).
A palavra de ordem era: ao paço, ao paço, que matam o Mestre!
Vendo que o Mestre estava vivo, a população de Lisboa rejubila e, em seguida, ataca tudo o que cheire a castelhano, ou pró-castelhano. À fúria popular não escapa, sequer, o Bispo de Lisboa: atirado, ainda vivo, da torre da Sé Patriarcal, é deixado em agonia e pasto de cães esfomeados.
(A propósito: a bem da verdade histórica, ou do que se supõe ser a verdade histórica, não irei, neste relato, omitir alguns factos mais escabrosos, ou eventualmente mais chocantes - porque, dizem as fontes históricas, tais factos aconteceram mesmo!)
Com a revolução em marcha, a regente D. Leonor foge de Lisboa e , em seguida, refugia-se em Castela, onde pede ajuda ao rei D. João. Este avança com o seu exército sobre terras portuguesas. O primeiro objectivo é cercar Lisboa, obrigando os conspiradores - e o Mestre de Avis, já então aclamado "regedor e defensor do reino" - a capitular. Mas, para que o cerco a Lisboa resulte, é importante ocupar Almada, considerada assi come chave do mar pera quallquer armada que elRei de Castella sobre a çidade quisesse fazer.
Almada que, entretanto, se tinha já decidido pela causa independentista - do Mestre de Avis - e que viria, por isso mesmo, a sofrer um cerco feroz, durante largos meses de 1384.
Almada que, entretanto, se tinha já decidido pela causa independentista - do Mestre de Avis - e que viria, por isso mesmo, a sofrer um cerco feroz, durante largos meses de 1384.
Os castelhanos montam, então, o cerco a Lisboa. E, a partir de Maio desse ano, cercam também o Castelo de Almada. Os habitantes da vila, sitidos entre muralhas e a escarpa sobre o Tejo, vão passar duras privações e cometer actos de memorável heroísmo. Mas, no plano militar, as coisas não começam bem: alguns personagens influentes são capturados logo no início das hostilidades...
"A 11 de Junho de 1384 é preso em Almada, Diogo Lopes Pacheco, já com idade avançada, que entretanto chegara de Castela com os seus três filhos e 30 homens, para auxiliar o Mestre de Aviz. A mesma sorte coube também ao Regedor de Almada, Afonso Galo."
Mas isso era apenas o princípio...
(continua)
Foto: revista Sem Mais, Setúbal, 1995 - "O Castelo da Resistência", um dos primeiros artigos que fiz para a imprensa escrita...
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