Toda esta euforia comemorativa faz-me lembrar uma frase que, salvo erro, é do Almada Negreiros: Portugal, o país onde Camões morreu de fome e onde toda a gente enche a barriga de Camões! (Corrijam-me se estiver errado.)
Enquanto José Afonso foi vivo e bem vivo, era um baladeiro de intervenção, um gajo incómodo e, pior, um perigoso esquerdista (repararam que desta vez não escrevi "comunista", não repararam?...).
Agora, aqueles que ele incomodou, e que se incomodaram com ele, tecem-lhe os mais rasgados (e descarados) elogios.
Agora, que passaram 20 anos, comemora-se alegremente o aniversário da sua morte. (Também já devem ter reparado que em Portugal só se comemoram as mortes. Porque será?...).
Metem-no em cima de um pedestal e chamam-lhe, porreiristicamente, O ZECA!!!
Dá vontade de fazer como o outro personagem e perguntar: mas onde é que vocês estavam há 20 anos, quando "o Zeca" morreu?
Eu cá tenho um bom alibi, estou safo.
No dia 23 de Fevereiro de 1987 tinha acabado de chegar a um sítio ultra-secreto (embora tenha uma paragem de autocarros da Carris à porta) para fazer um "mini-curso intensivo de Marxismo-Leninismo", digamos assim para abreviar.
Estava, portanto, num grupo sujeito a regime de clausura temporária e voluntária. Quando soubémos, pela televisão, da morte do Zeca (pois, era assim que nós lhe chamávamos nessa altura...) ficámos todos muito consternados, como seria de esperar.
É que, afinal, nós (o grupo em que eu estava então incluído) fazíamos parte daquela minoria militante que cantava as canções dele como se fossem hinos para encorajar a resistência à sociedade neo-liberal que então começava a dar os primeiros passos e hoje está mais que consolidada (até ver).
Comemorar a morte do "Zeca"?
Tenham dó!
António Vitorino
4 comentários:
Não é bem assim como tu dizes Vitorino.
Se o tratassem bem, 20 anos depois, não transmitiam o seu último concerto no Coliseu de Lisboa às três da matina, de 23 de Fevereiro...
Deviam estar com medo de qualquer coisa... não percebi o quê... claro que também não era para perceber.
Mas eu não digo que o estão a tratar bem, Digo que estão a ser pelo menos hipócritas. Aliás, não serão os mesmos que no dia da morte dele (em 87) transmitiram na RTP um programa que tinha sido gravado em 80 e nunca tinha saído das prateleiras lá da vetusta e respeitável estação emissora?
(Para quem não se lembra, o caso aconteceu mesmo e o programa passou ontem várias vezes mas na RTP Memória)
Toda esta cobertura que estão a dar ao Zeca, não é muita e muito menos com qualidade. A rtp tem de certeza coisas muito mais interessantes a mostrar sobre o trabalho dele e a época dele do que aquilo que mostrou. Mostraram o batidissimo (apesar de lindo) ultimo concerto dele e passaram um programa com uns convidados e tal que neste momento são os representantes da esquerda acomodada, ou esquerda-lux como queiram. De resto, no telejornal da RTP meteram-no como última notícia, dando-lhe um estatuto de efeméride que é o que interessa ao actual sistema. Passar a noticia mas contextualizá-la de uma forma que retire relevância à profundidade que o pensamento do Zeca tem ou deveria ter nos dias de hoje. De resto é mesma comunicação social que despreza nomes como o Zé Mário Branco, Fausto, Júlio Pereira, Sérgio Godinho, Vitorino, Janita, isto para falar dos vivos, não contando com Carlos Paredes, Adriano etc. Mas a Amália e o fado continuam a ter muita propaganda: a grande expressão musical portuguesa!: qualquer semelhança com o antes do 25 de Abril é concerteza mera coincidência. Mudam-se os tempos continua a mediocridade.
O fado não tem de ser mediocridade. É uma canção que tem a ver com a alma lusitana.
Acho a Amália é um mau exemplo para ser usado aqui, porque tinha muita qualidade, como mulher e como fadista.
Falem sim dos marcos paulos, emanuels, tois, anas e companhia, esses sim mediocres.
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