segunda-feira, abril 29, 2013

"Moralismos" ou a arte de bem enfiar a cabeça em qualquer areia (como nem as avestruzes fazem, porque não são assim tão estúpidas)

- O nosso problema é o medo?

- Pois é.

- E as mensagens da televisão, do cinema, dos jogos de vídeo?...

- Isso não tem importância nenhuma!

- Mas a violência constantemente presente, e repetida, na televisão, no cinema, nos jogos de vídeo, faz com que as pessoas fiquem assustadas e com medo.

- Mentira. Não acredito. Prova!

- Ok. (apresento uma quantidade de "provas", quer dizer, estudos científicos feitos por várias personalidades e entidades independentes, ao longo de muito tempo, devidamente fundamentadas *) aqui está a prova.

- Ah pois... (assobia para o lado)

- Portanto, se os conteúdos da televisão, do cinema e dos jogos de vídeo influenciam o comportamento das pessoas e induzem-nas a ter medo (como já demonstrei), não podemos simplesmente assobiar para o lado e dizer que não têm importância nenhuma, pois não?

- Então e queres o quê, que eu veja menos filmes, lol?

- Por exemplo. Ou então, pelo menos, fazer um debate sério sobre o assunto.

- Lá estás tu a ser moralista.



(*) as provas:

Does Violent Media Make People Violent, or Just Scared? http://www.youtube.com/watch?v=AgWfLnX3U28

THE MEAN WORLD SYNDROME - Media Violence & the Cultivation of Fear

http://www.mediaed.org/cgi-bin/commerce.cgi?preadd=action&key=143&template=PDGCommTemplates%2FHTN%2FItem_Preview.html

Society's Storyteller: How TV Creates the Myths by which we Live
http://www.medialit.org/reading-room/societys-storyteller-how-tv-creates-myths-which-we-live

Reclaiming Our Cultural Mythology - "Television's global marketing strategy creates a damaging and alienated window on the world", George Gerbner

http://www.context.org/iclib/ic38/gerbner/

Media Violence and Kids

http://www.youtube.com/watch?v=7CXqZWW9yRQ

Hollywood and the war machine
http://www.youtube.com/watch?v=v66HM5ILiwk

GAME OVER - Gender, Race & Violence in Video Games 

http://www.mediaed.org/cgi-bin/commerce.cgi?preadd=action&key=205&template=PDGCommTemplates%2FHTN%2FItem_Preview.html

Army Training Video Games Tech In Homes Of Kids Today
http://www.youtube.com/watch?v=ZUeP2i-VVyg&feature=youtu.be

Army Trains W/ Call Of Duty
http://www.youtube.com/watch?v=J14wdIsyYqk&feature=youtu.be

WRESTLING WITH MANHOOD - Boys, Bullying & Battering
http://www.mediaed.org/cgi-bin/commerce.cgi?preadd=action&key=216&template=PDGCommTemplates%2FHTN%2FItem_Preview.html

Violência e empatia: considerações sob o ponto de vista da psicologia cognitivo-comportamental
http://gabriele-albuquerque.blogspot.pt/2011/03/violencia-e-empatia-consideracoes-sob-o.html

Fighting “Mean World Syndrome”

http://www.wired.com/geekmom/2011/01/fighting-mean-world-syndrome/

(Etc.)

quinta-feira, abril 25, 2013

"Cinco Conversas com Álvaro Cunhal"

Publicado em 1999 pela editora Campo das Letras, "Cinco Conversas com Álvaro Cunhal" nasceu de um pedido de entrevista feito pela jornalista Catarina Pires, ao qual o dirigente histórico do PCP (que não era já secretário-geral desde 1992) respondeu: "que tal fazermos antes um livro?".

A autora (ou co-autora, como prefere apresentar-se) explica, no prefácio: "Eu já conhecia o Álvaro. Fiz um trabalho sobre ele para a Universidade e escrevi um artigo sobre os Desenhos da Prisão para a Notícias Magazine. Depois surgiu a ideia de o entrevistar. Pedi-lhe a entrevista. Ele aceitou. Um dia depois recebo uma chamada em casa. Era o Álvaro: "E se em vez de uma entrevista, escrevessemos um livro de conversas?". Surpresa total. Eu pedi-lhe uma entrevista, ele deu-me um livro."

E assim foi. Um livro com 5 conversas, agrupadas por temas: A História; O Mundo; A Política; A Arte; As coisas da vida.

Nas conversas, Álvaro Cunhal não foge a nenhuma questão, por incómoda que seja e, mais do que isso, ele próprio desafia várias vezes a entrevistadora a "incomodar" - por exemplo, quando se refere ao colapso da União Soviética e dos países socialistas do Leste da Europa, à crítica e autocrítica do que estava mal no regime soviético (acompanhada, neste caso, com o necessário elogio ao que a experiência do poder socialista significou como avanço civilizacional relativamente ao capitalismo), e depois, em aspectos como

- o exercício do poder:

"No que respeita à organização da sociedade e ao Estado, as lições da história obrigam a prevenções. O poder está muito viciado, o poder defende-se, o poder corrompe e é susceptível de corromper. O abuso de poder é fácil, nas instituições, na sociedade, nos órgãos de poder, em qualquer aspecto da vida social. Também nos partidos. É necessário impedir-se e pode impedir-se um poder assim concebido e realizado. Como? Com formas e mecanismos democráticos de fiscalização, incluindo por parte daqueles sobre quem o poder é exercido. Seja no Estado, seja na sociedade, seja na família, seja nos partidos."

- a visão exageradamente optimista e determinista que julgava ser possível mudar comportamentos adquiridos na ordem social definida pela luta de classes e pela desigualdade, apenas mudando as estruturas políticas e sociais:

"Nesta questão há qualquer coisa que, particularmente os comunistas, temos de aprender com o século que agora termina. Tomar consciência de que houve sempre uma avaliação irrealista e uma esperança irrealista em que uma transformação social, pela qual fossem liquidadas as grandes desigualdades, as grandes injustiças, as grandes misérias e flagelos do capitalismo, eliminaria causas sociais determinantes da formação e conduta negativa do ser humano, e podia levar à criação do homem novo num sentido geral da população.

Se a ideia, assim simplificada, se mostrou irrealista, concretizou-se entretanto na conduta e na vida de milhões de seres humanos empenhados nas transformações sociais libertadoras realizadas por grandes revoluções. Foi o caso da Revolução de 1917, que numa fase inicial e em vários momentos do Estado socialista, assim como muitas outras revoluções socialistas, democráticas, nacional-libertadoras que se deram no século XX, criaram centenas de milhares, mesmo milhões de seres humanos, de homens e mulheres, que deram tudo de si incluindo a própria vida. O mesmo na luta clandestina contra a ditadura fascista. O mesmo na Revolução de Abril. Esta ideia, que continua exacta, a do homem novo nestes termos relativos, foi utópica quanto à sua generalização à sociedade..."


Uma das questões mais interessantes do livro (na minha opinião, claro) diz respeito ao 25 de Abril e ao processo revolucionário. Lutando muito assertivamente (e bem!) contra a ideia muito difundida de que o 25 de Abril não teria sido uma revolução, Álvaro Cunhal lembra que, em pouco mais de ano e meio, por acção das forças revolucionárias, a sociedade portuguesa, as suas instituições e a sua vida política sofreram (ou beneficiaram de) transformações profundas e tão sólidas que demoraram décadas a ser desmanteladas pela ofensiva contra-revolucionária.

E dá exemplos, que não vou mencionar exaustivamente (leiam o livro, ora!), mas de que destaco o que diz respeito à Reforma Agrária:

"A criatividade dos trabalhadores e das massas populares em luta na revolução de Abril é um grande ensinamento. Para a Reforma Agrária na região de latifúndio do sul, tinhamos as experiências da União Soviética, kolkozes e sovkozes - cooperativas ou herdades colectivas -, experiências seguidas noutros países. Pareceu-nos que essas experiências podiam ser a solução e pusemos no programa. E no fim de contas, na realização da reforma agrária com a revolução de Abril, não resultou nem uma nem outra. As UCP / Cooperativas foram uma criação original dos trabalhadores portugueses. Eram unidades de trabalhadores com uma administração democrática e colectiva. Criaram-se cerca de 550 Unidades Colectivas de Produção, abrangendo um total de centenas de milhares de hectares de terra e milhares de postos de trabalho. Diversificaram-se as culturas, aumentou a produção agrícola e pecuária, introduziram-se máquinas, construíram-se instalações e oficinas, realizou-se uma notável obra social e cultural. Uma obra extraordinária, sob o fogo da reacção e de sectores do poder militar e político. Vinham delegações da União Soviética, da Bulgária e de outros países. Visitavam uma UCP e perguntavam: Isto é uma herdade do Estado ou uma cooperativa? Não era uma coisa nem outra. E admiravam-se dos resultados alcançados.

Catarina - E depois o poder político destruiu tudo?

Álvaro - Destruiu, levou alguns anos a destruir, mas acabou por destruir.
As grandes revoluções e as suas conquistas não foram só obra dos chefes, dos dirigentes, dos órgãos de poder instaurados. Nós, os comunistas portugueses, compreendemos uma revolução que se propõe realizar profundas transformações progressistas, não só com o apoio do povo, mas com o seu empenhamento, entusiasmo, criatividade e coragem."


E, porque nem tudo neste livro é política no sentido restrito da palavra (nem poderia ser, em conversas com uma personalidade tão rica e multifacetada como era a de Álvaro Cunhal):

"Catarina - Para não terminarmos a conversa sobre este tema em termos tão dramáticos e negativos e já que falaste em superstições - isto não tem muito a ver com a religião, mas sempre pergunto: acreditas na astrologia?

Álvaro - Bom, mudemos de rumo. Qual é o teu signo?

Catarina - Gémeos.

Álvaro - Oh diabo! Tu lês os horóscopos?

Catarina - Não.

Álvaro - Eu sou do signo Escorpião e tem sucedido que, quando chega o signo, recebo cartas amistosas escritas a sério ou a brincar, com o horóscopo apropriado. Num dos anos passados recebi um horóscopo de um astrólogo que já morreu e que me comunicava, e disse-o publicamente, que o horóscopo anunciava a minha morte nesse mesmo ano. Deve ter trocado os horóscopos.

Catarina - Felizmente. Se calhar era aquele que dizia todos os anos que a Ponte 25 de Abril ia cair e que o Sporting ia ser campeão...

Álvaro - Não sei se era o mesmo e não corro o risco de pronunciar-me sobre previsões ou insinuações futebolísticas, pois seria excessivamente arriscado. Deixo tal previsão aos astrólogos."


Por tudo isto "Cinco Conversas com Álvaro Cunhal" é um daqueles livros que frequentemente releio com prazer. E recomendo, claro!

quarta-feira, abril 24, 2013

"Os Americanos na Revolução Portuguesa (1974-1976)"

Os Estados Unidos da América foram apanhados de surpresa pelo levantamento militar (e depois popular) de 25 de Abril de 1974. Por isso, mantiveram primeiro uma posição de "esperar para ver". Mas, assim que entenderam o rumo revolucionário que os acontecimentos estavam a tomar, os responsáveis políticos norte-americanos preocuparam-se e tentaram influenciar o processo político português. Para Washington, era inaceitável que Portugal pudesse ter o Partido Comunista no governo, pois isso poderia desequilibrar a correlação de forças na Europa (onde os partidos comunistas de Itália e França tinham já, também, uma influência social e peso político e eleitoral crescentes).

No entanto, os próprios EUA estavam divididos quanto ao que fazer no caso português. O então secretário de estado, Henry Kissinger, defendia aquilo que ficou conhecido como a doutrina da "vacina": que os EUA apoiassem as forças contra-revolucionárias ou que deixassem mesmo os comunistas chegar ao poder, combatendo-os depois violentamente - dessa forma, pensava o famoso estratega da linha dura norte-americana, Portugal seria visto como um "mau exemplo" para o resto da Europa, e os comunistas portugueses como os agentes do caos.

Opinião diferente tinha o então embaixador fos EUA em Lisboa, Frank Carlucci. Homem mais ligado aos serviços "de inteligência" norte-americanos (e destacado para a embaixada em Portugal só após o 25 de Abril, para "lidar com a situação" ao seu jeito), preferiu combater a revolução apoiando os "moderados" - particularmente Mário Soares e o Partido Socialista. E foi essa a tendência que vingou.

São estas, em resumo, as ideias defendidas por Tiago Moreira de Sá, na investigação jornalística que publicou no livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa (1974-1976)" (Editorial Notícias, 2004).

Escreve o autor: "os acontecimentos de Lisboa coincidiram com um momento em que o bloco ocidental enfrentava um cenário de crise no flanco sul da NATO, isto é, no Mediterrâneo, fazendo temer pela perda do controlo deste importante ponto estratégico. A oriente, eclodia o conflito de Chipre entre a Grécia e a Turquia, dois membros da NATO, e o subsequente início de um processo de transição de regime em Atenas. A ocidente, o problema era colocado pela crescente probabilidade da chegada dos comunistas ao governo em França e Itália. Isto para além da incerteza quanto ao futuro da Espanha em transição de regime. O processo político português era visto em Washington como um factor potenciador desta crise no Mediterrâneo, uma vez que se temia que a chegada do PCP ao Governo, primeiro, e a possibilidade de instauração de um regime comunista, depois, podiam influenciar negativamente Roma, Paris, Madrid e Atenas, com o risco de toda a Europa do Sul se tornar comunista a prazo.
Os EUA só podiam estar preocupados com a evolução política do seu aliado do outro lado do Atlântico. No fundo eram os equilíbrios da guerra fira que podiam ser postos em causa pelos acontecimentos em Portugal, logo, também estava em jogo o interesse nacional de Washington"
(segundo a doutrina intervencionista norte-americana) "Deste modo, podia-se esperar tudo menos desinteresse norte-americano."

Entende-se, assim, a razão de os governos provisórios do período 1974/75 serem de tão curta duração: não apenas por problemas internos, do processo revolucionário em curso, mas também (ou principalmente) pela pressão e mesmo ingerência dos EUA.

"Washington (...) actuou prioritariamente em duas frentes. Primeiro, ameaçando directamente Portugal de expulsão da NATO, o que no fundo queria significar a sua exclusão do sistema ocidental. Era uma forma de pressão de alto grau de eficácia, uma vez que os dirigentes portugueses não podiam desconhecer a elevada dependência do País face ao Ocidente e as consequência políticas, económicas e de segurança que uma exclusão deste bloco poderia acarretar.
Segundo, ameaçando directamente a URSS com o fim do clima de desanuviamento Leste-Oeste(...)."

Isto num primeiro momento. Depois, os EUA passam também a intervir no plano interno com o apoio à oposição "moderada", que lhes podia garantir uma transição pacífica para uma "democracia ocidental", ou seja, capitalista.

Processo que o autor explica ao longo de 160 páginas, com recurso a importantes documentos da época (incluindo documentos do Congresso e do Governo dos EUA) e citando depoimentos de alguns dos intervenientes.

Em suma, um livro importante para entender aspectos menos claros (e normalmente ignorados, embora os papeis de Kissinger e Carlucci não tivessem passado despercebidos aos revolucionários da época - e este livro vem dar-lhes razão) do processo revolucionário e, principalmente, do processo contra-revolucionário subsequente ao 25 de Abril de 1974.

quarta-feira, abril 17, 2013

Banalização da violência ou do medo?

Debateu-se muito (e ainda se debate) a hipótese de a violência nos meios de comunicação social influenciar comportamentos violentos nos espectadores. É verdade que alguns estudos apontam nesse sentido (ver, por exemplo, o relatório 'The Influence of Media Violence in Youth'). Mas os casos de crimes ou actos de violência extrema por imitação do que se vê nos media são raros (os estudos que apontam para relação causa-efeito falam de outro tipo de violência, mais disseminada, menos intensa e menos espectacular).

A partir da década de 1960, George Gerbner, um investigador norte-americano, professor de Comunicação na Annenberg School of Communication, de Filadéfia, colocou uma hipótese ligeiramente diferente, e com implicações muito mais profundas. Segundo ele, o visionamento prolongado e repetido de actos de violência (real ou ficcionada) nos écrans não conduz a uma reacção causa-efeito imediata (ninguém "no seu perfeito juízo", como se costuma dizer, vai matar o vizinho só porque viu um assassinato na televisão) mas causa, sim, a ideia de que o mundo e as comunidades em que vivemos são mais perigosas do que são efectivamente. E o efeito disso é que as pessoas ficam mais receosas, mais desconfiadas - e mais facilmente aceitam a violência exercida sobre si ou sobre terceiros como forma aceitável de resolver conflitos e aceitam, também, que lhes retirem liberdades civis, para terem a segurança que, supostamente (ilusoriamente) lhes falta.

Isto foi objecto de estudos aprofundados, ao longo de anos. E deu origem ao que hoje é conhecido como "teoria da cultivação" (ou "do cultivo"). O efeito dessa exposição à violência nos media, demonstrado por Gerbner e colaboradores é conhecido como "síndrome do mundo mau".

 Em entrevista recente a um programa de rádio norte-americano, Michael Morgan, investigador da Media Education Foundation da Universidade de Massachusetts, explica, de forma sucinta mas bem fundamentada, os resultados dessa investigação.

Resultados que podem surpreender. Por exemplo, quando afirma que, para o efeito de medo e insegurança, o consumo de imagens reais ou ficcionadas é indiferente (têm ambas o mesmo efeito) ou que, quando se trata de exposição à violência nos media, pessoas de todas as idades e com níveis de educação diferentes estão vulneráveis na mesma medida.

Nota: encontram uma (tentativa de) tradução para português do principal conteúdo desta entrevista em
http://vitorinices.blogspot.pt/p/blog-page.html

quinta-feira, abril 11, 2013

Um desenho


Eu sempre achei que não tinha grande "jeito" ou "talento" para desenhar. Bem tentava, mas, durante muito tempo, não saía nada que se aproveitasse.

Mesmo depois de vários anos a aprender no atelier de artes gráficas do Centro Cultural de Almada, o melhor que conseguia fazer eram cartazes. Não muitos, mesmo assim. Entre 1981 e 1986, não produzi grande coisa que se visse - exceptuando, talvez, o cartaz da Festa da Amizade de 1985, o do Carnaval de Almada de 1986 e um ou outro sobre cursos que o CCA organizava.

A partir de 1986, já não me lembro como nem porquê (mas suponho que por estar mais em contacto com pessoas que faziam desenho desenho mesmo, e não apenas "trabalhos gráficos") começo a aprender, também, a desenhar. E invento o pseudónimo Sturrefsit Adjukaatrix, que tenho usado desde então.

Este desenho é dessa primeira fornada. Terá uma história, como todos os desenhos. Neste caso, e a esta distância, parece-me que é uma tentativa (tentativa inconsciente) de "retratar" uma época em que Portugal vislumbrava no horizonte um "crescimento" capitalista e a miragem da "modernização" (1986 foi o ano da adesão à CEE). Mas a minha realidade era, ainda, a de um país "suburbano", que olhava o "progresso" de longe e, enquanto sonhava, tinha que fazer pela vida e desenrascar-se com o que tinha à mão. Um país de grandes desigualdades económicas e sociais, ainda com indústria, sustentada pela tal população suburbana, da qual faziam parte muitos imigrantes das ex-colónias.

Julgo que tentei meter isso tudo num desenho...

Mais tarde, a Câmara Municipal de Almada decide incluir no seu boletim municipal um suplemento de 4 páginas sobre políticas para "a juventude" (expressão que começara a ficar muito popular no discurso político desde 1985, Ano Internacional da Juventude) e abre um espaço para colaborações de jovens autores. Mas, por ser a primeira edição, não tinham ainda muito material para incluir e convidam-me para enviar colaboração. Envio-lhes, então, alguns desenhos e meia dúzia de poemas.

A primeira edição do suplemento de juventude do Boletim Almada Autarquias-Povo sai, então, em Março de 1990 (edição n.º 74 do boletim), e inclui dois desenhos meus. (Outra edição, em Dezembro desse ano, há-de incluir mais um desenho e também um poema - e foram esses, se não me engano, os únicos trabalhos que publiquei, até hoje, em qualquer edição da Câmara Municipal de Almada.)

Entretanto, em 1996, crio o fanzine de poesia (poezine) Debaixo do Bulcão, que chegou agora à sua edição 41 (encontram os poemas dessa edição clicando aqui). Para esta edição faltava-me uma imagem de capa. Lembrei-me, então, do velho desenho. E pronto, aí está ele, de volta.

E qual é o interesse disto tudo? Pois, se calhar não interessa nada. Mas, como já não actualizava este blogue há muito tempo... ;)