terça-feira, abril 24, 2012

Movimentos sociais e revolução

 Foto: manifestação do 25 de Abril na Avenida da Liberdade, Lisboa, em 1994. 
Na década do aparente triunfo final do capitalismo. 
Num tempo em que os arautos neoliberais anunciavam o "fim da História"...



Nos tempos mais recentes, a esquerda portuguesa tem andado a radicalizar o seu discurso. Muitos dos que, durante décadas, se acomodaram às maravilhas da sociedade de consumo e não fizeram nada para contrariar a tendência para o conformismo e para o consumismo, parecem ter acordado agora, subitamente, talvez agitados pela emergência de "novas" formas de contestação e de "novos" movimentos sociais.

Esta tendência, na verdade, não é assim tão nova. Nas "redes sociais" (como o facebook - e desculpem a publicidade à marca) já há muito tempo se andam a convocar manifestações "antipartidárias", contra "o regime", contra "os políticos" e até mesmo contra "a política" em geral.

Os slogans repetidos por toda esta gente que só acordou agora (e que, pelos vistos, ainda não entende muito bem a realidade para a qual acordou) andam sempre à volta de qualuer coisa que se pode resumir usando um dos mais famosos: "revolução JÁ".

Slogans que são repetidos - à mistura com frases "contestatárias" e "revolucionárias", muitas delas sem sentido ou contradizendo-se entre si - tanto por gente de esquerda como por gente de extrema-direita. Os mesmos slogans, as mesmas frases...

Que a extrema-direita o faça não me espanta nada. Agitar a bandeira antipartidária e antiparlamentar é uma das velhas tácticas dessa gente (os nazis fizeram-no muito para chegar ao poder - e até queimaram, literalmente, o seu próprio parlamento; e em Portugal a "revolução nacional" de 1926, que instaurou um regime corporativo autoritário de direita - um regime fascista, portanto - fez-se contra a "confusão" e a "balbúrdia" dos partidos e do sistema parlamentar da 1ª República).

Que a esquerda embarque nisso já me parece mais estranho. Mas também não me surpreende muito: uma das grandes vitórias do capitalismo é, precisamente, ter conseguido infantilizar as pessoas (independentemente da sua opção política), levando-as a não pensar, a simplesmente repetir slogans (publicitários ou políticos, tanto faz - vende-se um presidente, ou um preconceito, da mesma forma como se vende um sabonete), a querer tudo e "JÁ", como se as revoluções fossem produtos que se vão buscar à prateleira do supermercado.

E assim, chegamos a um momento histórico em que a esquerda está debilitada por anos e anos (décadas e décadas) de desmantelamento do estado social, de recuperação capitalista e - igualmente importante ou, no caso presente, talvez ainda mais importante - condicionamento e conformação da sociedade aos valores capitalistas... mas não entende isso, julga que tem muita força e que, em vez de cerrar fileiras, resistir, defender o que ainda resta de democracia, o que deve fazer é passar ao ataque e fazer uma "revolução JÁ"!

Parece-me que toda esta euforia não é, na verdade, potenciada por propagandistas de esquerda. Desconfio que, pelo contrário, esta radicalização do discurso, todo este apelo à violência e ao confronto, está a ser feito por quem tem o poder (e as armas) e que são esses os principais interessados em "tumultos".

E penso que a única forma eficaz de contrariar isso é, sem ceder a intimidações, não lhes responder à letra. Não combater no terreno deles. Não nos armarmos em Dom Sebastião suicidando-se voluntariosamente nas areias de Alcácer Quibir.

Agir de forma racional, avaliando bem a correlação de forças. Não apenas reagir. Pensar, ter espírito crítico - e não apenas ir atrás de slogans. (É por isso que gosto tanto de projectos culturais de base popular, como o da Es.Col.A da Fontinha, e outros que lhe venham a seguir o exemplo, e que possam contribuir para formar cidadãos verdadeiramente atentos e críticos.)

Felizmente há quem, no meio do delírio que se está a instalar na sociedade portuguesa, ainda consiga fazer isso. Há quem, em vez de gritar frases incendiárias e vagos apelos a uma "revolução" que ninguém (a não ser, talvez, a extrema-direita) está em condições de fazer "JÁ", lembre, como o fez recentemente Mário Tomé, que a luta se faz com persistência, «luta cidadã, transformadora, contra estes chamados democratas, tecnocratas da finança, através dos movimentos sociais e através da proposta política que os partidos políticos farão, cada um à sua maneira» (artigo completo aqui)

Mas infelizmente (estranhamente?) estas declarações não foram divulgadas pelos militantes de esquerda nas "redes sociais" da internet.

Estarão à espera que algum Otelo reanime as "forças populares abril" e vá buscar uma "revolução JÁ" ao supermercado das revoluções?

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