sexta-feira, julho 30, 2010

Tipo, uma homenagem a António Feio

António Feio (Lourenço Marques, 6 de Dezembro de 1954 — Lisboa, 29 de Julho de 2010).

Num país como Portugal, onde o génio humorístico popular é fértil mas se fica pelo nível da anedota, aparecem, de longe em longe, personalidades que agarram nessa característica lusa e a elevam a Arte. O actor (o grande actor) António Feio, que agora nos deixou, era uma dessas raras personalidades.

Recordo-o aqui numa série de 2001/2002: Paraíso Filmes (que considero ser do melhor que se fez em Portugal, em termos absolutos - e não apenas no género "humorístico"). António Feio fazia, entre outros personagens o do realizador residente da "produtora independente da Trafaria" E yá, era tipo o meu presonagem preferido.

Um longo e sonoro aplauso! Até sempre.

quarta-feira, julho 21, 2010

Festa do Avante de 2010 - uma antevisão








A lista, por ordem alfabética e com ligações para os sites respectivos: A Naifa, Abrunhosa & Comité Caviar, Adriana, Ana Laíns, António Chaínho com Isabel de Noronha e Pedro Moutinho, Baile Popular (banda de João Gil e João Monge), Bernardo Sasseti Trio, Brigada Victor Jara, Bunnyranch, Cacique 97, CambaTango, Catarina dos Santos, Claud, Dany Silva e Celina Pereira, Dazkarieh, Demian Cabaud com Quarteto Leo Genovese, Deolinda, Diabo na Cruz, Dias da Raiva, Eina, Expensive Soul, La Rumbé, Luísa Basto, Monte Lunai, Muxima (Janita, Filipa Pais, Ritinha Lobo, Yami), Orquestra de Jazz de Matosinhos com Kurt Rosenwinkel, Peste & Sida, Ricardo Pinheiro Sexteto, Roberto Pla All Stars, Sebastião Antunes e Quadrilha, Stonebones & Badspaghetti, The Flawed Cowboys, Tim e Companheiros de Aventura, Tornados, Us & Them

Fados, ritmos latinos, tangos, punk rock... Como habitualmente, o difícil será escolher entre tanta diversidade. E isto é só a primeira lista (acabada de divulgar pela organização da Festa), com os nomes "principais". Muito mais haverá a descobrir, nos dias 3, 4 e 5 de Setembro.

O site oficial da Festa do Avante é

http://www.festadovante.pcp.pt/

Encontram esta lista, com informações mais detalhadas, em

http://pcp.pt/node/245004

segunda-feira, julho 19, 2010

Uma entrevista com Adelino Moura, em 1995



Havia, na imprensa regional dos anos 90 quem fizesse jornalismo a sério. Só que, num meio pequeno e com redacções com pouca gente (não tão pouca como hoje - mas o que se faz hoje na imprensa regional não serve de exemplo para nada) os jornalistas não tinham grandes hipóteses de se "especializar". Tinham de ser pau para toda a obra.

Eu vinha da área da Cultura - onde tive formação específica, mas também suficientemente generalista para me sentir à vontade com assuntos diversificados. E, felizmente, comecei a minha carreira profissional na rádio. Felizmente porque aí, na rádio, tinhamos mesmo que nos "desenrascar" - muitas vezes em directo, sem rede - com os assuntos mais imprevistos.

Cheguei à imprensa escrita em 1994 (na revista Sem Mais) mas comecei mais a sério em 1995, no quinzenário Sul Expresso.

Aí fazia o tal trabalho "generalista" (embora ainda me deixassem dar muita atenção à cultura - coisa que já não aconteceu a partir de 1998, noutro jornal): tanto fazia investigação sobre os projectos do Governo para a travessia do Tejo ou sobre a onda de violência racista que vinha do início da década e que se foi agravando, ou sobre o processo de legalização extraordinária de imigrantes (que deixou muita gente de fora), ou sobre o longo e conflituoso desmantelamento da Lisnave, como fazia reportagens sobre o 1º Congresso dos Algarvios da Margem Sul, a reprovação do PDM de Almada e posterior aprovação com "amputações", ou a novidade que era, nesse tempo, o anteprojecto para o Metro Sul do Tejo.

E, se fosse preciso, até fazia peças da secção mais especializada (a que tinha jornalistas que só trabalhavam nessa área): o desporto!

A imprensa regional tinha realmente bons profissionais: polivalentes, flexíveis e com grande arcaboiço.

Como é óbvio, ao trabalhar em rádios e jornais, tive a oportunidade de entrevistar muita gente. Algumas dessas entrevistas eram de circunstãncia, muitas deles feitas por telefone. Mas, quando surgia a possibilidade de falar olhos nos olhos com o entrevistado o "repórter" acabava muitas vezes por ter conversas longas, interessantes e gratificantes.

Uma das entrevistas que mais gostei de realizar foi esta, com o histórico presidente do Almada Atlético Clube, Adelino Moura. Foi muito fácil dialogar com aquele homem que, sendo um líder com carisma, não precisava de fazer poses, armar-se em importante ou ter ares de sobranceria para dizer o que pensava. E dizia-o frontalmente, sem papas na língua mas sem entrar em insinuações ou armar "peixeirada".

A página e meia de texto aqui reproduzida é o que foi publicado na edição do Sul Expresso de 7 de Junho de 1995 - o resumo de uma conversa com cerca de 2 horas, muito estimulante e enriquecedora.

O mote para a entrevista era a subida do Andebol sénior do Almada à primeira divisão nacional. Mas aquele era também um tempo de grandes investimentos em estruturas desportivas. O Almada tinha já relva no seu estádio do Pragal (junto ao Cristo-Rei), mas não tinha ainda pavilhão próprio. Esse era, aliás, o próximo grande objectivo "material" de Adelino Moura. (E suponho que por isso mesmo, o equipamento que foi construído anos mais tarde se chama, precisamente, Pavilhão Adelino Moura.)

Inevitavelmente, falou-se muito de números, de verbas, de subsídios. No entanto, o que mais me impressionou foram as opiniões de Adelino Moura sobre o papel do Desporto como escola de valores humanos. Devia ser uma coisa natural, óbvia... mas já naquele tempo (os anos 90 foram, também, a década da euforia neoliberal) não o era!

O "meu entrevistado" não ignorava isso. E tinha ideias muito interessantes, com as quais não tive nenhuma dificuldade em concordar (digo-o agora - naturalmente não o disse naquele momento, nem tinha nada que o dizer, pois estava ali como jornalista e o jornalista não deve nunca confundir notícia com opinião).

Cito:

«Os clubes, pelo menos os pequenos, devem viver em função da conjugação de boas vontades e com o objectivo não apenas de competir mas de ajudar a formar desportistas e cidadãos. Um clube como o Almada deve ter também uma função social»

«Acho mal que se gastem dinheiros públicos em coisas efémeras (...) A autarquia não nos dá dinheiro para pagar despesaas correntes. Tudo o que recebemos da CMA é para ser aplicado em obras»

«o Almada, devido à sua proximidade com Lisboa, não tem outra hipótese a não ser formar os seus próprios jogadores. Tentamos ganhar alguns para a equipa principal e, por uma questão de necessidade, vender outros a clubes que nos possam proporcionar receitas. Quando isto funcionava em moldes amadores eu não tinha esta opinião, mas agora os tempos são outros e temos de ser realistas»

«as coisas andam muito deturpadas: cairam no meio desportivo alguns "paraquedistas", indivíduos sem conhecimentos de desporto. Chamam-lhes gestores e talvez sejam bons gestores nas suas empresas. Mas o desporto propriamente dito não tem nada a ver com a gestão de uma empresa: estar a encher 30 mil garrafas por dia ou estar a arranjar automóveis não é o mesmo que ver a bola bater na trave ou conhecer de perto os jogadores.»

«Em Portugal, como se sabe, há 3 clubes grandes; tão grandes que até são os maiores nas dívidas. Este modelo não serve aos clubes mais pequenos. Se começam a ceder à pressão dos sócios e entram em grandes despesas vão inevitavelmente acabar por falir»

Eram "prognósticos" do presidente do Almada Atlético Clube, em 1995. O decorrer do jogo acabou por lhe dar razão.

Nota de rodapé: Parece que esta entrevista chegou a incomodar algumas pessoas (porque, como escrevi acima, Adelino Moura não fugiu às perguntas e até acrescentou matéria sobre a qual eu, por desconhecimento, não perguntei nada); no entanto alguns dos meus colegas - os especialistas em desporto - criticaram-me por alguma "ingenuidade" nas questões. Passados 15 anos, tenho um palpite que a minha ingenuidade terá consistido em não perguntar nada sobre as relações entre o andebol do Almada e o do Ginásio Clube do Sul. Sabem que mais? Ainda bem que fui ingénuo: assim posso apresentar uma peça menos datada, com mais substãncia e menos tricas e mexericos! :)

segunda-feira, julho 12, 2010

Sobre teatro em Almada - o "moral" e o Azul


Está a decorrer mais uma edição do Festival de Teatro de Almada. É a 27ª e realiza-se nas datas habituais: entre 4 e 18 de Julho.

O festival é o ponto alto da relação da Companhia de Teatro de Almada (CTA) com o público da cidade (e com todo o outro...). Mas este ano realiza-se no meio de alguma polémica sobre o "Teatro Azul" - a sala, municipal, cedida à CTA, onde esta desenvolve o seu trabalho.

Há quem questione a gestão daquele equipamento. Há quem pergunte porque está uma sala municipal "entregue" a uma única companhia. E há mesmo quem diga que a CTA não tem o direito de ocupar aquele espaço, e que, portanto, devia sair para dar lugar a outros.

A gestão da sala é assunto cujo esclarecimento compete à Câmara (proprietária) e à CTA (que usufrui da dita) - e suponho que já o têm feito.

Quanto à legitimidade que a Companhia tem para ocupar aquele espaço, penso que posso dar uma ajuda: tem legitimidade, moral (digamos assim), pois a ideia de construir aquele edifício cultural, e o empenhamento para que fosse construído, partiu, precisamente, deles!

Nesta página do Jornal da Região de Almada - de 27 de Junho de 2001 - Joaquim Benite (director da CTA) mostrava a maquete do que viria a ser o futuro "Teatro Azul". Na entrevista (feita por mim, sim...), Benite falou muito de teatro e das suas relações com o jornalismo, ou da forma como pode ser, também, desencadeador de "transformações na sociedade", enquanto "prática moral" - esta citação é de outra entrevista com Benite, mas aplica-se aqui - que tem o objectivo de "inquietar as pessoas, fazê-las perceber que há mais horizontes para lá da vida prática, quotidiana", e não deixar acomodar ninguém ("as pessoas" e "o poder") porque "a arte é problema".

Benite não falou prolongadamente sobre o projecto da futura sala (talvez porque, naquele contexto, não me pareceu interessante desenvolver muito o tema). Mas o pouco que aqui é referido - e a História contada para contextualizar o assunto - parece-me ser já o suficiente para, pelo menos, esclarecer a dúvida (se é que se trata mesmo de uma dúvida) sobre a relação intrínseca que existe, desde a primeira hora, entre o Teatro Azul e a Companhia de Teatro de Almada. A sala é municipal porque foi construida pela Câmara, e é "da" CTA porque esta tem a "propriedade" intelectual (não sei se é o termo jurídico adequado, mas de facto é mesmo assim) do projecto.

Ignorar isto é mais que falta de cultura, ou falta de memória: é falta de honestidade política. E é, portanto, imoral.

sábado, julho 10, 2010

1980: o ano em que a Festa do Avante foi em Julho


A Festa do Avante de 1980 foi há 30 anos. Dito desta forma pode parecer uma coisa óbvia: entre 1980 e 2010 decorreram trinta anos. Mas não é bem assim. Porque a Festa do Avante de 1980 não se realizou na data habitual (primeiro fim de semana de Setembro), mas sim nos dias 11, 12 e 13 de Julho. Está, portanto, a fazer 30 anos agora mesmo, no presente fim de semana de Julho.

Suponho que o adiantamento da data estará relacionado com o facto de se terem realizado nesse ano eleições legislativas (em Outubro) e presidenciais (em Dezembro, primeira volta). Mas suponho, apenas - não tenho informação mais objectiva sobre o assunto.

Dessa Festa do Avante de 1980 recordo, sobretudo, o grande espectáculo no Palco 25 de Abril, com Chico Buarque, Simone, Edu Lobo, o MPB4...

No entanto, porque as memórias são de acontecimentos de há três décadas, prefiro não me fiar muito nelas. Vejamos antes o que escreveu a imprensa da época sobre o que iria ser essa edição da Festa do Avante!


Notícia do Diário de Lisboa de sexta-feira, 11 de Julho de 1980.
"A Festa do Avante, órgão central do Partido Comunista Português, começa ao fim da tarde de hoje. Às 19 horas - e sabe-se como os comunistas são organizados... - os portões da Festa, no Casalinho da Ajuda, abrir-se-ão. E vai ser um nunca mais de gente a entrar, como aconteceu nos anos anteriores (500.000 entradas em 1979).

O jornal destacava a programação do palco principal, referindo também alguns dos outros palcos e auditórios. E, mais adiante, referia a exposição sobre o 4º centenário da morte de Luís de Camões e o lançamento de uma edição especial de "Até Amanhã, Camaradas", de Manuel Tiago, ilustrado por Rogério Ribeiro.


Noticiava "o diário" na terça-feira, 8 de Julho: "ampliando e enriquecendo a experiência do ano passado, também este ano no Pavilhão Central da Festa haverá uma exposição sobre «Arte popular e Património Cultural».

Uma semana antes da Festa, o Avante divulgava: "a música que se faz nas várias regiões do país estará presente na zona central da Festa, através da actuação de coros, ranchos e bandas"

Vinham de todo o país. E Almada também estava presente, com "Tocadores de Gaitas de Foles e do Grupo de Arte Popular, ambos do Centro Cultural de Almada"

(Note-se, a propósito, que a Banda da Incrível Almadense também actuou, durante os dias desta edição da Festa, mas noutro contexto - por exemplo, na sexta-feira, no Palco da Emigração)

Em 1980, a referência na imprensa cultural de "artes e espectáculos" era o semanário Se7e. Que, na edição de dia 9 de Julho, dedicou uma página ao evento.

"A Festa do Avante, anualmente realizada desde que a Revolução dos Cravos a tornou possível, constitui um acontecimento com a particularidade de transcender o círculo ideológico da sua organização, atraindo pessoas de variadas tendências. O programa deste ano estende-se por três dias (11, 12 e 13 de Julho) e inclui teatro, cinema, música, desporto, circo, exposições, colóquios e outras manifestações de carácter cultural e recreativo.

O se7e destacava a ainda pouco conhecida Simone (que teve a sua apresentação ao público português precisamente nessa Festa do Avante): "Simone é uma das presenças brasileiras na Festa do Avante. Ex-campeã do Mundo de basquetebol, não restam grandes dúvidas de que canta melhor do que jogava"

Ao palco instalado no Pavilhão Central (não havia ainda Avanteatro) vieram esse ano dois encenadores da RDA apresentar um trabalho com actores do Teatro de Campolide (assim se chamava, ainda, a actual Companhia de Teatro de Almada) sobre cenas de "A Mãe", de Bertolt Brecht.


Escrevia o Avante de dia 3 de Julho:

"Dois destacados encenadores da República Democrática Alemã" (Peter Kleinert e Peter Schrot, do Palastheater, de Berlim) "especialistas na obra de um dos mais importantes homens de teatro do nosso século - Bertolt Brecht - deslocaram-se a Portugal no âmbito da Festa do Avante e prepararam um espectáculo com actores do Grupo de Campolide, baseado em cenas e canções da conhecida peça de Brecht «A Mãe», que se destina a ser apresentada no auditório A do Pavilhão Central na noite do próximo sábado." (...)

"O espectáculo tem estado a ser preparado no Teatro da Academia Almadense (sede do Grupo de Campolide que, aliás, vai brevemente transformar-se em Centro Dramático de Almada - Companhia Profissional, aprofundando assim ainda mais o seu processo de radicação naquela importante zona operária da margem sul) e quando for apresentado ao público terá completado um total de 11 ensaios em apenas 5 dias (...)