Em Portugal, quando falamos de literatura de cordel estamos a referir-nos a literatura "barata", de má qualidade. Essa designação vem do século XVII, quando havia, efectivamente, uma literatura que era vendida na rua, em postos de distribuição nos quais as publicações eram apresentadas suspensas em fios - tipo estendal, estão a imaginar?
A "literatura de cordel" já não se publica hoje em Portugal. Dizendo melhor: transformou-se noutras coisas a que se chama, por exemplo, "literatura light" - mas já não se vende dependurada de uma guita (citando esse obscuro vate Affonso Gallo, num dos seus mais interessantes poemas). Se nos referirmos não ao conteúdo, mas à forma, podemos dizer que as publicações "de cordel" vieram a dar em fanzines - ou poezines, se forem zines de poesia (como, por exemplo, o Debaixo do Bulcão).
Infelizmente, em Portugal, até os fanzines estão a cair em desuso. Nos anos 80 havia muitos (incluindo zines literários, como o Ara Gris ou o Fragas - que são aqueles de que me lembro melhor). Nos anos 90 foram desaparecendo. Hoje não sei de nenhum (a não ser o bulcão).
Mas isto é em Portugal.
No Brasil, Literatura de Cordel é outra coisa, está bem viva e recomenda-se. E sim, escreve-se com maiúsculas: é um género literário, rimado e popular. É, em suma, o "cordel" tal como já existiu em terras lusas.
Exportado, de cá para lá, encontrou terreno fértil para se desenvolver no Estado da Bahia. E transformou-se numa rica e muito interessante literatura, de ressonâncias orais e intenções didáticas: em rimas simples, os cordelistas contam histórias (da "pequena História" e talvez mesmo da "grande") do Brasil (com maior incidência, como é natural, em casos do Nordeste
brasileiro), e explicam, de forma acessível, por exemplo "O ABC do HIV" (título de um "cordel" de Antonio Carlos de Oliveira Barreto, publicado por edições Akadicadikum) ou, noutros casos, transmitem tradições e lendas locais.
brasileiro), e explicam, de forma acessível, por exemplo "O ABC do HIV" (título de um "cordel" de Antonio Carlos de Oliveira Barreto, publicado por edições Akadicadikum) ou, noutros casos, transmitem tradições e lendas locais.
Amigos meus, do Teatro Fórum de Moura - que sabem que eu adoro estas coisas - foram lá, à Bahia, fazer umas actuações e tiveram a gentileza de não se esquecer de mim. Trouxeram-me uma boa mão-cheia de publicações de cordel - de autores que se chamam Gutenberg Santana (Seja bem vindo / A essa literatura / É istória de cordel / Um pouco da nossa cultura / É sobre Lima Barreto / Faça um bom proveito / E uma ótima leitura); Jotacê Freitas (Numa cidade qualquer / do interior da Bahia / existia uma mulher / que respirava alegria / vivia mostrando os dentes / era chamada galinha); Antônio Klévisson Viana (Sou um poeta do povo / Porta-voz da nossa gente / E quando escrevo um cordel / Quase sempre estou contente / Pois a poesia é um dom / Que Deus me meu de presente); Sérgio Bahialista (Salvador tem tanta coisa / Coisas boas e ruins / Entre as boas tem a nossa / Grande feira de São Joaquim / Tudo que se tem no mundo / tem lá do início ao fim); Antonio Carlos de Oliveira Barreto (Xô, doenças transmissíveis... / Veja que bela lição: / eu soube que Xerazade / não contou para o Sultão / que o recurso que ela tinha / era uma camisinha: / e adeus preocupação!).
Se os meus estimados leitores querem conhecer esta literatura de sabor tão popular (tão gostosa, digo eu), encontram referências à dita em sites como a Wikipédia, o Jornal Mundo Lusíada (brasileiro), ou numa página da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (e podem aceder a esses sites clicando nas palavras ou frases sublinhadas).
Se estão mesmo interessados, não deixem de visitar o site da Academia Brasileira de Literatura de Cordel:
http://www.ablc.com.br/
http://www.ablc.com.br/
(Nem vou terminar este artigo escrevendo que seria interessante termos em Portugal uma instituição similar para incentivar a literatura popular portuguesa ou os nossos equivalenteds ao "cordel"... Para quê se, em Portugal, a malta quer é coisas modernaças - coisas das quais, provavelmente, não rezará a História, mas que, prontos pá!, são modernaças! não é?...)
1 comentário:
Rectificação: quando escrevo, neste artigo que hoje não sei de nenhum (fanzine) publicado em Portugal, a não ser o Debaixo do Bulcão, estou a referir-me a fanzines literários.
Porque fanzines, de um modo geral, continuam a publicar-se em Portugal.
Como é evidente.
Aliás, ainda em Dezembro passado a Câmara Municipal de Almada organizou mais uma edição da Feira Internacional do Fanzine, com publicações portuguesas e de todo o mundo.
António Vitorino
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