"A interrupção da acção, que levou Brecht a designar o seu teatro como épico, suprime permanentemente uma ilusão no público. Tal ilusão é inútil para um teatro que queira tratar os elementos da realidade no sentido de uma ordem de experiências.
As situações estão no fim, e não no princípio, desta experiência. Situações que, observadas por qualquer aspecto que seja, são sempre as nossas. Elas não se tornam mais próximas do espectador, mas sim mais afastadas. Ele reconhece-as como as situações verdadeiras, não com arrogância, como no teatro do naturalismo, mas com espanto. O teatro épico não reproduz, portanto, situações, acabando por as descobrir.
A descoberta das situações cumpre-se com a interrupção das acções. Mas aqui, a interrupção não tem um carácter excitante, mas sim uma função organizativa. Ela imobiliza o decurso da acção, levando o espectador a tomar posição relativamente ao acontecimento e o actor a tomar posição relativamente ao seu papel.
Com um exemplo quero mostrar-vos como, com a sua descoberta e concepção do gesto, mais não representa do que uma reconversão de métodos decisivos de montagem, de rádio e de cinema, transformando processos frequentemente em moda, numa acção humana.
- Imaginem uma cena de família: a mulher está pronta a pegar num objecto de bronze para o atirar à filha, o pai está prestes a abrir a janela para pedir socorro. Neste momento, entra um estranho. A acção é interrompida; o que em vez dela surge é a situação em que esbarra o olhar do estranho: semblantes perturbados, janela aberta, mobiliário destruído.
Mas há um outro olhar perante o qual, mesmo as cenas mais habitáveis da existência actual, não se apresentam muito diferentemente. É o olhar do dramaturgo épico.
Ele contrapõe as obras de arte dramática ao laboratório dramático. Regressa, de forma inovadora, à velha particularidade do teatro - o expor aquilo que está presente. O ponto central das suas experiências é o homem. O homem de hoje, reduzido e arrefecido num ambiente glacial. Mas como só dispomos deste, temos interesse em conhecer. É submetido a provas, a apreciações. O que resulta é o seguinte: a acção não é alterável nos seus pontos altos, através da virtude ou da decisão, mas sim no rigoroso fluxo habitual, através da razão e do exercício.
Construir, a partir dos mais ínfimos elementos de tipos de comportamento, aquilo que na dramaturgia aristotélica se chama "actuação", eis o sentido do teatro épico. Os seus meios são, pois, mais modestos do que os do teatro tradicional; os seus objectivos também."
Walter Benjamin, em "O Autor Enquanto Produtor" (1934)
Foto: imagem de "Oratória", espectáculo do Teatro da Cornucópia, a partir de textos de Brecht, Goethe e Gil Vicente, levado à cena em 1983 no Teatro do Bairro Alto.
http://www.teatro-cornucopia.pt/
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