"A interrupção da acção, que levou Brecht a designar o seu teatro como épico, suprime permanentemente uma ilusão no público. Tal ilusão é inútil para um teatro que queira tratar os elementos da realidade no sentido de uma ordem de experiências.
As situações estão no fim, e não no princípio, desta experiência. Situações que, observadas por qualquer aspecto que seja, são sempre as nossas. Elas não se tornam mais próximas do espectador, mas sim mais afastadas. Ele reconhece-as como as situações verdadeiras, não com arrogância, como no teatro do naturalismo, mas com espanto. O teatro épico não reproduz, portanto, situações, acabando por as descobrir.
A descoberta das situações cumpre-se com a interrupção das acções. Mas aqui, a interrupção não tem um carácter excitante, mas sim uma função organizativa. Ela imobiliza o decurso da acção, levando o espectador a tomar posição relativamente ao acontecimento e o actor a tomar posição relativamente ao seu papel.
Com um exemplo quero mostrar-vos como, com a sua descoberta e concepção do gesto, mais não representa do que uma reconversão de métodos decisivos de montagem, de rádio e de cinema, transformando processos frequentemente em moda, numa acção humana.
- Imaginem uma cena de família: a mulher está pronta a pegar num objecto de bronze para o atirar à filha, o pai está prestes a abrir a janela para pedir socorro. Neste momento, entra um estranho. A acção é interrompida; o que em vez dela surge é a situação em que esbarra o olhar do estranho: semblantes perturbados, janela aberta, mobiliário destruído.
Mas há um outro olhar perante o qual, mesmo as cenas mais habitáveis da existência actual, não se apresentam muito diferentemente. É o olhar do dramaturgo épico.
Ele contrapõe as obras de arte dramática ao laboratório dramático. Regressa, de forma inovadora, à velha particularidade do teatro - o expor aquilo que está presente. O ponto central das suas experiências é o homem. O homem de hoje, reduzido e arrefecido num ambiente glacial. Mas como só dispomos deste, temos interesse em conhecer. É submetido a provas, a apreciações. O que resulta é o seguinte: a acção não é alterável nos seus pontos altos, através da virtude ou da decisão, mas sim no rigoroso fluxo habitual, através da razão e do exercício.
Construir, a partir dos mais ínfimos elementos de tipos de comportamento, aquilo que na dramaturgia aristotélica se chama "actuação", eis o sentido do teatro épico. Os seus meios são, pois, mais modestos do que os do teatro tradicional; os seus objectivos também."
Walter Benjamin, em "O Autor Enquanto Produtor" (1934)
Foto: imagem de "Oratória", espectáculo do Teatro da Cornucópia, a partir de textos de Brecht, Goethe e Gil Vicente, levado à cena em 1983 no Teatro do Bairro Alto.
http://www.teatro-cornucopia.pt/
terça-feira, junho 26, 2012
sábado, junho 23, 2012
ÚLTIMA HORA: Grécia sai do Euro!
ÚLTIMA HORA: Angela Merkel demite-se, o presidente grego demite o governo e convida o Syriza para formar novo executivo, Durão Barroso diz que o Euro afinal não foi boa ideia porque bem vistas as coisas só prejudica as massas trabalhadoras e impede a tomada de consciência revolucionária da aliança operária-camponesa e do proletariado europeu, o BCE concorda com o presidente da Comissão e marca reunião de urgência do Clube Bilderberg com a presença de dirigentes do Banco Mundial, do Pentágono e de Vladimir Putin para decidirem a criação de uma Nova Ordem Mundial na qual o poder será retirado aos grandes grupos económicos, devolvido ao povo e exercido através de assembleias de operários, camponeses e soldados. Ah, e para que o plano resulte, os árbitros do Alemanha-Grécia são militantes do Syriza.
Eu não tenho jeito nem paciência para trollar ninguém. Mas não resisti a fazer estas piadas (a do título e a do texto acima) mais ou menos óbvias, e a publicá-las naquele site norte-americano a que chamamos "rede social" (sim, esse, o facecoiso).
A chatice é que houve quem acreditasse. Ou, pelo menos, admitisse que podia ser verdade.
Agora digam lá que eu não tenho razão para estar preocupado com a facilidade com que as pessoas se deixam manipular e acreditam facilmente nas tretas que lhes contam desde que pareçam ir de encontro às expectativas que alimentam.
Parece que para muitas pessoas a realidade - ou pelo menos a realidade não mediatizada - deixou de ser uma opção desejável - tal como se verifica nos casos em que, ao verem num écran (de computador, por exemplo) algo que as incomoda, desviam o olhar... para outro écran (por exemplo, do telemóvel).
Ilusões perigosas...
sexta-feira, junho 22, 2012
Para memória futura
"Não é admissível existir estacionamento ilegal nas proximidades de um parque de estacionamento" - frase do vereador Rui Jorge Martins (vereador da Câmara Municipal de Almada, responsável pela ECALMA - Empresa Municipal de Estacionamento e Circulação, que tem a ser cargo a fiscalização e aplicação do Código da Estrada, com poderes de polícia, em todas as vias sob jurisdição do município). Notícia do Jornal da Região, edição Almada, em 25 de Abril de 2012.
As fotos seguintes são da Rua Leonel Duarte Ferreira - rua onde existe um parque de estacionamento da Câmara gerido pela Ecalma (e que é o maior parque de estacionamento municipal da cidade) além de vários outros locais onde se pode estacionar sem incomodar os peões e sem infringir o código da estrada. As imagens são de Junho de 2012. Mas poderiam ser de qualquer outra data, já que isto acontece - nas barbas da Ecalma! - todos os dias e a toda a hora. E sim, a Ecalma e a Câmara de Almada têm conhecimento desta situação, mas recusam-se a resolvê-la.
Conforme assinalado no título, isto é um pequeno apontamento para memória futura. O problema não é novo e, pelos vistos, não será resolvido em breve. Apesar de - repito - a Câmara e a Ecalma estarem devidamente informadas. Até já fingiram que resolviam o problema... Mas parece que foi só para a fotografia (cf. artigo que escrevi em 18 de Outubro de 2011 e artigos anteriores a esse sobre o mesmo assunto).
As fotos seguintes são da Rua Leonel Duarte Ferreira - rua onde existe um parque de estacionamento da Câmara gerido pela Ecalma (e que é o maior parque de estacionamento municipal da cidade) além de vários outros locais onde se pode estacionar sem incomodar os peões e sem infringir o código da estrada. As imagens são de Junho de 2012. Mas poderiam ser de qualquer outra data, já que isto acontece - nas barbas da Ecalma! - todos os dias e a toda a hora. E sim, a Ecalma e a Câmara de Almada têm conhecimento desta situação, mas recusam-se a resolvê-la.
Conforme assinalado no título, isto é um pequeno apontamento para memória futura. O problema não é novo e, pelos vistos, não será resolvido em breve. Apesar de - repito - a Câmara e a Ecalma estarem devidamente informadas. Até já fingiram que resolviam o problema... Mas parece que foi só para a fotografia (cf. artigo que escrevi em 18 de Outubro de 2011 e artigos anteriores a esse sobre o mesmo assunto).
sexta-feira, junho 15, 2012
Noam Chomsky num desenho
As "10 Estratégias De Manipulação" da opinião pública através dos meios de comunicação, de Noam Chomsky, resumidas num "desenho" que alguém teve a feliz ideia de fazer e que está a circular na internet.
O texto das "10 estratégias", por extenso:
1. A estratégia da distração. O Elemento primordial do Controle Social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do diluvio ou inundação de continuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de se interessar por conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (cita o texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).
2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo, deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante das leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar um crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3. A estratégia de gradualidade. Para fazer que se aceite um medida inaceitável, basta aplica-la gradualmente, a conta gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconomicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram entradas decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se houvessem sido aplicadas de uma só vez.
4. A estratégia de diferir. Outra maneira de aceitar uma decisão impopular é apresenta-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, neste momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro que um sacrifício imediato. Primeiro, por que o esforço não é empregado imediatamente. Logo, por que o público, a massa, tem sempre a tendência de esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso da mais tempo ao público para se acostumar à ideia da mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5. Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade. A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos da demência, como se o espectador fosse um criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o telespectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? Se um se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então por razão da sugestionabilidade, ele tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido critico como de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)
6. Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e finalmente ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7. Manter o público na ignorância e mediocridade. Fazer que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeia entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser alcançada pelas classes inferiores. (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)
8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Fazer o público acreditar que é moda ser estúpido, vulgar e inculto…
9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer o indivíduo acreditar que somente ele é culpado da sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, das suas capacidades ou de seus esforços. Assim, no lugar de rebelar-se contra o sistema económico, o indivíduo se auto desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo, um de cujos os efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não ha revolução!
10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No decorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência tem gerado um crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças a biologia, a neurobiologia e a psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que o ele conhece a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que aquele do indivíduos sobre si mesmos.
E notas de rodapé, das minhas:
Claro que o título que dei a este artigo já é uma simplificação manipulatória com a intenção de ter mais impacto e chamar mais a atenção (certamente concordarão que um título como "As 10 estratégias de manipulação da opinião pública através dos media, de Noam Chomsky, resumidas num desenho" não seria lá muito apelativo). O "mal" não está em resumir e simplificar alguns aspectos da mensagem: isso pode ser útil quando, e se, servir para chamar a atenção para o resto - como é o caso do "desenho" acima - e desde que as pessoas estejam preparadas e disponíveis para ler e entender esse "resto" (que é o essencial, o mais importante).
Infelizmente para todos nós, é cada vez mais evidente que Chomsky tem razão nesta sua teoria.
O facto de ser preciso resumi-la num "desenho" já dá que pensar.
Mas que nem assim muita gente o consiga entender (e eu sei, por experiência própria, que muita gente não o consegue entender - não porque as pessoas sejam estúpidas, mas porque foram, e estão, estupidificadas pelos processos descritos por Noam Chomsky), isso sim, é preocupante.
O texto das "10 estratégias", por extenso:
1. A estratégia da distração. O Elemento primordial do Controle Social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do diluvio ou inundação de continuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de se interessar por conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (cita o texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).
2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo, deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante das leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar um crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3. A estratégia de gradualidade. Para fazer que se aceite um medida inaceitável, basta aplica-la gradualmente, a conta gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconomicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram entradas decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se houvessem sido aplicadas de uma só vez.
4. A estratégia de diferir. Outra maneira de aceitar uma decisão impopular é apresenta-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, neste momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro que um sacrifício imediato. Primeiro, por que o esforço não é empregado imediatamente. Logo, por que o público, a massa, tem sempre a tendência de esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso da mais tempo ao público para se acostumar à ideia da mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5. Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade. A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos da demência, como se o espectador fosse um criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o telespectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? Se um se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então por razão da sugestionabilidade, ele tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido critico como de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)
6. Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e finalmente ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7. Manter o público na ignorância e mediocridade. Fazer que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeia entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser alcançada pelas classes inferiores. (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)
8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Fazer o público acreditar que é moda ser estúpido, vulgar e inculto…
9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer o indivíduo acreditar que somente ele é culpado da sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, das suas capacidades ou de seus esforços. Assim, no lugar de rebelar-se contra o sistema económico, o indivíduo se auto desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo, um de cujos os efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não ha revolução!
10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No decorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência tem gerado um crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças a biologia, a neurobiologia e a psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que o ele conhece a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que aquele do indivíduos sobre si mesmos.
E notas de rodapé, das minhas:
Claro que o título que dei a este artigo já é uma simplificação manipulatória com a intenção de ter mais impacto e chamar mais a atenção (certamente concordarão que um título como "As 10 estratégias de manipulação da opinião pública através dos media, de Noam Chomsky, resumidas num desenho" não seria lá muito apelativo). O "mal" não está em resumir e simplificar alguns aspectos da mensagem: isso pode ser útil quando, e se, servir para chamar a atenção para o resto - como é o caso do "desenho" acima - e desde que as pessoas estejam preparadas e disponíveis para ler e entender esse "resto" (que é o essencial, o mais importante).
Infelizmente para todos nós, é cada vez mais evidente que Chomsky tem razão nesta sua teoria.
O facto de ser preciso resumi-la num "desenho" já dá que pensar.
Mas que nem assim muita gente o consiga entender (e eu sei, por experiência própria, que muita gente não o consegue entender - não porque as pessoas sejam estúpidas, mas porque foram, e estão, estupidificadas pelos processos descritos por Noam Chomsky), isso sim, é preocupante.
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quarta-feira, junho 06, 2012
Gostamos de ser tratados como atrasados mentais?
A imagem de cima começou a ser muito divulgada há uns dias na internet e particularmente numa das "redes sociais". A mensagem é clara, vê-se e entende-se muito bem.
Mas, apesar de a mensagem ser evidente e fácil de ler, alguém achou que isso não era suficiente. Que as pessoas que a vissem não seriam capazes de entender. Então, tratou de acrescentar uma seta a vermelho. Tipo: olhem para aqui. É para aqui que devem olhar.
Como se toda a gente não tivesse entendido já...
Como se fosse preciso tratar os destinatários da mensagem como criancinhas. Ou pior que isso...
Eu lembro-me que, há 15 ou 20 anos atrás, se aparecesse uma coisa assim num programa para crianças - digamos que na Rua Sésamo - logo muita gente diria (e com alguma razão) que isto é um atentado à inteligência e uma tentativa de passar um atestado de estupidez às criancinhas.
Fico muito admirado por ver que hoje não as criancinhas mas os próprios adultos achem isto muito natural.
E que, ainda acusem de "estar a tentar desviar a atenção do essencial" as pessoas que lhes chamam a atenção para o que está implícito no tratamento dado à imagem de baixo.
Gostamos, ou precisamos, de ser tratados como mentecaptos a quem, supostamente, não basta mostrar as coisas mas é também necessário dizer-lhes para onde devem olhar?
E a seguir aceitamos o quê? Que nos digam como devemos pensar (e já faltou mais: os engenheiros do Google já admitiram que "no futuro queremos não só facilitar a pesquisa mas dizer às pessoas que pergunta devem fazer")? E atacamos quem questionar isso porque "está a desviar a atenção do essencial"?
Num mundo dominado pela imagem, não é essencial pensar no que vemos e termos cuidado com as mensagens que consumismos e divulgamos - correndo o risco de, se não o fizermos, nos estarmos a expor de livre vontade a todos os tipos de populismos e de manipulação?
Anexo: Depois de ter escrito o texto acima começaram a circular, e pela mesma sequência, os dois exemplares do "Porto Menu" - primeiro o que tem a mensagem contestatária; depois o que tem a mensagem apontada a seta vermelha e desta vez (não vá alguém ser muitíssimo estúpido ou distraído) não só com a seta mas também com um círculo a reforçar o "olhem para aqui porque é para aqui que devem olhar". A história já demonstrou que normalmente o que começa dessa maneira acaba mais ou menos assim:
Mas essa gaja, a história, quem julga ela que é para nos dar lições, não acham?
sábado, junho 02, 2012
Sobre a criação de novas freguesias em Almada (1980)
("A longo prazo estaremos todos mortos" - Keynes, tal como os neoliberais gostam de se lembrar dele)
Num momento em que poderes financeiros internacionais (neste caso representados por FMI e Banco Central Europeu) e os seus executores políticos (Comissão Europeia) querem obrigar Portugal a reduzir o número de autarquias locais, e quando o subserviente governo português se prepara para lhes fazer a vontade reduzindo o número de freguesias - neste momento parece-me oportuno lembrar que as freguesias administrativas, tal como existem hoje, por exemplo em Almada, não são fruto de nenhum acaso ou capricho: são resultado de um processo histórico e de reivindicações antigas das populações no sentido de aproximar dos cidadãos o poder e os serviços antes excessivamente longínquos e centralizados.
Claro que para os neoliberais nada disto interessa. Só conta o tempo presente, em que tudo é transformado em negócio (portanto avalia-se a necessidade de manter ou eliminar órgãos autárquicos de acordo com critérios economicistas de curto prazo); e para concretizar o negócio vale tudo, principalmente mentir e ocultar factos (por exemplo: fazer passar a ideia de que há em Portugal uma elevada percentagem de funcionários públicos - quando números, por exemplo da insuspeita OCDE, demonstram exactamente o contrário).
Para a esquerda, a questão coloca-se, naturalmente, de forma bem diversa: as pessoas e as suas necessidades antes e acima das engenharias financeiras.
Nesse sentido, divulgo o texto de uma deliberação da Câmara Municipal de Almada que, em 7 de Março de 1980, fazia o ponto da situação quanto ao processo de criação de novas freguesias - mas, mais do que isso, apresentava as razões e o enquadramento histórico para a criação dessas novas unidades territoriais de gestão autárquica (o crescimento populacional, as petições que residentes no concelho tinham feito anteriormente para que fossem criadas novas freguesias, etc.).
O documento foi aprovado por unanimidade (com votos favoráveis dos vereadores do PCP, PS e PSD) e com uma interessante declaração de voto dos vereadores do Partido Socialista.
Sei que é uma contribuição avulsa para um debate necessário, num terreno ainda pouco explorado pelos investigadores da história (talvez por ser muito recente). Mas, como diz o povo: foi o que se conseguiu arranjar...
Cito:
PROPOSTA
O aumento demográfico que se verificou, concretamente a partir dos anos quarenta, e se continua a verificar no nosso Concelho, tem contribuído para o avolumar das dificuldades de administração local, sendo notório que ao nível das freguesias o enorme conjunto de solicitações são cada vez maiores e logo assim as capacidades de resposta vão sendo proporcionalmente mais difíceis.
Há ainda a referir o conjunto de planos de urbanização em curso na Câmara Municipal que irão proporcionar um aumento demográfico ordenado, bastante significativo.
Perante esta realidade, a Câmara cessante fez constar dos Planos de Actividades de mil novecentos e setenta e oito, mil novecentos e setenta e nove e mil novecentos e oitenta, a criação de diversas freguesias, iniciando o trabalho em mil novecentos e setenta e oito.
Neste período, para além do trabalho da Câmara, as Juntas de Freguesia e respectivas Assembleias, concretamente as de Almada, Cova da Piedade e Caparica, aprovaram moções, onde era reivindicado a criação de novas freguesias.
Nesta data, encontram-se concluidos os estudos correspondentes às novas áreas administrativas de Laranjeiro, Feijó, Sobreda, Charneca e Pragal.
Finalmente a Câmara Municipal recebeu ofício datado de sete de Fevereiro de mil novecentos e oitenta, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, solicitando o parecer relativamente ao projecto da criação das freguesias do Laranjeiro, Feijó e Charneca.
Considerando o estudo levado a efeito pelos serviços camarários já concluído, da criação das novas áreas administrativas do Laranjeiro, Feijó na freguesia da Cova da Piedade, Charneca e Sobreda na freguesia de Caparica e Pragal na freguesia de Almada.
Considerando que os limites apresentados no projecto-lei do Grupo Parlamentar do PCP corresponde o estudo efectuado pela Câmara no tocante às novas freguesias de Laranjeiro, Feijó e Charneca.
PROPÕE-SE
1 - Que a Câmara Municipal dê parecer favorável ao projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, e que corresponde à criação das novas freguesias de Laranjeiro, Feijó e Charneca.
2 - Propõe-se ainda a aprovação do estudo da criação das novas freguesias de Sobreda e Pragal efectuado pelos Serviços de Planeamento da autarquia.
Deliberação: Aprovada por unanimidade
Excerto da declaração de voto apresentada pelos vereadores do Partido Socialista:
Os vereadores do PS (Armando Laruça e Celeste Cavaleiro) "votam a favor (...) pondo no entanto as seguintes reservas":
Muito embora o Projecto de Lei número cento e noventa barra I (...) mencione que "já em mil novecentos e sessenta e quatro as populações do Laranjeiro e do Feijó (actualmente integrados na freguesia da Cova da Piedade) apresentaram na CMA requerimentos subscritos pelos "Chefes de família", no sentido de serem criadas novas freguesias", deve chamar-se a atenção de que, no caso do Laranjeiro - Feijó a população, nesse requerimento, manifestava o desejo de "que na área do Laranjeiro - Feijó seja criada uma nova Freguesia, com a denominação de Freguesia de S. José".
Votamos igualmente a favor do parecer favorável ao estudo efectuado pelos serviços de planeamento da Câmara Municipal de Almada das novas freguesias de Sobreda e Pragal, agora concluído, porque ele corresponde, em parte, ao Projecto de Lei número trezentos e vinte e três barra I, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República, em vinte e cinco de Julho de mil novecentos e setenta e nove, correspondente à criação das novas freguesias de Pragal, Charneca, Sobreda, Vila Nova e Laranjeiro. Este projecto voltou agora a ser apresentado na Assembleia da República no dia cinco do corrente.
Fonte: Actas do Executivo da Câmara Municipal de Almada; Arquivo Histórico de Almada.
(Nota final: as freguesias de Laranjeiro, Feijó, Charneca, Sobreda e Pragal só seriam criadas alguns anos mais tarde)
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