domingo, setembro 11, 2011

11 de setembro: dia em que o mundo mudou


11 de Setembro é, sem dúvida, a data mais relevante na História do mundo contemporâneo. 11 de Setembro assinala o início da era neoliberal: o dia em que o poder foi retirado à força a um governo democraticamente eleito para, em seu lugar, colocar um grupo de "rapazes de Chicago", economistas, discípulos da doutrina neoliberal de Milton Friedman, apoiados por um general (Pinochet) e por uma junta militar sem escrúpulos, que lhes fizeram todas as vontades.

Falo-vos, como já entenderam, do 11 de setembro de 1973 - data do golpe militar que derrubou o governo de Unidade Popular de Salvador Allende. E não é por preconceito ideológico que me refiro a esta data como o dia em que o mundo mudou. É, antes, por rigor histórico.

O golpe de 11 de Setembro e a chegada ao poder dos neoliberais, pela mão de Pinochet (e do governo dos EUA) é, pode dizer-se, o acto inaugural do modelo em que praticamente todo o mundo vive hoje. O Chile foi o grande laboratório para a doutrina neoliberal. Pela primeira vez na História, a teoria da "Escola de Chicago" foi aplicada à escala de um país inteiro.

"O Chile, quando sofreu o golpe militar liderado por Pinochet, responsável pelo bombardeio do palácio do Governo que assassinou o presidente democraticamente eleito Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, adotou imediatamente um plano de ação chamado de O Ladrilho, que fora preparado pelos golpistas da direita, com o auxílio de um grupo de economistas, chamados pela imprensa internacional da época os Chicago Boys, provenientes da Universidade de Chicago. Este documento continha os fundamentos do que, depois, viria a ser chamado de neoliberalismo" (Wikipédia)

Trocando em miudos: havia um grupo de economistas que defendia a "libertação" das "forças de mercado", a desregulamentação, a desvalorização do papel regulador do estado, a auto-regulação dos "mercados" - "a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo" (Wikipédia).

Por coincidência, muitos desses economistas eram chilenos e fizeram a sua pós-graduação na Universidade de Chicago, com Milton Friedman, principal teórico da "Escola de Chicago". Daí a designação "Chicago Boys". "Chicago Boys (em português: Garotos de Chicago) foi o nome dado a um grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet." (Wikipédia)

No Chile existia então um governo de orientação socialista, eleito democraticamente. Governo exercido por uma coligação de partidos (UP - Unidade Popular, que englobava os partidos Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata e Movimento de Ação Popular Unitária), e encabeçado pelo presidente Salvador Allende (o Chile era, e ainda é, um país de regime presidencial).

Mas os EUA consideravam tal governo uma ameaça aos seus interesses. O presidente norte-americano, Richard Nixon, e o seu secretário de Estado, Henry Kissinger, diversas vezes manifestaram em público a sua hostilidade ao governo do Chile. De resto, o envolvimento dos EUA na desestabilização da sociedade chilena durante o governo de Allende - por exemplo, incentivando o aparecimento de grupos de extrema direita ou de órgãos de comunicação social - e na preparação do golpe militar são hoje factos incontestados e bem documentados. (Para mais informação, sugiro a leitura deste artigo: Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973)

Grupos violentos hostis ao governo (grupos de extrema direita, mas também de extrema esquerda, como o MIR), imprensa manipulada pelos interesses norte-americanos e umas forças armadas que nunca chegaram a estar verdadeiramente ao lado do poder eleito: tudo isso contribuiu para enfraquecer a Unidade popular e abrir caminho ao golpe militar de 11 de Setembro de 1973.

Mas a intenção dos militares golpistas era, à partida, apenas tomar o poder para liquidar Allende e a UP. Não tinham um programa político. E é aí que entram os "rapazes de Chicago". A Junta de militares entrega-lhes ministérios como os da Economia, Finanças, Trabalho e Aposentadorias e outros cargos importantes no aparelho de Estado, como a direcção do Banco Central ou a superintendência do Sistema de Segurança Privado. E, nas mãos desses "rapazes", rapidamente a economia é desregulada, as empresas estatais vendidas ao preço da chuva (e, por coincidência, compradas por esses mesmos "rapazes", ou pelos seus encarregados de negócios - não sei isto vos faz lembrar realidades mais próximas de nós...), os sindicatos livres são aniquilados, a oposição silenciada.

Assim, "quando se deu o 25 de Abril em Portugal, os rapazes de Chicago treinados por Milton Friedman começavam a usar o Chile como território para a aplicação das normas da liberalização total do mercado" (...) "O neoliberalismo, que ainda hoje se apresenta como ventre puro da democracia e farol da «revolução democrática mundial», deu os primeiros passos como regime político a partir de um golpe militar sangrento e durante dezasseis anos governou à vontade através da desregulação da economia, sem oposição política e sem sindicatos dirigidos por representantes dos trabalhadores", escreve o jornalista José Goulão em "Pagadores de Crises" (livro que, diga-se de passagem, é a principal fonte para este artigo).

Depois, com a chegada de Margaret Tatcher ao poder, tiveram um novo território de experiência, no Reino Unido. Aí, precisariam de se adaptar a uma democracia... E "adaptaram-se", transformando-a num regime mais autoritário (não é por acaso - ou por ser fã de heavy metal... - que Tatcher recebeu a alcunha de "dama de ferro"), "quebrando a espinha aos sindicatos", reforçando o estado policial, etc.

A coisa melhorou bastante (para os neoliberais, claro) com a entrada em cena de um actor de coboiadas chamado Ronald Reagan. Este, uma vez eleito presidente dos EUA, escancarou as portas do que era então o maior mercado do mundo aos neoliberais da cidade dos "gangsters" dos filmes de Hollywood. E, tal como Tatcher, não teve problema nenhum em usar métodos deveras "democráticos" como o despedimento colectivo de 12.172 controladores aéreos em greve, assim mesmo de uma assentada, para mostrar quem manda e como passariam a ser as regras de aí em diante. (Vou repetir, por extenso, para não pensarem que me enganei: doze mil, cento e setenta e dois controladores aéreos, num despedimento colectivo. Vejam a notícia de 8 de agosto de 1981, no site do El Pais).

A cereja em cima do bolo foi o desmantelamento da União Soviética e dos países socialistas do Leste da Europa. Aí os neoliberais encontraram paraísos quase tão bons (ou melhores?) que o Chile de Pinochet: Estados em dissolução, empresas públicas a saque, consumidores ávidos de "mercado livre". E foi o que se viu. Com Bush pai, com Clinton (embora menos...) com Bush filho (sobre esse não me quero alongar, porque não saíamos daqui - mas são bem conhecidas as suas relações com os lóbis do petróleo e com a família dos Laden, por exemplo). E andamos nisto...

Sabemos hoje como o modelo neoliberal está consolidado (apesar das "crises", muitas das quais não passam de dramatização para atingir novos objectivos, atacar países e abocanhar novos mercados) e, embora condenado ao fracasso (é a minha convicção) ainda está aí para fazer muito mal ao mundo. Se olharmos para a História recente - como fizemos neste artigo - apercebemo-nos, então, que o modelo foi testado em primeiro lugar no Chile de Pinochet. Entendemos, assim, a importância histórica desse 11 de Setembro de 1973.

Lembrar esta história é, também, homenagear as vítimas do ataque às torres gémeas de Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001. Porque foram vítimas não só de um ataque terrorista, mas de uma sucessão de acontecimentos políticos que têm a sua génese nas ideias e nas acções dos "rapazes de Chicago" e do seu líder. Foram vítimas de um sistema desumanizado e cruel, que a todos nos consome.

E a questão não é transformá-lo: é acabar com ele.


Fontes consultadas:

José Goulão, "Pagadores de Crises", Sextante Editora, 2010
Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973 (no blogue Mamífero Político)
El País - arquivo online
Wikipédia - vários artigos
TWO MEMORABLE SEPTEMBER 11ths - em Submerging Markets
(e outros sites)
foto encontrada em
http://fmdelacuadra.blogspot.com/2010/09/11-de-septiembre-un-dia-sin-guerra.html

Sem comentários: