segunda-feira, setembro 26, 2011

Estacionamento em Almada: quando a propaganda e a realidade vivem em mundos diferentes (parte 2)

(Nas fotos: Rua Leonel Duarte Ferreira, Almada, Setembro de 2011. O parque "Conde Ferreira" fica ao fundo desta rua; o parque da Capitão Leitão fica a cerca de 50 metros do local onde foi captada a imagem de cima e a menos de 150 metros de qualquer localização nesta rua.)

Chegou-me hoje à caixa do correio o boletim da Junta de Freguesia de Almada, em cuja contra-capa se encontra este delicioso pedaço de prosa poética:

"Inaugurou no dia, 1 de Junho o último dos 5 novos parques de estacionamento previstos para Almada, designado Parque Capitão Leitão, que será gerido pela ECALMA. O novo parque, à semelhança do Parque Conde Ferreira, em pleno coração de Almada Velha trará decerto grandes benefícios tanto aos residentes, como ao comércio local, aos que usufruem dos serviços e da oferta cultural desportiva, ou apenas ao convívio, das diversas colectividades que enriquecem esta zona, como aos que trazem os seus filhos à escola, como ainda aos turistas que nos visitam e que obrigatoriamente incluem a zona histórica no seu roteiro".

Eu moro na Rua Leonel Duarte Ferreira (rua do incorrectamete chamado "parque Conde Ferreira, em pleno coração de Almada Velha") e até gosto muito de poesia, como se sabe. Mas esta prosa poética é de muito mau gosto e dá vontade de rir, no mínimo. Porque a realidade que toda a gente encontra aqui, há muito tempo - antes, mas também depois da construção dos novos parques - é o que se vê na imagem acima. E Ecalma nem vê-la, na rua do seu próprio parque de estacionamento. Aliás, dizem até que têm "ordens superiores" para não intervir aqui!!!

Mas espera aí... Estou a repetir-me, não estou? Já escrevi isto antes (em Maio) não escrevi?

Pois. Mas o boletim da Junta de Freguesia de Almada também vem agora com a mesma conversa (corte e cola, praticamente) que publicou em Maio passado.

E a verdade - a tal realidade, que todos conseguem ver mas que alguns julgam que se pode tapar com uma peneira - é que o problema, em vez de se resolver, agravou-se! É para isto que se gasta dinheiro em parques de estacionamento: para aumentar - e incentivar! - a utilização ilegal dos passeios e ter às moscas o parque que foi pago com dinheiro de todos nós? E a Ecalma, afinal, serve para quê? (A propósito: continuo à espera de resposta a duas perguntinhas muito simples que fiz à Ecalma. E fiz essas perguntas no dia 25 de Agosto. Há um mês...)

São ceguinhos, perderam a noção da realidade, ou andam só a gozar com os munícipes?

sexta-feira, setembro 23, 2011

A primeira grande angústia da era espacial


Um satélite artificial desgovernado vem a caminho da Terra. Apesar dos esforços de monitorização da NASA, ninguém sabe ao certo onde vai cair. A humanidade, angustiada, liga-se aos órgãos de comunicação social (e aos deuses, quem os tem...) e suspende a respiração, esperando que o satélite norte-americano - que é dos grandes, ainda por cima - não provoque nenhum fim do mundo. E tudo isto é novo: é o primeiro drama global da era espacial.

Falo-vos, obviamente, da queda da estação espacial Skylab, há 32 anos!

"Skylab designa a estação espacial estadunidense que foi lançada ao espaço em 14 de maio de 1973, a uma altitude de 435 km, e reentrou na atmosfera, destruindo-se prematuramente, em 1979." (Wikipédia)



Como qualquer objecto que entra na atmosfera terrestre, desintegrou-se. Mas era um objecto realmente grande. Alguns pedaços chegaram intactos e acabaram por atingir território da Austrália - sem vítimas nem grandes danos a registar. Vejam a reportagem:

quarta-feira, setembro 21, 2011

Jamaica, Cais do Sodré

Como certamente todos saberão (uns por experiência própria, outros por ouvir falar), a "discoteca" Jamaica - em Lisboa, Cais do Sodré - foi um dos locais de culto das noites lisboetas, principalmente durante a oh tão mítica década de 80 do século passado - embora a então "boite" tivesse começado a fazer a diferença uns anos antes, muito devido à cuidada (e "culta") selecção musical dos seus residentes DJs (disc-jockeys, como se dizia então, por extenso).

Por acaso eu fazia parte, nos anos 80, de um grupinho de amigos de um dos DJs do Jamaica - e, quanto mais não fosse por isso (mas não era só por isso, claro!), frequentava muito aquele espaço que para mim era um bar (pé de chumbo que sou eu, raramente usufruia da pista de dança).

Mais tarde, já na década de 90, fiquei a conhecer também um dos gerentes do barzito. E pronto, lá voltei eu a frequentar a casa...

Mas a ideia não era vir aqui contar-vos estórias banais. Era só assinalar e festejar a recentíssima reabertura do Jamaica (ver notícia clicando neste link). E mostrar-vos aquela imagem ali em cima, recuperada do fundo do meu baú: é a parte da frente de um calendário do ano de 1988. Do tempo em que o Jamaica era "boite" e estava aberta "até às 3.30h da madrugada".

Ai, as secas que eu (e companhias) apanhei (apanhámos) na estação fluvial do Cais do Sodré, à espera do primeiro barco para Cacilhas...

Belos tempos, pois. (E temporais, algumas vezes.)

sexta-feira, setembro 16, 2011

Pra não dizer que não falei da mobilidade

Está a decorrer - entre 16 e 22 de setembro - mais uma Semana Europeia da Mobilidade.
Almada é uma das cidades portuguesas que participa, desde a primeira edição. Há cada vez menos municípios portugueses a participar nesta iniciativa. Mas os autarcas cá da terra têm boas intenções, boas ideias e bons projectos - e não perdem uma oportunidade para os propagandear. Todos os projectos? Bem, nem todos...

O Plano de Mobilidade Acessibilidades 21 - estudo estruturante realizado há uma década, antevendo a implementação do metro de superfície - anda estranhamente esquecido. Não sei porquê. Pois se é a prova de que em Almada as coisas não se fazem à toa, a reboque de interesses eleitoralistas ou cedendo a pressões demagógicas de partidos derrotados nas últimas eleições autárquicas... Pois não?

Mas pronto, iniciativas de sensibilização como a Semana da Mobilidade fazem falta e são sempre de aplaudir.

Consultem a informação sobre a edição deste ano, no site da Câmara de Almada:
Semana da Mobilidade 2011

E fiquem, como eu, à espera que o bom trabalho continue depois desta semana. Eu estou à espera, mas sentado. Querem que vos vá buscar um banquinho?

«O neoliberalismo instituiu a "crise" como um regime político» - José Goulão



Desde que me lembro de andar cá andar pelo mundo, sempre tenho ouvido falar em crise. Foi a crise do petróleo nos anos 70, as diversas crises dos anos 80 - e até dos anos 90! - depois a do princípio do século 21, e agora esta. Ou estas... (será a de 2008 a mesma que vivemos agora)?

Mas também, desde há muito tempo, ouço pessoas dizerem-me que as "crises" (assim, entre aspas) não são mais que desculpas que os governantes arranjam para nos pedir sacrifícios. Ou que (outra opinião que há muito tenho ouvido) a crise, neste caso sem aspas, é afinal inerente ao próprio sistema.

No livro "Pagadores de Crises" (Sextante Editores, 2010), o jornalista José Goulão ajuda-nos a entender o mundo (e as crises) em que vivemos, e como chegámos ao que chegámos.

Mas este não é um trabalho "de tese". É, antes, uma investigação jornalística, muito bem fundamentada. Parte de factos, e não de opiniões. Factos que podem ser verificados e confirmados por qualquer um de nós - quase toda essa informação encontra-se publicada e acessível na internet - e que são, diria, coisas até do senso comum. Nada de teorias da conspiração, aqui!

Sabe-se que o liberalismo é uma teoria nascida no século 18 que defende a mínima intervenção do Estado nos assuntos económicos; que a teoria foi retomada e desenvolvida no século 20, na Europa e nos EUA; que depois de diversos debates entre os teóricos neoliberais prevaleceu o modelo de Milton Friedman e da "Escola de Chicago"; que alguns dos seus alunos (e o próprio Friedman) aplicaram o modelo na prática e à escala de um país pela primeira vez no Chile de Pinochet, a partir de 1973; que o modelo começou depois a expandir-se a partir do Reino Unido de Tatcher e dos EUA de Reagan; que hoje está implantado em praticamente todo o mundo. Isto são os tais factos incontestáveis e verificáveis (se quiserem aprofundar o assunto este artigo da Wikipédia pode ser um bom ponto de partida: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo).

Faltava apenas relacionar esses factos, aprofundar a compreensão dos mecanismos - políticos, sociais, económicos, propagandisticos - com que funcionam, e apresentá-los numa "linha de tempo", para contar a história dos últimos 40 anos. Que é, portanto, a história do aparecimento, desenvolvimento e consolidação desse "regime universal" (definição do autor) que hoje nos governa. José Goulão faz isso. E, partindo dos factos, chega a conclusões que, para muitos de nós, poderão ser perturbadoras

Mas, também aí não será muito difícil concordarmos com o autor. Se pensarmos nos factos que nos são apresentados, se soubermos reflectir sobre eles - se soubermos pensar com o tal tipo de pensamento que utiliza o senso comum - descobrimos que a coisa pode muito bem ser assim como é descrita no livro, e não como somos levados a crer pela informação (ou melhor: pela falta de informação sobre o assunto) com que somos constantemente bombardeados.

Pensei fazer uma recensão crítica do livro. Mas não tenho jeito nenhum para essas coisas. Deixo-vos algo melhor: a transcrição de parte de uma entrevista dada por José Goulão a outro jornalista (José Manuel Rosendo), na Antena 1, em 2010. (O áudio integral da entrevista encontra-se no site desse canal, ao qual podem aceder clicando aqui.)


JMR - Depois de 40 anos de jornalismo, um livro que não podia ser mais pertinente: Pagadores de Crises. Sendo que logo na capa se anuncia que "a crise é o sistema político em que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns. José Goulão, este dito aplica-se a Portugal?

JG - Claro. Aplica-se no fundo ao mundo inteiro e - por questões absolutamente normais, de convivência universal - aplica-se a Portugal.


JMR - Um livro sobre a crise em plena crise...


JG - É um livro sobre a crise em plena crise, embora deva confessar que a génese (do livro) não é esta actual crise, é a crise de 2007. A ideia nasce aí. A realidade veio confirmar a inves
tigação. Ou seja, que o neoliberalismo instituiu a crise como um regime político. Porque foi criando maneira de combater as defesas das pessoas, as defesas dos sistemas sociais, e neste momento afirma-se plenamente como aquilo que é: governar em nome do lucro e no essencial contra as pessoas. O livro explica esta história desde que podemos ir buscá-la. Pode ser chocante para as pessoas que estas coisas sejam afirmadas com esta crueza, mas na verdade podemos ir buscar a génese do regime universal que hoje nos governa à experiência que foi feita no Chile de Pinochet. Porque aquilo que na altura os mentores económicos do Chile de Pinochet fizeram não é mais do que aquilo que nos está a acontecer e que nos vemn acontecendo nos últimos anos. E basta ver as questões das privatizações, do ataque às pensões sociais, aos salários, aos sindicatos, aos direitos fundamentais das pessoas, designadamente o direito à greve... Tudo isto com que vivemos hoje em dia, se formos investigar a história dos últimos 40 anos, vamos encontrá-las exactamente no Chile de Pinochet, no Reino Unido da sra. Tatcher...

JMR - E tudo isso feito por governos que têm a legitimidade do voto. Esta ideia de que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns significa que a democracia está moribunda?

JG - Significa que a democracia ficou emparedada naquilo a que podemos considerar a convergência num grande bloco a que se chama os partidos estruturantes ou os partidos com vocação governamental - como se todo o mundo e todas as pessoas dependessem das discussões que se passam por exemplo entre o engenheiro Sócrates e o dr. Passos Coelho
(obs: a entrevista é de 2010). Ora, a democracia é muito mais do que isso, é muito mais do que essas duas pessoas ou de quem as representa em conjunturais negociações. E democracia somos nós todos, o Estado somos nós todos. Mas aquilo que se verifica é o esvaziamento completo do Estado como aparelho dos cidadãos. E o Estado está um resíduo desprestigiado, ao serviço de interesses que não são propriamente os dos cidadãos, mas de alguns cidadãos que parecem ser mais cidadãos que os outros. E esta é a realidade desta crise que todos nós pagamos - por isso "Pagadores de Crises" - para apenas alguns viverem, e viverem bem. Onde é que está nisto a democracia? Está em que todos votamos, e votamos livremente, e falamos livremente. Agora, podemos não ser ouvidos? Podemos. E é o que está a acontecer: não somos ouvidos. E o nosso voto depois de colocado na urna segue um destino que nenhum de nós controla porque encaminhado para dois partdos que depois entre si mesmos têm birras mas não têm visões diferentes da governação. E a democracia encaminha-se depois para as decisões desses senhores. Isto é uma democracia emparedada e há que libertá-la. É um simulacro de que alguns se aproveitam usando o voto de todos nós.

JMR - Isto é um livro carregado de ironia. Aliás, ao longo do livro chama a atenção para isso mesmo. Não corre o risco de provocar más interpretações? Ou pelo menos não conseguir que a interpretação dada seja aquela que é pretendida?


JG - A ironia é uma forma de comunicação para pôr de certa forma a realidade a nu, e por vezes a ridículo. Embora este ridículo seja ridículo com coisas muito sérias, que são a nossa vida, a sobrevivência de milhões de pessoas que vivem num mundo completamente desregulado e cheio de desequilíbrios. Desequilíbrios esses que se aprofundam. Eu creio que a ironia é uma forma de chamar muito a atenção para a crueza desta realidade.É um livro polémico, claro. É um livro que vai gerar opiniões muito divergentes. As pessoas podem não estar de acordo, ótimo. Aliás, a democracia é exatamente isso. Mas é um livro que através da ironia, através de factos, e os factos estão lá, e são factos que qualquer um de nós tem a noção de que são assim mesmo, e as pessoas tirarão as suas ilações e sobretudo se as compararem com a vida que vivemos hoje e com aquilo que se passa à nossa volta.


JMR - A crítica ao capitalismo selvagem é muito forte. Como é que os pagadores de crises podem deixar esse estatuto nada invejável?


JG - Fazendo funcionar a democracia. É essa a questão, é desbloquear a democracia. Assumirem-se cada vez mais como cidadãos e conseguirmos todos arranjar maneira de sermos ouvidos. Deixarmos de estar a votar para surdos e para pessoas que já, independentemente daquilo prometem, depois fazem aquilo que lhes apetece. A democracia tem espaços, tem virtualidades. As liberdades têm este espaço amplo de podermos discutir. É questão de que estas realidades sejam denunciadas de uma maneira cada vez mais evidente, furando também o bloqueio de comunicação. Porque como sabemos todo este regime, digamos, universal beneficia de um sistema brutal de propaganda, que é montado através dos grandes meios de comunicação social, subservientes, no fundo, ao próprio regime.


JMR - É possível fazer uma reforma deste capitalismo ou este é um poder que não admite reformas?


JG - Este poder não admite reformas. Podendo a crise se considerada como um estado supremo do neoliberalismo... Estes regimes vão apodrecendo, como todos os regimes autoritários - e este é de facto um regime autoritário, na sua essência, não por vezes naquilo que nós identificamos como um regime autoritário à Pinochet, ou ditatorial, mas é autoritário porque não permite espaços de contestação efectivamente eficazes. É contestação pela contestação. Este neoliberalismo não se suicida, como eu digo no último capítulo, é preciso digamos que, e também aqui recorrendo à ironia, suicidá-lo. É preciso transformar toda esta sociedade e para isso é fazer funcionar a democracia. E assumirmo-nos todos como cidadãos e de alguma maneira trabalharmos todos para que o Estado seja colocado ao serviço dos cidadãos e deixe de ser esta coisa híbrida, este molusco que as pessoas acabam por desprezar. Porque quem está à cabeça do Estado no fundo não gosta do Estado, acha que o estado está a mais, que o Estado é um mal necessário, e usa o Estado para servir não os cidadãos, mas alguns cidadãos, como já disse. Este sistema está muito bem instalado, consegue sobreviver, e sobrevive cada vez mais, à custa de nos ir espremendo a nós, pagadores de crises, cada vez mais. E democraticamente temos que reflectir, discutir, e fazer funcionar a democracia e fazer com que, de alguma maneira, sejamos ouvidos, se não por aqueles que continuarem surdos, por outros que saibam, ouvir, escutar, e que saibam no fundo governar. Governar em nome das pessoas e para as pessoas e através de mecanismos que sejam respeitadores das pessoas, que é isso que não temos hoje.


Nota de rodapé - José Goulão "é um jornalista português. Iniciou a actividade em A Capital, em 1974, e trabalhou em O Diário, no Semanário Económico e na revista Vida Mundial, de cuja última série foi director.
Foi também director de comunicação do Sporting Clube de Portugal.
Fez carreira na àrea de Política internacional , especialmente nas questões do Médio Oriente , sendo os seus comentários nesta matéria frequentemente requisitados por diversos órgãos de comunicação social , como a TSF e o Canal 2: da RTP" (segundo a Wikipédia).

Numa entrevista ao jornal de A Voz do Operário, prefere no entendo apresentar-se como "um jornalista, que foi um dia para Beirute, para a guerra de 1982 e ficou completamente fascinado pela problemática do Médio Oriente.
Um jornalista que quanto mais aprofunda o conhecimento sobre essa área menos sabe sobre ela, porque a riqueza cultural, civilizacional e o que está em causa naquela região é de tal modo arrebatadora que ultrapassa o fascínio... e é tão complexa, que é inimiga de quem se acha senhor da verdade.
Portanto, em relação àquela região, eu jornalista, não tenho nem a verdade, nem o conhecimento, nem o preconceito.
Sei que conheço o que lá se passa, mas não tenho a veleidade de conhecer o Médio Oriente.”

Nota de rodapé à nota de rodapé - José Goulão foi, igualmente, professor em cursos de Jornalismo realizados no Centro Cultural de Almada, na segunda metade da década de 1980. Foi nessa associação almadense que tive a oportunidade de o conhecer. E, se mais tarde enveredei também pela "carreira" (não simpatizo muito com essa palavra...) de jornalista, foi muito por influência do seu exemplo profissional. Não só mas também, como se costuma dizer...

domingo, setembro 11, 2011

11 de setembro: dia em que o mundo mudou


11 de Setembro é, sem dúvida, a data mais relevante na História do mundo contemporâneo. 11 de Setembro assinala o início da era neoliberal: o dia em que o poder foi retirado à força a um governo democraticamente eleito para, em seu lugar, colocar um grupo de "rapazes de Chicago", economistas, discípulos da doutrina neoliberal de Milton Friedman, apoiados por um general (Pinochet) e por uma junta militar sem escrúpulos, que lhes fizeram todas as vontades.

Falo-vos, como já entenderam, do 11 de setembro de 1973 - data do golpe militar que derrubou o governo de Unidade Popular de Salvador Allende. E não é por preconceito ideológico que me refiro a esta data como o dia em que o mundo mudou. É, antes, por rigor histórico.

O golpe de 11 de Setembro e a chegada ao poder dos neoliberais, pela mão de Pinochet (e do governo dos EUA) é, pode dizer-se, o acto inaugural do modelo em que praticamente todo o mundo vive hoje. O Chile foi o grande laboratório para a doutrina neoliberal. Pela primeira vez na História, a teoria da "Escola de Chicago" foi aplicada à escala de um país inteiro.

"O Chile, quando sofreu o golpe militar liderado por Pinochet, responsável pelo bombardeio do palácio do Governo que assassinou o presidente democraticamente eleito Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, adotou imediatamente um plano de ação chamado de O Ladrilho, que fora preparado pelos golpistas da direita, com o auxílio de um grupo de economistas, chamados pela imprensa internacional da época os Chicago Boys, provenientes da Universidade de Chicago. Este documento continha os fundamentos do que, depois, viria a ser chamado de neoliberalismo" (Wikipédia)

Trocando em miudos: havia um grupo de economistas que defendia a "libertação" das "forças de mercado", a desregulamentação, a desvalorização do papel regulador do estado, a auto-regulação dos "mercados" - "a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo" (Wikipédia).

Por coincidência, muitos desses economistas eram chilenos e fizeram a sua pós-graduação na Universidade de Chicago, com Milton Friedman, principal teórico da "Escola de Chicago". Daí a designação "Chicago Boys". "Chicago Boys (em português: Garotos de Chicago) foi o nome dado a um grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet." (Wikipédia)

No Chile existia então um governo de orientação socialista, eleito democraticamente. Governo exercido por uma coligação de partidos (UP - Unidade Popular, que englobava os partidos Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata e Movimento de Ação Popular Unitária), e encabeçado pelo presidente Salvador Allende (o Chile era, e ainda é, um país de regime presidencial).

Mas os EUA consideravam tal governo uma ameaça aos seus interesses. O presidente norte-americano, Richard Nixon, e o seu secretário de Estado, Henry Kissinger, diversas vezes manifestaram em público a sua hostilidade ao governo do Chile. De resto, o envolvimento dos EUA na desestabilização da sociedade chilena durante o governo de Allende - por exemplo, incentivando o aparecimento de grupos de extrema direita ou de órgãos de comunicação social - e na preparação do golpe militar são hoje factos incontestados e bem documentados. (Para mais informação, sugiro a leitura deste artigo: Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973)

Grupos violentos hostis ao governo (grupos de extrema direita, mas também de extrema esquerda, como o MIR), imprensa manipulada pelos interesses norte-americanos e umas forças armadas que nunca chegaram a estar verdadeiramente ao lado do poder eleito: tudo isso contribuiu para enfraquecer a Unidade popular e abrir caminho ao golpe militar de 11 de Setembro de 1973.

Mas a intenção dos militares golpistas era, à partida, apenas tomar o poder para liquidar Allende e a UP. Não tinham um programa político. E é aí que entram os "rapazes de Chicago". A Junta de militares entrega-lhes ministérios como os da Economia, Finanças, Trabalho e Aposentadorias e outros cargos importantes no aparelho de Estado, como a direcção do Banco Central ou a superintendência do Sistema de Segurança Privado. E, nas mãos desses "rapazes", rapidamente a economia é desregulada, as empresas estatais vendidas ao preço da chuva (e, por coincidência, compradas por esses mesmos "rapazes", ou pelos seus encarregados de negócios - não sei isto vos faz lembrar realidades mais próximas de nós...), os sindicatos livres são aniquilados, a oposição silenciada.

Assim, "quando se deu o 25 de Abril em Portugal, os rapazes de Chicago treinados por Milton Friedman começavam a usar o Chile como território para a aplicação das normas da liberalização total do mercado" (...) "O neoliberalismo, que ainda hoje se apresenta como ventre puro da democracia e farol da «revolução democrática mundial», deu os primeiros passos como regime político a partir de um golpe militar sangrento e durante dezasseis anos governou à vontade através da desregulação da economia, sem oposição política e sem sindicatos dirigidos por representantes dos trabalhadores", escreve o jornalista José Goulão em "Pagadores de Crises" (livro que, diga-se de passagem, é a principal fonte para este artigo).

Depois, com a chegada de Margaret Tatcher ao poder, tiveram um novo território de experiência, no Reino Unido. Aí, precisariam de se adaptar a uma democracia... E "adaptaram-se", transformando-a num regime mais autoritário (não é por acaso - ou por ser fã de heavy metal... - que Tatcher recebeu a alcunha de "dama de ferro"), "quebrando a espinha aos sindicatos", reforçando o estado policial, etc.

A coisa melhorou bastante (para os neoliberais, claro) com a entrada em cena de um actor de coboiadas chamado Ronald Reagan. Este, uma vez eleito presidente dos EUA, escancarou as portas do que era então o maior mercado do mundo aos neoliberais da cidade dos "gangsters" dos filmes de Hollywood. E, tal como Tatcher, não teve problema nenhum em usar métodos deveras "democráticos" como o despedimento colectivo de 12.172 controladores aéreos em greve, assim mesmo de uma assentada, para mostrar quem manda e como passariam a ser as regras de aí em diante. (Vou repetir, por extenso, para não pensarem que me enganei: doze mil, cento e setenta e dois controladores aéreos, num despedimento colectivo. Vejam a notícia de 8 de agosto de 1981, no site do El Pais).

A cereja em cima do bolo foi o desmantelamento da União Soviética e dos países socialistas do Leste da Europa. Aí os neoliberais encontraram paraísos quase tão bons (ou melhores?) que o Chile de Pinochet: Estados em dissolução, empresas públicas a saque, consumidores ávidos de "mercado livre". E foi o que se viu. Com Bush pai, com Clinton (embora menos...) com Bush filho (sobre esse não me quero alongar, porque não saíamos daqui - mas são bem conhecidas as suas relações com os lóbis do petróleo e com a família dos Laden, por exemplo). E andamos nisto...

Sabemos hoje como o modelo neoliberal está consolidado (apesar das "crises", muitas das quais não passam de dramatização para atingir novos objectivos, atacar países e abocanhar novos mercados) e, embora condenado ao fracasso (é a minha convicção) ainda está aí para fazer muito mal ao mundo. Se olharmos para a História recente - como fizemos neste artigo - apercebemo-nos, então, que o modelo foi testado em primeiro lugar no Chile de Pinochet. Entendemos, assim, a importância histórica desse 11 de Setembro de 1973.

Lembrar esta história é, também, homenagear as vítimas do ataque às torres gémeas de Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001. Porque foram vítimas não só de um ataque terrorista, mas de uma sucessão de acontecimentos políticos que têm a sua génese nas ideias e nas acções dos "rapazes de Chicago" e do seu líder. Foram vítimas de um sistema desumanizado e cruel, que a todos nos consome.

E a questão não é transformá-lo: é acabar com ele.


Fontes consultadas:

José Goulão, "Pagadores de Crises", Sextante Editora, 2010
Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973 (no blogue Mamífero Político)
El País - arquivo online
Wikipédia - vários artigos
TWO MEMORABLE SEPTEMBER 11ths - em Submerging Markets
(e outros sites)
foto encontrada em
http://fmdelacuadra.blogspot.com/2010/09/11-de-septiembre-un-dia-sin-guerra.html

quinta-feira, setembro 08, 2011

Outro tempo, o mesmo (?) lugar



Foto de cima: Festa do Avante 2001, Palco 25 de Abril, domingo à tarde, durante o concerto de Xutos & Pontapés.
Foto de baixo: Festa do Avante 2011, Palco 25 de Abril, sábado à tarde, durante o concerto de The Poppers.

Já dizia o velho Heraclito: "entramos e não entramos duas vezes nos mesmos rios; somos e não somos". Chamem-lhe obscuro...

quinta-feira, setembro 01, 2011

Festa do Avante!

Com o aproximar do primeiro fim de semana de Setembro, é inevitável falar da Festa do Avante! Mas como já me tenho referido muito ao assunto, desta vez não me alongo (vejam aqui todos os "posts" que publiquei neste blogue relacionados com a festa).
Deixo-vos o "link" para o site oficial da edição deste ano.
É este:

Boa festa! Divirtam-se!