Como se sabe, o Festival de Almada é o melhor e mais importante (importante em vários sentidos) entre os que se realizam em Portugal.
E é, também, reconhecido como um dos principais eventos do género em toda a Europa.
E é, também, reconhecido como um dos principais eventos do género em toda a Europa.
Este ano, o festival está a realizar (entre 4 e 18 de Julho, como sempre...) a sua 25.ª edição - e a assinalar, também, o 30.º aniversário da instalação na nossa cidade da Companhia de Teatro de Almada (então ainda com a designação que trazia desde a origem: Grupo de Campolide).
Eu comecei a ver espectáculos do "Campolide" em 1981; fui espreitar algumas das primeiras edições da Festa de Teatro de Almada (pois era assim, nos primórdios, que se chamava o Festival...), ainda nos anos 80 (estava eu, então, a fazer o meu "tirocínio" no Centro Cultural de Almada); e, mais tarde, acompanhei algumas edições do Festival já no desempenho da minha profissão de jornalista.
Assim, e aproveitando estas efemérides (aniversários do festival e da companhia que o organiza), atrevo-me a publicar aqui meia dúzia de coisas que sei, e de que me lembro, sobre os ditos festival e companhia. (Mas aviso já que são memórias, mesmo - se, por engano, vieram aqui à procura de peixeirada, não percam o vosso tempo: já sabem a que outros blogues se devem dirigir.)
Anos 80:
O Grupo de Campolide no Teatro da Academia Almadense e "Que Farei com Este Livro?"
Então é assim: eu cá até nem sou um gajo muito teatreiro, mas no ano lectivo de 1980/1981 (pois é, já sou assim tão antigo...) estava no nono ano, numa turma de Teatro, com a professora Maria Santos (que, naquele tempo era dirigente do Partido Ecologista os Verdes e actualmente é, se não me engano, deputada do Partido Socialista - e eu sei que isto não interessa para o caso, mas talvez assim vocês já fiquem a ver quem é a pessoa).
Nesse tempo,"fazer teatro" não era uma actividade lá muito bem vista. A minha turma era olhada pelos outros alunos como se fosse um bando de anormais (para não dizer outra coisa mais feia...). E era, a minha turma, composta na sua maioria por alunos repetentes - que, depois de terem experimentado outras opções, iam tentar a que lhes restava: o Teatro.
Essa actividade - o Teatro - era vista como uma coisa de gente desqualificada. Estávamos em Almada, Portugal, no início da década de '90. Diziam os outros alunos que, nas nossas aulas de Teatro, a gente tinha de andar de "collants", feitos uns mariquinhas... E diziam mais algumas coisas, de que agora não me recordo.Para tirar dúvidas (ou seja: para ver se nós eramos mesmo os tais anormais), estavam sempre a espreitar para dentro da sala de aula, enquanto esta decorria. A professora foi obrigada a mudar as aulas para outra sala, no piso superior.
Era difícil, ser-se aluno de Teatro, em Almada (suponho que em Portugal inteiro - mas falo apenas daquilo que sei), nesse início da "mítica" década de 1980.
Mas - e é aqui que, a bem dizer, tudo começa - havia já uma companhia profissional que procurava ensinar as pessoas a ver Teatro (porque não basta ver: é preciso saber ver). Essa companhia tinha nascido anos antes em Lisboa e residia no teatro da Academia Almadense desde 1978. Era o Grupo de Campolide (designação à qual adicionou rapidamente a de Companhia de Teatro de Almada... embora, durante muitos anos,
ontinuasse ainda a ser conhecida como "o Campolide").
Ensinar as pessoas a ver Teatro" implicava, por exemplo, oferecer espectáculos às escolas do concelho. E, numa dessas ofertas, lá vou eu, com um enorme e ruidoso grupo de jovenzitos da Escola Secundária de Almada (é a actual Fernão Mendes Pinto, no Pragal) ver, no velhote teatro da Academia Almadense, uma peça intirulada "Que Farei com Este Livro?".
Conhecem? É um texto de José Saramago (esse mesmo: o prémio Nobel), uma ficção sobre a vida de Luís de Camões. E tinha duas grandes interpretações (dois "papelões", como a gente dizia) de Canto e Castro e de Teresa Gafeira.
Que o pessoal da escola acompanhou com gritinhos, piadas, comentários em voz muito alta... enfim, como se estivessemos na actualidade e, em vez de estarem a assistir a um espectáculo de Teatro (um grande e memorável espectáculo de Teatro, devo dizer-vos) estivessem a ver uma tourada e... Hum... espera aí... uma tourada não, que isso é um espectáculo bárbaro e os jovens de hoje não querem nada com barbaridades... Portanto, a maneira como, em 1981, eles acompanharam aquele acto cultural foi como se, nos dias de hoje, estivessem a ver... Como é que se chama mesmo aquele mui digno espectáculo que costuma encher de murros e pontapés o Pavilhão Atlântico?... (Desculpem lá, deu-me uma branca... eh eh eh!....)
Mas pronto, o que eu vos quero dizer é que, no início da década de 80, este povo era ainda muito culturalmente atrasadinho - e a Companhia de Teatro de Almada tinha uma árdua tarefa pela frente, para nos ensinar boas maneiras.
E olhem que não estou a ironizar!
A Festa de Teatro de Almada, depois Festival Internacional de Teatro de Almada
Ao longo dos anos '80, a oferta de espectáculos culturais de qualidade estava, em Almada, a cargo (quase exclusivamente) do "Campolide".
Sim, eu sei que - nesse tempo - ainda havia muita actividade nas colectividades (embora estas estivessem já a passar por tempos difíceis), e eu próprio estive quase para me integrar no grupo de bibiotecários da IncríveAlmadense,a convite de Alexandre Castanheira; e não me esqueço que a Câmara de Almada organizava eventos de rua como um Festival Internacional de Poesia (onde me estreei a ler publicamente, na edição de 1981 - mas conto-vos isso noutra altura), ou o Festival de Arte Viva (que muito chocou as mentalidades almadenses - e de que também vos hei-de falar, um destes dias).
Ah, pois: não me esqueço, também, dos eventos promovidos pelo Centro Cultural de Almada, nos quais trabalhei: animações de rua, no actual Parque Urbano ("a relva", para simplificar) e na Costa de Caparica, bem como as feiras do livro. Mas isso fica, igualmente, para outra ocasião (até porque a actividade do CCA, desconhecida da generalidade da população, foi afinal muito importante e pioneira, não só no concelho, mas no país).
Mas isso eram "ovnis" que apareciam para sobressaltar o marasmo cultural da cidade.
Quem fazia um trabalho mais visível e frutuoso (apetece dizer, sem exageros: mais pedagógico) era a Companhia de Teatro de Almada. O "Campolide".
Lembro-me de ver, durante essa década, mais alguns grandes espectáculos de Teatro naquela sala da Academia Almadense. Por exemplo: "A Excepção e a Regra", de Bertolt Brecht, encenada (julgo eu) por elemento(s) do Berliner Ensemble. (E eu, nesse tempo, até via muito, e bom, Teatro.)
O "Campolide" tinha, então: bons espectáculos, acções de divulgação
junto das escolas e das colectividades (para formar público,
obviamente) e, a dada altura, também uma grande animação cultural nas
ruas (e becos) de Almada Velha. Chamou-se Festa de Teatro de Almada -
e foi, como se sabe, a antecessora do prestigiado festival que temos
hoje.
junto das escolas e das colectividades (para formar público,
obviamente) e, a dada altura, também uma grande animação cultural nas
ruas (e becos) de Almada Velha. Chamou-se Festa de Teatro de Almada -
e foi, como se sabe, a antecessora do prestigiado festival que temos
hoje.
A Festa de Teatro teve as primeiras edições no Largo da Boca do Vento e passou depois a realizar-se na Casa da Cerca (à qual então se chamava Palácio da Cerca eque, a propósito, também conheci, e fotografei, anos antes, quando o CCA ali quis instalar um equipamento que seria a Casa da Criança... mas pronto, também não vou vou dizer nada sobre isso agora).
Dessas já longínquas edições da Festa de Teatro de Almada guardo memórias muito agradáveis. Por exemplo: Mário Viegas com os "Contos do Gin Tonic" (de Mário Henrique Leiria), ou uma enorme Maria do Céu Guerra a fazer a "Calamity Jane". Agradeço, comovido, à Companhia de Teatro de Almada (ao "Campolide") a oportunidade que me deu de ver esses espectáculos - que, enquanto viver, jamais esquecerei! (Eu sou um piegas, sabiam?)
Já não sei em que ano a Festa passou a Festival Internacional.
Mas será que isso é importante?
Década de 90:
O Teatro Municipal, aliás ex-Oficina da Cultura, aliás ex-mercado Abastecedor de Almada
Neste caso, a década de '90 começa em 1988: foi nesse ano que a Companhia de Teatro de Almada passa a "residir" no "novo" (hoje antigo) Teatro Municipal.
Ora, o Teatro Municipal era a Antiga Oficina da Cultura (onde - e lá vou eu armar-me aos cucos... - apresentei, em 1981, com a minha turma de Teatro, um espectáculo de fim de ano lectivo; e onde, já em 1986, organizei, no âmbito da Feira do Livro desse ano, um espaço de jovens publicações e novos autores). E esse espaço tinha sido, anteriormente, o mercado abastecedor de Almada. Mesmo com todas as transformações, adaptações e melhoramentos que, em 1988, ali foram feitas, o Teatro Municipal não era, ainda, a sala que a CTA tanto desejava (e merecia).
Era o espaço possível... E assim foi, até esta década que está agora a terminar (ou, se preferirem, até este século que está agora a começar!)
Por acaso (e deve ser mesmo por acaso), só me recordo de ter visto, nesse espaço, um espectáculo que muito me impressionou: "Restos", do polaco Joseph Szaina. Mas suponho que isso aconteceu porque, nos anos '90, eu já não tinha idade para andar por aí a impressionar-me com muita coisa...
O Festival de Almada, em 1996:era para ser a 13.º edição, topam?
Então, durante alguns anos, tivemos o Festival Internacional de Teatro de Almada (cuja abreviatura é, como está bom de ver, FITA). E, de FITA em FITA (plagiando Fernando Rebelo, num artigo do Sul Expresso), Joaquim Benite e a Companhia de Teatro de Almada foram consolidando, nesta cidade, um dos melhores eventos culturais do país e da Europa. Porque, sim, em meados da década de '90 já o Festival de Teatro de Almada tinha essa (merecida) aura.
Entretanto chegamos a 1996 e à edição número 13 do FITA. Eu disse-vos, no princípio deste artigo, que não sou nada teatreiro. Mas conheço alguns e sei que eles têm a tendência para ser supersticiosos.
Ora bem, é precisamente em 1996, na edição 13, que o FITA passa a chamar-se Festival de Almada. Coincidência?
Diz-me então Joaquim Benite - numa entrevista que lhe fiz para a revista Sem Mais - que, por o festival já ter ganho uma dimensão tão grande (nessa época, note-se), à semelhança do que acontece, por exemplo, com o Festival de Avignon, podia prescindir da palavra "teatro" e passar a chamar-se apenas Festival de Almada. As pessoas (o público culto dos anos '90, entenda-se) identificariam facilmente a natureza do evento.
A entrevista está no blog Almada Cultural por extenso.
(Não publiquei este pedaço da conversa... mas julgo que ainda hoje
tenho o registo original em cassete)
(Não publiquei este pedaço da conversa... mas julgo que ainda hoje
tenho o registo original em cassete)
«O Teatro é uma prática moral», afirma Benite em 1996 (e repete-o em 2001)
Devo dizer agora (por ser verdade) que essa foi uma das entrevistas que, ao logo da minha carreira profissional, mais gostei de fazer. Porque Joaquim Benite é um dos melhores "entrevistáveis" que conheço. Mas também porque, nessa altura em particular, eu estava muito bem preparado para a fazer.
Uma frase de Joaquim Benite que, então, me surpreendeu foi: «o Teatro é uma prática moral» - não no sentido "religioso" que a expressão habitualmente acarreta, mas porque influencia a formação cultural e cívica das pessoas e esta é, também, uma formação moral.
Cinco anos mais tarde confrontei-o com a mesma questão. A resposta está aqui:
E, embora Benite diga, nessa entrevista, que «o teatro não serve para ensinar», eu cá, na minha modesta opinião, digo que o Teatro, e a CTA, ensinou muita coisa a muita gente (gente na qual eu me incluo).
Infelizmente, parece que, neste novo e brilhante século XXI, há menos gente com vontade de aprender a ser.
Apesar de hoje existirem melhores condições para tal. Diria eu (se fosse moralista): dá deus nozes a quem não tem dentes!
(E não me refiro, como é óbvio, à CTA, está bem?)
2 comentários:
Querido António,
Em festas públicas acontece de tudo... Por isso, ótimos jornalistas e blogueiros como você são tão importantes para registrar os fatos e as fotos. Puxa, que ânimos com as "touradas", hein? Há gente que se empolga além da conta. Fiquei triste com a pixação na entrada no teatro no foto de 90. Mas, António, como as coisitas são controvertidas, não é mesmo? pelo que vi, agora o teatro é lindo e a turminha não se interessa tanto...
Abraços,
Madalena
Bem, Madalena, aqui em Almada até há uma turminha (e bem grande) que se interessa muito por Teatro e por outras actividades culturais. Mas eu sinto que, apesar de tudo, há um certo retrocesso em relação ao que se passou nos anos 90. Mas talvez essa tenha sido uma década excepcional (já ouvi dizer que os anos 90 foram a "revolução cultural portuguesa" - e até concordo, em parte, com essa ideia).
Mas, se já estivemos melhor e se agora, aparentemente, não estamos tão bem (em termos culturais) eu fico aborrecido com isso.
A pixação (ou pinchagem, como nós dizemos aqui) na parede do teatro é triste, realmente. Almada não é só uma cidade bonita: tem problemas, como todas as cidades (como todo o mundo) e um dos mais graves é a "democratização" desse tipo de coisas.
E olhe que eu até gosto de grafitis (ou grafitos, se preferir chamar-lhes assim). Não gosto é de "gatafunhos" nas paredes. E há gente que os faz como algunss animais fazem para marcar território. Os animais urinam e eles escrevem nas paredes (desculpe a linguagem, e a sinceridade).
É uma tristeza, pois é!
E quanto às touradas... já nem digo nada. Não gosto, mas ainda gosto menos de outras coisas. Por exemplo, de ver que certos "defensores dos animais" não se preocupam tanto com as barbaridades que os humanos fazem uns aos outros.
A.V.
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