Texto de Inês Lourinho, infografia Nuno Barbosa e Nuno Semedo
(artigo publicado na revista PRO TESTE, edição Janeiro 2021)
Ninguém o vê, mas todos o temem. O coronavírus tem condicionado as opções de mobilidade e o acesso ao espaço público. Quatro em cinco inquiridos receiam transportes públicos e eventos em recintos fechados. Quatro em dez têm medo inclusive de um simples passeio no jardim
O Verdadeiro dono disto tudo
O medo é um motor poderoso, que nos paralisa, nos leva à proteção de um esconderijo. Porque o sentimos? Por um primitivo impulso de sobrevivência, por um forte desejo de vida, ainda que inconsciente. A origem dos medos é complexa, não tem resposta de sim ou não, de preto ou branco. Mas muitos são resultados de um processo de aprendizagem.
Os últimos meses têm-nos parecido longos, como se desde aquele março, que, como todos os marços, prometia uma renovadora primavera, e ao invés nos trouxe a doença, tivéssemos vivido eternidades. Estes meses ensinaram-nos uma ampla paleta de cores do medo. Os boletins diários sobre a pandemia, as omnipresentes manchetes dos média, a desinformação na Internet propagada por incontáveis tribos de profetas pela verdade, as diretrizes das autoridades, ora para confinar, ora para desconfinar, e, em cima de tudo, a doença, o desemprego e a falta do contacto social têm construído um contexto de medo a que é difícil escapar.
Os resultados do
nosso inquérito à mobilidade em tempos de pandemia não oferecem,
por isso, grande surpresa. E são transversais aos países em que foi
conduzido, sob os auspícios da Organização Europeia de
Consumidores e do International Consumer Research and Testing:
Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Holanda, Itália,
Lituânia, República Checa e, claro, Portugal. Os 11.273 inquiridos,
dos quais 1.014 portugueses, têm uma forte perceção do risco de
infeção nos transportes públicos, seja em viagens de pequena ou de
longa distância. Ainda assim, portugueses e italianos são os mais
receosos: 80% temem usá-los. O inquérito foi enviado em finais de
outubro e abrangeu a população dos 18 aos 74 anos. As respostas
recolhidas refletem as opiniões e as experiências dos inquiridos.
Teletrabalho, uma ideia com futuro?
A pandemia trouxe muitas alterações ao modo de funcionamento da sociedade. Para evitar aglomerações, sobretudo nos transportes públicos, o teletrabalho impôs-se sem pedir licença. Antes do advento da covid-19, cerca de três em quatro empresas ou empregadores não permitiam prestação dos deveres profissionais à distância. Com o confinamento, apenas uma em quatro não considerou tal possibilidade. Mas, se antes de o coronavírus nos ter sitiado em casa, as entidades patronais dos inquiridos portugueses pareciam menos adeptas do teletrabalho do que as dos outros dez países do estudo, na quarentena, tiveram das adesões mais elevadas.
Quando a Europa começou a ensaiar um desconfinamento, o teletrabalho sofreu uma quebra discreta, que se intensificou em outubro, altura em que recolhemos os dados do inquérito. Tudo sugere, porém, que, no pós-pandemia, este formato não venha a ser o Santo Graal que muitos vaticinavam. Segundo os inquiridos portugueses, as suas empresas estão dispostas estão dispostas a continuar com o teletrabalho, mas o incremento é algo modesto, nem chegando a 10 por cento. E, quando desagregamos os resultados por nível educacional, indicador de um emprego mais ou menos qualificado, vemos que as perspetivas de a empresa permitir o teletrabalho quando a pandemia se extinguir são exatamente iguais: 38% dizem que o cenário será possível.
Aos que têm a possibilidade de teletrabalho no longo prazo, abrem-se janelas de oportunidade no que se refere à organização das suas vidas. Uma percentagem apreciável gostaria de mudar de ares e habitar noutra zona do País, fosse a título permanente (13%), fosse de forma temporária ou alternada (26 por cento). São sobretudo os que vivem na região de Lisboa e Vale do Tejo a contemplar este plano, que pode aliviar a pressão sobre os grandes centros urbanos, tanto em termos de transportes, quanto no plano da habitação. E, ao analisarmos por idades, os mais novos, na faixa dos 18 aos 34 anos, e os mais seniores, dos 50 aos 74 anos, são os mais suscetíveis à ideia. Mas casos há - 22% dos inquiridos - em que a natureza do trabalho que desempenham não lhes permite pensar em cenários idílicos.
Medo omnipresente
Não podemos viver com o outro, nem sem o outro. Parece ser o lema dos nossos dias. Se temos saudades dos contactos presenciais, também os tememos, e muito. O medo da infeção passou a condicionar o tipo de meios de transporte usados por 60% dos inquiridos, assim como a periodicidade das deslocações de 82% e os lugares frequentados por 87 por cento.
E depois da pandemia? O inquérito sugere que os receios podem levar tempo a esvair-se. Uma parte dos inquiridos revela que irá deixar de usar transportes públicos, frequentar restaurantes ou fazer viagens turísticas, em Portugal ou no estrangeiro. A Ver vamos. A história ensina-nos que o medo face aos donos disto tudo, um dia, também morre.
fonte: