quarta-feira, dezembro 28, 2011

Padre Ricardo Gameiro Lopes (1929 - 2011)

O Padre Ricardo Gameiro faleceu no dia 19 de Dezembro de 2011, aos 82 anos de idade.

Não sei bem o que dizer sobre o Padre Ricardo. Não tenho muito jeito para fazer homenagens póstumas. Conheci-o em 1994, na Rádio Voz de Almada (emissora de que ele foi um dos fundadores e de que era um dos directores e a principal figura de referência). E, como é natural, não fiquei indiferente à sua personalidade marcante (e um bocado intimidante no seu "papel" de director, para dizer a verdade). Não tinha por ele a maior das simpatias (até porque ele não procurava ser simpático, pelo menos quando o conheci). Mas sempre admirei uma sua rara e preciosa qualidade: a frontalidade!

Este artigo é de uma entrevista que lhe fiz em 2001 para o Jornal da Região (publicada também no Sem Mais Jornal). Ele resistiu bastante à ideia de falar sobre si próprio. Aliás, só consegui a entrevista prometendo-lhe que, mais tarde, faria uma reportagem aprofundada sobre a obra social do Centro Paroquial da Cova da Piedade. Infelizmente não cheguei a cumprir a promessa: poucos meses após a publicação desta peça deixei de colaborar com o Jornal da Região (e com a empresa do Sem Mais Jornal).

Tinha isto guardado para outra ocasião (e para outro blogue). Mas a vida prega-nos estas partidas de mau gosto...

sexta-feira, dezembro 23, 2011

três poemas de natal


RESPOSTA DA VAIDADE HUMANA AO MENINO JEJUM

o menino jejum nasceu a 25 de dezembro desse ano
e veio a falecer (morreu portanto) a 25 de dezembro desse mesmo ano.
a sua fugaz passagem por este mundo breve
apenas serviu para confrontar a vaidade humana
com as humildes perspectivas de quem muito poderia fazer
neste mundo se aqui tivesse vivido mais tempo.
a vaidade humana encolhe os ombros
e diz que viver neste mundo mais tempo
sem fazer nada
é bem melhor que morrer apressadamente
sem fazer tudo aquilo que poderia vir a fazer
e ainda por cima em jejum.



RESPOSTA DO MENINO JEJUM À VAIDADE HUMANA

aqui do alto assunto a que ascendi
vejo bem o quanto és vã ó vaidade humana
e só não te perdoo porque tu lá sabes
muito bem aquilo que fazes.
(aliás é essa a única coisa que tu sabes.)
muito eu te poderia ensinar sobre o não ser
mas sei também que tu não queres aprender
porque aprender implica trabalhar, como bem sabes.
apenas te digo que já não estou em jejum
pois agora que ascendi a um alto assunto
aqui me alimento com todas as palavras do mundo:
sou um poeta.
e mais não digo
porque no alto assunto a que ascendi o meu latim é muito caro.
ó vaidade humana que te contentas em ser apenas
a vaidade humana:
continua a dormir bem vaidade humana
que eu fico acordado a aprender
e a escrever
mas sei que quando me for deitar
também dormirei bem
embora sonhe sonhos um bocado bem diferentes
dos sonhos que tu sonhas ó vaidade humana.



RESPOSTA DA VAIDADE HUMANA À RESPOSTA DO MENINO JEJUM À VAIDADE HUMANA

a inveja exacerbada (companheira de quarto da vaidade humana)
acordou ao meio dia e vinte e três a vaidade humana
do sonho hiperactivo no qual como habitualmente hiperagia
para lhe dizer que do planeta alto assunto a que ascendeste
recebera uma comunicação urgente do menino jejum.
a vaidade humana refilou um pouco não muito com a inveja exacerbada
(a vaidade humana refila sempre com qualquer um
ou qualquer uma que a acorde ao meio dia e vinte e três)
e por uma vez na sua hiperactiva vida
dispôs-se a fingir que ouvia uma comunicação
vinda do planeta alto assunto a que ascendeste.
depois disse eu quero é que te vás f*der
e voltou para o seu sonho hiperactivo
onde sempre hiperage
queira ou não queira o menino jejum
ou qualquer outro habitante do planeta alto assunto a que ascendeste.



A.V., 2003

Imagem: "Um theatro de marionettes no parque de Vienna"
(Jornal do Domingo, Lisboa 1887)

sábado, dezembro 10, 2011

Atacar o parlamento é lutar contra o sistema? Ou é ajudar a acabar com o que resta da democracia?


Como sabem, o modelo neoliberal em que vivemos foi aplicado em primeiro lugar numa ditadura sem partidos (o Chile de Pinochet). A economia neoliberal passa muito bem sem partidos, sem parlamentos, sem democracia. Mas ainda precisa dos governos.

Como certamente já notaram, na Europa está em curso um processo de centralização à volta de um governo europeu (a Comissão Europeia), vassalo do poder financeiro e dirigido politicamente pela Alemanha. Esse governo dá orientações (chamadas directivas comunitárias) aos governos dos estados-membros. Nesse processo foram retirados poderes às instituições democraticamente eleitas: ao Parlamento Europeu mas, principalmente, aos parlamentos nacionais.

A cadeia de comando é: capital financeiro --> comissão europeia --> governos dos estados-membros. Os parlamentos são impecilhos neste processo. Para os neoliberais quanto menos "política" a atrapalhar a mão invisível das forças de mercado, melhor.

E eu sei que os meus esclarecidos e revolucionários amigos sabem isto muito bem. Não quero ensinar a missa ao padre.

Quero é que me expliquem porque - sabendo isto tão bem - não atacam os verdadeiros poderes (o capital financeiro e os seus mandatários do governo) e insistem antes em denegrir o parlamento, a política e os partidos.

Não é para fazerem a vontade ao capitalismo neoliberal, pois não?
Então é para quê?

Nota: escrevi este texto na "rede social" da internet em que participo, e não tinha a intenção de o publicar aqui. Mas decidi dar-lhe mais visibilidade porque até agora ninguém soube (ou quis) responder às perguntas que faço. E estou mesmo interessado em entender. Alguém me esclarece?

(A imagem é do documentário "The Story of Stuff