Tenham a gentileza de olhar para este recorte de imprensa. É a notícia de um curso de "iniciação musical" para crianças de Almada "e arredores". Se vocês se sentem com queda para a música e têm vontade de desenvolver esse atributo, insistam com os vossos paisinhos para vos inscreverem no curso (...)".
Ora bem, "queda para a música" - digamos assim, já que é assim que está na notícia - é algo que, em Almada, existe, e muito, há muito tempo. Nesta cidade (neste Concelho), as principais colectividades, e as mais antigas, tiveram a suas raizes, precisamente, em grupos de música. Veja-se o emblemático caso da mais que centenária Incrível Almadense (e da "sucedânea" - e rival, durante muitas décadas - Academia Almadense). Ou o caso da SFUAP (para não esquecer a outra das "três grandes" do associativismo "tradicional" em Almada).
Cito, a propósito, o site da SFUAP (porque é aquele onde encontrei esta ideia melhor explicada, e só mesmo por isso, ok, pessoal das outras colectividades?):
"A SFUAP deve a sua fundação, em 23 de Outubro de 1889, a um grupo de residentes da Cova da Piedade, na sua maioria operários corticeiros, de um modo geral imbuídos do espírito da época: criar uma banda de música.
No fundo, impulsionada, protegida mesmo, pelo vigoroso amor dos seus fundadores, a colectividade surgiu, precisamente, quando as ideias liberais agitavam os homens de Almada, sofrendo a sua benéfica influência.
Começou com a música, logo alargando a sua actividade ao teatro. Alguns anos mais tarde, face às inúmeras carências de instrução que afligiam a população, a SFUAP enveredou pela instrução criando uma escola com aulas diurnas para crianças e nocturnas para adultos. Três semanas após a abertura da escola nas instalações da sede, as aulas já tinham uma frequência de 110 alunos."
Isto era, por assim dizer, o princípio (aliás, um dos inícios) do que viria a ser um movimento associativo forte, influente e criativo em Almada, cidade e concelho.
A música esteve sempre presente nessa caminhada.
Assim, não é de estranhar que, no princípio dos anos 80 do século 20, quando aparece o chamado "boom" do chamado "rock português", Almada seja - com o Porto - uma das "capitais" do fenómeno. Lembremo-nos de bandas como UHF, Xutos e Pontapés, Iodo, Roquivárius - todas "de referência" nessa época, e algumas ainda em actividade - que nasceram em Almada ou que, de alguma forma, estiveram fortemente ligadas a esta terra.
Ora, o recorte de imprensa é (não sei se já repararam...) de 1982, mais precisamente de dia 25 de Março - ou seja: faz hoje 28 anos que foi publicado. Eu, que gosto muito de aproveitar as "efemérides", lembrei-me de o (re)publicar agora. Mas não é para falar do passado. É para, tendo o passado (a História) como referência, reflectir sobre o que temos hoje, olhando em frente.
Há 28 anos, quem estava a promover aquele curso era uma associação de "novos" (na época) agentes culturais. Uma estrutura que lutava - arduamente e com escassos recursos - em prol de uma mudança de mentalidades na maneira de encarar os assuntos da Cultura e, particularmente, a formação dos animadores culturais. Era uma estrutura que defendia e promovia um trabalho de base, muitas vezes ignorado ou mal visto, para dar formação às pessoas que - em áreas tão distintas como sindicatos, comissões de moradores ou de trabalhadores, escolas, empresas - tentavam, com o que tinham à mão (e muitas vezes sem os conhecimentos técnicos necessários), fazer "trabalho cultural" junto das suas comunidades.
Chamava-se, essa associação, Centro Cultural de Almada. (Eu estive lá, e hei-de contar um pouco da sua história. Mas não aqui nem agora.)
Em 1982, o (ou a) jornalista que escreveu a notícia a que me tenho vindo a referir, julgou importante dar umas "dicas" - com sentido de humor, note-se - para convencer os papás a inscrever as criancinhas no curso. A acção formativa até nem seria muito cara, mas vivia-se um tempo de crise económica, que afectava, muito severamente, o distrito de Setúbal (os anos 80 foram quase tão maus como esta década, nesse aspecto). Ou seja, não havia "massa" - traduzindo: "guito" - para essas coisas do Ensino e da Cultura!
Mas o (ou a) articulista insistia: "Aproveitem uma altura em que eles estejam hipnotizados diante do aparelho de televisão e comecem a falar-lhes no tal curso, garantindo-lhes que ficareis traumatizados para toda a vida se eles se opuserem ao vosso legítimo direito de aprender música. É preciso insistir tanto que eles se vejam perante o risco de perder o programa televisivo".
Que sábias palavras e que douto conselho, ó meus amigos!
Em 1982 eram "os paisinhos" quem ficava frente à televisão - os putos queriam era rua!
Hoje, são "os putos" quem fica frente ao écran. Estão a ver como - citando o Grande Vate - "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"?
Noto que "os putos" daquele tempo estão, supostamente, em vantagem. Porquê? Pois, por isso mesmo: já devem conhecer a técnica para tirar partido de alguém que esteja hipnotizado por um écran. Se, nos oitentas faziam isso com os pais, não conseguem agora fazê-lo com os filhos?
Pois bem, era isto, apenas, o que eu queria dizer. Reflectir sobre o passado para, olhando em frente, avaliar melhor a actualidade (como já referi antes). Ou, citando outro grande poeta, ter em conta que "só as lições da realidade nos podem ensinar a transformar a realidade".
Mas - e desta vez é mesmo para concluir - não acredito que assim seja: que, em Portugal, as lições da realidade nos ensinem alguma coisa. Somos muito imediatistas. Sempre fomos. É uma evidência histórica. Até mesmo da História recente: na década de 90, com tanto dinheiro, com tantos apoios "da Europa", com tanta criatividade de súbito desatada... preferimos continuar com o nosso mau fado, com o nosso choradinho. E agora, amiguinhos, vivemos um tempo de retrocesso civilizacional. Felizmente há sinais, ainda ténues, que indicam que podemos estar a sair desse retrocesso. Digo eu, mas eu sou um optimista incorrigível. Com a tendência bipolar e a falta de memória histórica do bom povo português, não sei, não...
Ora bem, "queda para a música" - digamos assim, já que é assim que está na notícia - é algo que, em Almada, existe, e muito, há muito tempo. Nesta cidade (neste Concelho), as principais colectividades, e as mais antigas, tiveram a suas raizes, precisamente, em grupos de música. Veja-se o emblemático caso da mais que centenária Incrível Almadense (e da "sucedânea" - e rival, durante muitas décadas - Academia Almadense). Ou o caso da SFUAP (para não esquecer a outra das "três grandes" do associativismo "tradicional" em Almada).
Cito, a propósito, o site da SFUAP (porque é aquele onde encontrei esta ideia melhor explicada, e só mesmo por isso, ok, pessoal das outras colectividades?):
"A SFUAP deve a sua fundação, em 23 de Outubro de 1889, a um grupo de residentes da Cova da Piedade, na sua maioria operários corticeiros, de um modo geral imbuídos do espírito da época: criar uma banda de música.
No fundo, impulsionada, protegida mesmo, pelo vigoroso amor dos seus fundadores, a colectividade surgiu, precisamente, quando as ideias liberais agitavam os homens de Almada, sofrendo a sua benéfica influência.
Começou com a música, logo alargando a sua actividade ao teatro. Alguns anos mais tarde, face às inúmeras carências de instrução que afligiam a população, a SFUAP enveredou pela instrução criando uma escola com aulas diurnas para crianças e nocturnas para adultos. Três semanas após a abertura da escola nas instalações da sede, as aulas já tinham uma frequência de 110 alunos."
Isto era, por assim dizer, o princípio (aliás, um dos inícios) do que viria a ser um movimento associativo forte, influente e criativo em Almada, cidade e concelho.
A música esteve sempre presente nessa caminhada.
Assim, não é de estranhar que, no princípio dos anos 80 do século 20, quando aparece o chamado "boom" do chamado "rock português", Almada seja - com o Porto - uma das "capitais" do fenómeno. Lembremo-nos de bandas como UHF, Xutos e Pontapés, Iodo, Roquivárius - todas "de referência" nessa época, e algumas ainda em actividade - que nasceram em Almada ou que, de alguma forma, estiveram fortemente ligadas a esta terra.
Ora, o recorte de imprensa é (não sei se já repararam...) de 1982, mais precisamente de dia 25 de Março - ou seja: faz hoje 28 anos que foi publicado. Eu, que gosto muito de aproveitar as "efemérides", lembrei-me de o (re)publicar agora. Mas não é para falar do passado. É para, tendo o passado (a História) como referência, reflectir sobre o que temos hoje, olhando em frente.
Há 28 anos, quem estava a promover aquele curso era uma associação de "novos" (na época) agentes culturais. Uma estrutura que lutava - arduamente e com escassos recursos - em prol de uma mudança de mentalidades na maneira de encarar os assuntos da Cultura e, particularmente, a formação dos animadores culturais. Era uma estrutura que defendia e promovia um trabalho de base, muitas vezes ignorado ou mal visto, para dar formação às pessoas que - em áreas tão distintas como sindicatos, comissões de moradores ou de trabalhadores, escolas, empresas - tentavam, com o que tinham à mão (e muitas vezes sem os conhecimentos técnicos necessários), fazer "trabalho cultural" junto das suas comunidades.
Chamava-se, essa associação, Centro Cultural de Almada. (Eu estive lá, e hei-de contar um pouco da sua história. Mas não aqui nem agora.)
Em 1982, o (ou a) jornalista que escreveu a notícia a que me tenho vindo a referir, julgou importante dar umas "dicas" - com sentido de humor, note-se - para convencer os papás a inscrever as criancinhas no curso. A acção formativa até nem seria muito cara, mas vivia-se um tempo de crise económica, que afectava, muito severamente, o distrito de Setúbal (os anos 80 foram quase tão maus como esta década, nesse aspecto). Ou seja, não havia "massa" - traduzindo: "guito" - para essas coisas do Ensino e da Cultura!
Mas o (ou a) articulista insistia: "Aproveitem uma altura em que eles estejam hipnotizados diante do aparelho de televisão e comecem a falar-lhes no tal curso, garantindo-lhes que ficareis traumatizados para toda a vida se eles se opuserem ao vosso legítimo direito de aprender música. É preciso insistir tanto que eles se vejam perante o risco de perder o programa televisivo".
Que sábias palavras e que douto conselho, ó meus amigos!
Em 1982 eram "os paisinhos" quem ficava frente à televisão - os putos queriam era rua!
Hoje, são "os putos" quem fica frente ao écran. Estão a ver como - citando o Grande Vate - "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"?
Noto que "os putos" daquele tempo estão, supostamente, em vantagem. Porquê? Pois, por isso mesmo: já devem conhecer a técnica para tirar partido de alguém que esteja hipnotizado por um écran. Se, nos oitentas faziam isso com os pais, não conseguem agora fazê-lo com os filhos?
Pois bem, era isto, apenas, o que eu queria dizer. Reflectir sobre o passado para, olhando em frente, avaliar melhor a actualidade (como já referi antes). Ou, citando outro grande poeta, ter em conta que "só as lições da realidade nos podem ensinar a transformar a realidade".
Mas - e desta vez é mesmo para concluir - não acredito que assim seja: que, em Portugal, as lições da realidade nos ensinem alguma coisa. Somos muito imediatistas. Sempre fomos. É uma evidência histórica. Até mesmo da História recente: na década de 90, com tanto dinheiro, com tantos apoios "da Europa", com tanta criatividade de súbito desatada... preferimos continuar com o nosso mau fado, com o nosso choradinho. E agora, amiguinhos, vivemos um tempo de retrocesso civilizacional. Felizmente há sinais, ainda ténues, que indicam que podemos estar a sair desse retrocesso. Digo eu, mas eu sou um optimista incorrigível. Com a tendência bipolar e a falta de memória histórica do bom povo português, não sei, não...
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