sexta-feira, julho 05, 2013

Sorria! Está a ser manipulado.


Quando decide comprar este ou aquele produto, aderir a este ou àquele serviço, ver este ou aquele filme, votar neste ou naquele candidato... está a decidir em consciência? A escolher o que é, de facto, melhor para si? E pondera as consequências que essa escolha terá na sua vida e na vida dos que lhe são próximos? Tem a certeza?

Não quer pensar melhor no assunto?

Porque, na verdade, não é bem assim que as coisas funcionam.

A maior parte das decisões que tomamos (e entre elas as mais importantes) são accionadas por mecanismos inconscientes. Decidimos antes de pensar e, quando pensamos no que decidimos (e, normalmente, só pensamos depois de termos decidido), estamos apenas a justificar para nós próprios (e para os outros, se for caso disso) a nossa decisão irracional.

Surpreendido? É natural: tudo isto são afirmações que contradizem muito do que aprendemos durante décadas. Mas os processos das decisões irracionais estão, agora, muito bem estudadas pelas ciências neurológicas. E esse conhecimento tem vindo a ser aplicado na prática, em coisas que afectam a nossa vida quotidiana e, consequentemente, condicionam os nossos comportamentos enquanto indivíduos e enquanto sociedade.

Uma das áreas de estudo que aplicam as descobertas feitas pelos neurologistas sobre a maneira como os nossos cérebros funcionam tem um nome até muito sugestivo: o neuromarketing!

Há quem fale também em neuroeconomia e mesmo neuropolítca - aplicações das ciências neurológicas à economia e à política. Mas, neste artigo, vou referir-me apenas ao neuromarketing e, mais especificamente, a um livro que é um verdadeiro manual de instruções: 'Neuro Marketing - o Centro Nevrálgico da Venda' (edição portuguesa: Smartbook, Lisboa, 2009).

Escrito por dois homens com vasta experiência na área - os franceses Patrick Renvoisé e Christophe Morin - 'Neuro Marketing' destina-se a ensinar os profissionais da publicidade e das vendas, ajudando-os a passar de uma abordagem intuitiva para outra mais metódica, fundamentada nas descobertas mais recentes das ciências neurológicas.

É, portanto, um autêntico manual de manipulação. Mas (até por isso mesmo) indispensável para quem queira entender os processos com os quais somos manipulados - o que, penso que concordarão comigo, é o ponto de partida nos defendermos da manipulação.

Os autores começam por definir as várias "valências" do cérebro humano (embora de forma resumida, mas eficaz para a mensagem que pretendem transmitir) - temos um "cérebro primitivo", que processa a intiuição (numa "divisão" a que os autores chamam "cérebro intuitivo") e as emoções (o "cérebro emocional"). Por cima deste, muito mais recente e comandado pelo "cérebro primitivo", temos o neocortex, ou "cérebro racional". Até há relativamente pouco tempo dava-se importância exagerada ao "cérebro racional", por se julgar que era este que comandava, filtrava os impulsos do subconsciente e tomava as decisões. Mas, pelo menos desde a década de 1980 e, particularmente a partir da década seguinte, após a publicação do livro "O Erro de Descartes", do neurologista português António Damásio, sabe-se que não é exactamente assim que funcionamos.

No processo de decisão, as emoções aparecem antes da razão. Mas não só: descobertas subsequentes têm demonstrado que as emoções são mesmo mais importantes e fundamentais para o processo de decisão. Essas emoções são processadas pelo "cérebro primitivo" antes de "chegarem" ao neocortex, e são processadas durante mais tempo do que se imaginava, e as consequências desse processamento "irracional" são, para o resultado final, maiores do que se julgava. (Nota: os processos são, na verdade, mais complexos, e eu estou a usar uma linguagem simplificada, tal como os autores do livro. Para entender estes processos com mais rigor é aconselhável consultar obras especializadas).

"Os investigadores demonstraram que os seres humanos tomam as suas decisões de forma emocional, justificando-as depois racionalmente. Na verdade, as emoções são recebidas e processadas pelo cérebro intuitivo e a decisão final é tomada pelo cérebro primitivo", escrevem os autores, e acrescentam que "no seu livro 'How The Brain Works, o especialista do cérebro humano Leslie Hart observa: "Um grande número de descobertas indica que o cérebro primitivo é o comutador central que especifica que sinais irão para o cérebro racional e que decisões serão aceites".

Portanto, não é de estranhar a afirmação de que "a maioria de nós faz uma compra com base em emoções e, em seguida, justifica racionalmente as suas decisões".

Isso explica-se porque a publicidade (tal como outros tipos de marketing) apela à emoção e não à razão, e "O cérebro primitivo reage fortemente às emoções. As neurociências demonstraram claramente que uma emoção provoca uma reacção química no seu cérebro, a qual influencia directamente a maneira como você processa e memoriza as informações. Pode simplesmente lembrar-se de acontecimentos e informações que não vão muito além do curto prazo, a menos que experimente aquilo que os cientistas apelidam de "forte cocktail emocional", ou seja, o resultado das emoções quimicamente processadas pelo seu cérebro".

Partindo destas asserções, os autores do livro explicam (aos publicitários) e desvendam (aos seus alvos, que somos todos nós) alguns dos truques utilizados pelo "neuromarketing".

Em primeiro lugar, fazer o diagnóstico das frustações dos potenciais clientes. Leu bem: os autores não falam em necessidades, desejos ou aspirações do público-alvo, mas sim nas suas frustrações. E é a análise dessas frustrações, seguida de processos tendentes a convencer o potencial cliente de que há uma solução adequada ao seu problema que vai "despoletar" o impulso da compra.

Isto, trocado em miúdos, é mais ou menos assim: decidimos em função de emoções (como já vimos atrás), mas as emoções mais fortes têm a ver com os nossos medos; diagnosticando esses medos, conforme as situações concretas em que se apresentam (um potencial comprador de um telemóvel ou computador portátil tem medo que esse aparelho seja tão frágil que se estrague da primeira vez que cair ao chão; um investidor tem medo de perder o seu investimento...) podemos apresentar a solução que pareça mais adequada (comparando um computador que cai ao chão e fica intacto com outro que se parte; mostrando um investidor feliz a pescar num aquário cheio de peixes em contraste com outro, isolado numa praia deserta, sem sinal de peixes). O que se está a vender não é, necessariamente, a melhor solução (não se valorizam as qualidades do produto) mas sim a solução que melhor corresponde ao medo do potencial consumidor. Ou seja, o produto ou serviço que melhor apazigua o "medo" - a "solução" que "resolve" o "problema".

Claro que isto se aplica mesmo que o "problema" não seja um problema real, mas sim inventado pelo próprio marketing - a velha técnica de inventar a doença pare depois vender a cura. Os autores do livro não vão ao ponto de sugerir tais práticas, naturalmente. Mas citam uma frase do publicitário David Ogilvy que me parece muito apropriada: "Se quer vender extintores, ateie o fogo em frente dos potenciais clientes".

Reagimos, então, a problemas imaginários, que não existem de facto? Sim, se os percepcionarmos como se fossem problemas reais! E decidimos, então, reagindo apenas a ilusões? Sim, infelizmente decidimos assim, muitas vezes!

Aliás, os autores não têm duvidas em afirmar que "as histórias têm mais impacto que os dados racionais mais fundamentados".

Como assim? Mais uma vez, devido às características do nosso "cérebro primitivo", que se desenvolveu durante um longuíssimo período em que não havia écrans, nem tecnologia ou civilização, tal como a entendemos hoje. E que se adaptou às necessidades desses tempos ancestrais (tempos que formam, de longe, a maior parcela da evolução da espécie humana, com tudo o que isso significa e implica).

"Mas por que é que uma acção tão banal como contar uma história produz um tal efeito? Mais uma vez, por causa do cérebro primitivo.

No entanto, não somos nós, pessoas adultas, indivíduos racionais? Ora, quando vemos um filme, sentimos emoções, mais ou menos intensas, que nos fazem ficar tristes, alegres, melancólicos, revoltados ou chorosos. Sabemos, todavia, que se trata de ficção. O herói não morreu de verdade e o bebé não perdeu realmente os pais.

E no entanto... o nosso cérebro racional tem consciência de que é tudo ficção, mas o maestro, o cérebro primitivo, não distingue entre a realidade e uma história bem urdida.

O cérebro primitivo liberta então uma torrente de hormonas que tanto faz com que as lágrimas nos caiam cara abaixo como desencadeia outras respostas fisiológicas: garganta apertada, mãos húmidas, aumento súbito da tensão arterial, aceleração do ritmo cardíaco, etc.

As boas histórias têm mais impacto no cérebro primitivo e no nosso inconsciente do que os dados puramente racionais."


E isso, nas mãos de publicitários (ou propagandistas) hábeis, pode ser uma arma extremamente poderosa.

Cuidado, então, com as histórias que deixamos que nos contem...

Claro que, para nos defendermos eficazmente de toda esta ofensiva publicitária (e propagandística) altamente sofisticada, precisamos primeiro de dar o passo mais desconfortável: assumir que não, não somos aquelas pessoas muito esclarecidas que não se deixam enganar facilmente. Por muito que isso nos custe, estamos todos vulneráveis à manipulação. A boa notícia é que, se soubermos quais são os pontos vulneráveis da nossa percepção, podemos defendê-los melhor - e sim, é possível conhecer esses nossos pontos fracos, e defendê-los. Pelo menos até onde a ciência, no seu estado actual, nos permite fazê-lo.

A ciência não é, em si, uma coisa "boa" ou má". Pode é ser aplicada com boas ou más intenções. E nisto, como em tantas outras áreas da nossa vida, depende apenas de nós aceitarmos o que não nos prejudica e rejeitarmos o que nos é nefasto.